Depois da eleição, investidor estrangeiro marca ‘posição tática’ na B3
Passadas as eleições presidenciais, o investidor estrangeiro voltou a trazer dinheiro para o Brasil. E a perspectiva de analistas e gestores de recursos ouvidos pelo GLOBO é de uma escalada ao longo dos próximos meses, quando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresenta sua equipe e planos de política econômica e assume o cargo.
A movimentação se intensificou ainda antes da decisão do segundo turno. A porta de entrada do retorno dos estrangeiros tem sido a Bolsa de São Paulo, a B3, mas a postura adotada ainda é “tática”: trocam dólares por reais, compram ações de companhias fortes e conhecidas — o que facilita a venda, se for preciso — e ficam esperando sinais mais claros sobre os rumos do terceiro governo Lula.
A sinalização correta poderá fazer com que o volume de recursos se amplie e os investimentos estrangeiros se espalhem além da B3, esperam agentes do mercado.
Todo o dinheiro aplicado pelos estrangeiros nas ações negociadas na Bolsa brasileira este ano, até outubro, soma o equivalente a R$ 84,5 bilhões, segundo dados da própria B3.
O valor não é desprezível, considerando que ao longo de todo o ano de 2021 o investimento vindo lá de fora em papéis listados no mercado acionário brasileiro foi de apenas R$ 41,5 bilhões.
Um fator que tem ajudado a atrair de volta o estrangeiro é a diferença entre os juros praticados aqui e o que tem sido visto nos mercados internacionais, mesmo com a alta.
“O diferencial de juros, de 13,75% ao ano por aqui frente aos 3,75% nos EUA, é uma conta que começa a fazer sentido. O investidor troca dólares por reais, começa comprando papéis mais líquidos na Bolsa numa posição “tática”. Depois, se tiver mais confiança, amplia o investimento de forma mais estrutural no Brasil comprando renda fixa”, diz Rodrigo Cabraitz, especialista de alocação da Principal Claritas.
Sem alternativa
O fato de as ações negociadas no Brasil estarem mais baratas do que papéis de empresas listadas em outras bolsas de países emergentes também acaba servindo de atrativo para os estrangeiros, explica o economista e CEO da Veedha Investimentos, Rodrigo Marcatti. A Bolsa brasileira “não andou” por conta da eleição este ano, pondera o especialista.
Com o fim do processo eleitoral, parte das incertezas desapareceram do horizonte, o que aumenta o apetite de quem vem de fora. Somente no dia 31 de outubro, um dia após o segundo turno das eleições, o saldo de compra de ações na B3 ficou positivo em R$ 1,8 bilhão.
No mês, de novembro, está positivo em pouco mais de R$ 536 milhões, considerando os negócios realizados até o dia 23.
A economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, observa que a Bolsa brasileira está se tornando uma opção para os estrangeiros por uma razão sui generis.
“Não há alternativa”, define, brincando com a versão em inglês dessa frase para descrever as poucas opções diante do investidor estrangeiro disposto a tomar algum risco no mundo em busca de ganhos mais altos.
A explicação para isso é simples, pondera a economista: a economia da China está desacelerando, a Turquia tem problemas monetários, e a Rússia sofre boicotes ocidentais por conta da guerra na Ucrânia.
Nas economias desenvolvidas, a Europa tem o Banco Central Europeu começando a elevar os juros, mesmo movimento visto nos EUA, o que desfavorece o mercado de capitais.
“O Brasil começou antes seu ciclo monetário (alta de juros para combater a inflação), e o Banco Central brasileiro já parou de elevar a Selic (taxa básica de juros). Os outros países emergentes têm problemas maiores para derrubar a inflação, e, por isso a Bolsa brasileira tornou-se destino do capital estrangeiro, destacando-se como uma das poucas alternativas estáveis aos investidores globais”, diz Simone.
Ela explica que a composição do Ibovespa — principal índice da B3 — é outro atrativo ao capital estrangeiro, particularmente por concentrar ações de empresas de commodities, setor mais resiliente às turbulências da economia e cujos produtos estão com as cotações em alta.
O banco americano Goldman Sachs indicou, em um relatório recente, preferência por investimentos em nações do Oriente Médio, Norte da África e no Brasil devido ao seu perfil exportador de matérias-primas. “Esses países oferecem proteção tática contra a combinação preocupante de crescimento mais fraco e inflação mais alta (no mundo)”, escreveram analistas do banco.
Ponto de preocupação
Por enquanto, o principal ponto de preocupação dos estrangeiros continua sendo a política fiscal a ser adotada por Lula em sua terceira passagem pelo Planalto. Os gestores são unânimes em dizer que a adoção de uma política econômica clara, com regras bem definidas para o controle das despesas e da dívida pública, permitirá uma ampliação no volume de recursos aportados no país.
Mais que qualquer coisa, o investidor busca previsibilidade.
Rodrigo Simões, especialista em finanças e professor da Faculdade do Comércio de São Paulo, diz que, até o momento, os estrangeiros estão vendo o Brasil como uma boa oportunidade para ganhos de curto prazo, ainda que declarações do presidente eleito relativizando a estabilidade fiscal tenham causado tensão.
“O país oferece oportunidades de ganho no curto prazo, e o estrangeiro está aproveitando este momento. Nem Europa nem os demais países emergentes, como a China, que está desacelerando, apresentam chances de ganho como o Brasil agora.”
Na medida em que ficar mais clara a linha econômica do novo governo, os estrangeiros também podem voltar a comprar com mais vontade títulos da dívida pública, negociados pelo Tesouro Nacional.
No relatório mais recente divulgado pelo órgão ligado ao Ministério da Economia, com dados até setembro, a maior parte dos papéis vendidos em mercado este ano ficaram nas mãos de instituições financeiras nacionais e fundos de pensão, aponta Simões.
Por João Sorima Neto
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