Em organização inédita, debenturistas se unem para negociar com Americanas

Grupo busca ainda adesão de detentores de bônus e de CRAs para ganhar força nas discussões

Uma organização inédita no mercado de capitais brasileiro está unindo um batalhão de debenturistas, detentores de cerca de R$ 6 bilhões de crédito privado da Americanas, na busca de um lugar de destaque na mesa de negociações com a varejista, que está em recuperação judicial após uma das maiores crises corporativas no Brasil. Os grupos, que já se organizaram também em grupos de WhatsApp para facilitar a comunicação, começaram a se sentar com advogados especializados nesse tipo de briga na Justiça.

A ideia é atrair ainda os detentores de dívida externa, os bondholders, e também os que compraram os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) emitidos pela controlada Hortifruti Natural da Terra, para o grupo ganhar mais musculatura nas negociações. Se os donos de bonds entrarem no grupo, o volume de crédito em mãos iria para R$ 12 bilhões – cerca de 29% do total de créditos de classe III, de dívidas com terceiros.

Só de debêntures, a Americanas tem seis emissões no mercado. O primeiro grupo formalmente a se organizar foi o da emissão Lamea7, com vencimento em 2023 e volume de R$ 2 bilhões. Em assembleia, os debenturistas definiram a contratação, para assessorá-los no caso, do escritório Munhoz Advogados, de Eduardo Munhoz, especialista em reestruturação de empresas.

Assembleias das outras cinco emissões devem ocorrer até o fim da próxima semana. Segundo fontes, os donos de Lamea8 já fecharam a contratação do Felsberg Advogados. A informação não foi confirmada pelo escritório. O Felsberg tem mantido reuniões com donos de bonds. Nas conversas também participa a corretora Seaport Global Securities, por meio de seu braço especializado em reestruturação Pericles.

“O que estamos dizendo aos donos de bonds é que, se houver um alinhamento entre boldholders e debenturistas, o grupo poderá ter poder de voto. E quanto antes se puder sentar com a companhia, melhor será. O risco é de se deixar para depois e encontrar uma solução em detrimento de quem não está na mesa”, afirmou Thomas Felsberg em entrevista recente ao Valor.

Na visão dos debenturistas, dado o tamanho do grupo e a pulverização dos papéis no mercado, a união foi a forma vista para se conseguir mitigar as perdas e evitar uma posição pior no final das negociações. Os bancos conseguiram sair na frente nas discussões, com uma estratégia mais agressiva que inclui a abertura de ações na Justiça e levantamento de provas contra a administração da companhia, diz um gestor de crédito que participa das conversas.

“O objetivo dos debenturistas, que representam a dívida do mercado de capitais, é de não ter uma postura passiva, na qual os debenturistas acompanham os demais credores e são arrastados pelos outros. Agora a intenção é de ter protagonismo e com decisões rápidas”, disse Munhoz. Além do grupo de WhatsApp, esses detentores de debêntures decidiram pela criação de um comitê, com representatividade sobre o coletivo. “Isso foi feito para se ter governança e possibilidade de tomada de decisão rápida, o que é crucial”, diz o advogado.

O grupo, afirma Munhoz, tende a crescer. Isso porque muitas gestoras e bancos têm debêntures de outras emissões e devem trazê-las para fazerem parte do mesmo movimento. “Os pontos por trás da decisão dos fundos são o dever fiduciário e a credibilidade do mercado. O caso da Americanas é muito grave e coloca em xeque a credibilidade do mercado.”

Na lista de debenturistas, também há quem prefira individualizar as discussões. Um dos motivos para isso, segundo um gestor, é evitar ter de compartilhar informações estratégicas para concorrentes.

O pontapé da organização do grupo teria partido da gestora da XP, que seria a instituição financeira com mais debêntures em seus fundos. Procurada, a XP não comentou.

“A Americanas era uma empresa que muitos gestores acreditavam que era ‘segura’, tinha muito caixa e ainda os recebíveis para receber”, disse um gestor de crédito de um dos fundos comprados na companhia. “Agora todo mundo tem um interesse em comum. Se não nos sentarmos na mesa com a Americanas, teremos o maior ‘haircut’ [redução do valor a receber]”

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