Em meio à consolidação e à onda digital, corretoras se reorganizam

Casas se mexem para sobreviver à competição

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Em janeiro, quando a Planner acertou a venda da sua carteira de pessoa física para o BTG Pactual, Carlos Arnaldo Borges, CEO e acionista controlador da corretora, deu um diagnóstico preciso do lado de quem viveu a transformação do mercado de investimentos nos último anos: “A área de varejo ficou para as grandes instituições financeiras, que tenham uma plataforma robusta e um leque de produtos abrangente, um mercado mais difícil de competir”.

Do grupo da velha guarda, quem segue ativo no segmento tem feito as suas próprias reestruturações para ficar em dia com as demandas digitais, diversificar fontes de receitas e se manter vivo na competição. “Se sai do duopólio [de XP e BTG], tem espaço para conquistar, o mercado é grande o suficiente para mais de dois participantes”, resume André Ferreira, CEO da Nova Futura. “A gente não acredita em modelos malucos de corretoras e fintechs em que é tudo de graça, porque em algum momento o dinheiro vai acabar.”

A corretora está prestes a lançar uma gestora de patrimônio digital com o suíço Vontobel, após acordo selado em outubro de 2021. Na Terra Investimentos, o Banco Central (BC) recém aprovou um aumento de capital, que elevou o valor base da instituição de R$ 22,3 milhões para R$ 42,3 milhões. Com o reforço financeiro, a casa trouxe uma equipe de 55 pessoas da mesa institucional da Guide e vai renovar a infraestrutura tecnológica para fazer frente a outros projetos. A BGC Liquidez passou por uma reestruturação nos últimos três anos, voltou ao azul e agora consegue “olhar para os próximos passos” dentro de um grupo que não atende o varejo.

Assim como a Planner, outras corretoras tiveram que redimensionar a sua atuação num jogo marcado pela rápida revolução tecnológica e vários lances de consolidação, que, fora dos grandes bancos de varejo, tem sido liderada por XP e BTG. A Singulare (antiga Socopa) vendeu a carteira de varejo para a XP, e a Fator para o BTG, em transações sem o legado do CNPJ. O banco ainda levou a Necton (união da Concórdia com a Spinelli) e a Elite, enquanto a XP anunciou em janeiro a aquisição do Modal.

No ano passado, a Warren fechou a compra da Renascença e, alguns capítulos atrás, vale citar a venda da Easynvest (antiga Título) para o Nubank. No meio disso saiu de cena a Magliano, corretora com registro nº 1 na antiga Bovespa, que transferiu a operação de varejo e a área de administração e custódia para a Guide em 2018 e 2019, e em 2020 o que restou para a Neon Pagamentos.

Num primeiro momento, o acordo da Nova Futura com o Vontobel se deu por meio de uma parceria comercial e não societária, mas Ferreira diz que os sócios estão abertos às possibilidades de consolidação de mercado – não há, por ora, qualquer conversa a respeito com o grupo suíço.

A corretora acumula quase três décadas no mercado e segue como uma empresa familiar, com o pai, João Ferreira, atualmente como “chairman”, e os três filhos na sociedade, com ele e o irmão Manuel com funções executivas.

Com cerca de 140 mil clientes, Ferreira diz que o embate entre XP e BTG por assessorias de investimentos deixou a aquisição de custódia cara. A Nova Futura preferiu não entrou na guerra da corretagem zero e cobra por tudo. “A gente nunca teve um prejuízo na vida, não deve dinheiro, não tem empréstimo, usa o Ebitda a favor do negócio, que tem crescido com o próprio capital”, afirma. “A gestora digital é uma alavanca importante para acelerar a custódia e base de clientes porque a competição ficou mais cara e difícil. Temos que fazer mais com menos.”

Atualmente, a corretora reúne cerca de R$ 8 bilhões em custódia. Até a parcial de nove meses divulgada ao Banco Central, a instituição acumulava lucro de R$ 14,8 milhões em 2021, depois de reportar R$ 15,6 milhões no exercício fechado de 2020.

A Terra acumulava prejuízo de R$ 4,1 milhões em 2021 até setembro, vindo de resultados positivos nos três anos anteriores. Segundo Tiago Haouli, CEO da instituição, o aumento de capital já estava previsto para dar robustez financeira à operação e suportar o crescimento.

Cerca de R$ 15 milhões foram investidos em pessoas, marketing e infraestrutura física, com a inauguração da filial de Londrina e expansão da sede e da unidade do Rio. Outros R$ 10 milhões foram direcionados para a tecnologia, com a ampliação da central de dados e transferência das transações para o ambiente de “nuvem”, um pré-requisito para o avanço no varejo. Meios de pagamentos, gestão de recursos, seguros e previdência estão entre as frentes que a casa pretende explorar.

“A gente acredita muito no mercado de varejo, só que precisa ter consciência do que deve ser feito para não gastar dinheiro desnecessariamente e atuar de forma racional”, diz Aparecido Sousa, diretor de operações da Terra. “Esse é um negócio de margem muito baixa, qualquer erro estratégico pode gerar prejuízo não apenas momentâneo, mas recorrente.”

Do lado institucional, o casamento com um time de dezenas de pessoas veio do desejo de ter uma mesa maior para atender a pessoa jurídica financeira, entre profissionais de bancos, corretoras, gestoras de recursos e fundações, “clientes que movimentam grandes números com estruturas de derivativos ou com ações”, diz Haouli.

Com a chegada dos novos profissionais, os volumes movimentados nesse segmento saíram de cerca de R$ 300 milhões ao dia no ano passado para, em alguns momentos, chegar a R$ 800 milhões. Na renda fixa, o plano é estar entre as corretoras “top 10” que operam contratos futuros de juros, um segmento que tem muita sinergia com a mesa de agronegócio, carro chefe da DTVM e que esteve na origem da casa, há cerca de duas décadas. Nesse campo há ainda a expansão dos sistemas de alta frequência para atender clientes locais e estrangeiros que buscam transações automatizadas.

A Terra Pay, que vai começar com uma carteira digital, deve começar a operar no segundo semestre. Outra linha que a corretora vai desenvolver é a de câmbio. “O cliente de agro é intensivo em câmbio e o público de varejo também, é uma área com grande potencial para além dos clientes da própria Terra”, diz Sousa.

A BGC Liquidez passou os últimos três anos arrumando a casa, voltou ao azul e agora consegue “olhar para os próximos passos” dentro de um grupo que globalmente só atende o público institucional, diz Erminio Lucci, CEO da corretora. A instituição saiu de um prejuízo de R$ 11,3 milhões em 2017 para fechar 2021 com lucro líquido de R$ 19,1 milhões, 17,9% acima do exercício anterior. Em dezembro, protocolou no BC autorização para um aumento de capital de R$ 25,1 milhões.

Sem vocação para o varejo, a BGC Liquidez tem apostado em algumas verticais, descreve Lucci, como a mesa de renda fixa (é dealer do Tesouro Nacional) e no crédito. Em renda variável, ampliou as operações, passando a intermediar o aluguel de ações e negociações com contratos futuros. O time de vendas foi reforçado para que a cobertura, antes concentrada em bancos, ganhasse novos investidores, como gestoras de multimercados, que se multiplicaram no Brasil nos últimos anos. “Isso acaba ampliando a base de clientes institucionais no mercado”, diz Lucci.

A corretora ainda montou uma área para operações no mercado de energia elétrica e está estruturando uma divisão para o atendimento a fundos de previdência privada.

Para o executivo, a corretora se beneficia do fato de ser uma casa global, oferecendo execução em grandes mercados, bolsas e nas principais classes de ativos. “Boa parte da concorrência local não tem um plataforma que negocie no mundo inteiro. Temos uma das mais modernas de títulos americanos, quase 18% de market share em negociação eletrônica no mundo.”

A americana BGC Partners adquiriu a Liquidez em 2009 e Lucci foi o primeiro a assumir o comando no Brasil, mas somente em 2017. “A gente foi rigoroso em controle de custos fixos e de pessoal porque a competição na nossa indústria ficou maior, e a margem, mais apertada”, diz ele. “Não se pode descuidar disso a fim de não comprometer o resultado final.”

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