Risco fiscal traz incertezas para a bolsa brasileira

Investidor estrangeiro dá sinais de que também está insatisfeito com tom inicial do governo eleito

As primeiras indicações sobre os rumos fiscais e econômicos do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por meio de discursos do próprio futuro presidente e na formação da equipe de transição, foram mal recebidas pelo mercado local. O Ibovespa teve perdas, nas quatro primeiras sessões da semana passada, de 7,09% em moeda local e 11,83% em dólares (também sentindo o efeito da oscilação cambial). Na sexta-feira houve alguma recuperação, favorecida pelos ventos vindos da China, com o relaxamento da política de covid zero, e o adiamento da apresentação da PEC da Transição. De qualquer forma, o resultado final foi ainda consideravelmente negativo, com baixa de 5% acumulada pelo Ibovespa na semana, sendo 9,81% em dólares.

Com isso, o índice MSCI do país, que tinha a maior valorização entre os principais mercados emergentes, viu os referenciais da Índia e do México recuperarem terreno. Além da evidente insatisfação do mercado local com o tom inicial do novo governo, o investidor estrangeiro, que em algum momento até mostrou certa preferência pelo petista em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL), deu indícios de que pode ter começado a inverter suas apostas na bolsa local.

Após 15 sessões seguidas de aportes na bolsa brasileira e um saldo positivo de R$ 14,07 bilhões no mês de outubro, o estrangeiro sacou R$ 2,13 bilhões na quarta-feira, um dia antes do maior tombo do índice local na semana. Apesar de o dado de quinta-feira ainda não ter sido divulgado, o volume negociado no Ibovespa durante a sessão do dia 10, de R$ 43,34 bilhões, foi o maior do ano. Isso, em meio à queda de 6,53% do fundo de índice EWZ, que espelha o mercado brasileiro em Wall Street, cria a expectativa de que o fluxo de saída do capital externo pode ter sido relevante naquele dia.

Jennie Li, estrategista de ações da XP, afirma que, nos últimos dias, os ativos brasileiros têm sido guiados por riscos domésticos. “Por isso ficamos descolados das bolsas dos Estados Unidos e de emergentes. Aqui, focamos mais em falas do Lula e na volta do risco fiscal”, afirma. O risco fiscal, na visão da estrategista, pode ter contribuído para a saída dos estrangeiros. “O sentimento de incerteza fiscal, do que pode acontecer com a trajetória da dívida, tem sido uma grande pauta.” Ela destaca que o estrangeiro vinha observando o Brasil de forma positiva, mas, nos últimos dias, pode ter passado a operar com mais cautela.

Edoardo Biancheri, gestor de ações da Garde, diz que, apesar de entender o viés social das falas de Lula, a disciplina fiscal é extremamente importante para o país no médio e longo prazo. Segundo o executivo, não adianta o presidente eleito dizer que é fiscalmente responsável e tomar atitudes agressivas em outra direção antes mesmo de assumir. Para ele, o mercado indicou que, sem disciplina, haverá problemas como os que ocorreram no Reino Unido, onde o plano econômico de Liz Truss foi muito mal recebido pelo mercado, em um processo que acabou culminando em sua renúncia ao posto de primeira-ministra.

“Difícil dizer se o governo vai mudar alguma coisa depois dessa queda, acredito que precisará de uma piora ainda mais substancial. Mas acredito que o mais importante seria que os poderes entendessem que o mercado não é inimigo, e sim extremamente importante para a estabilidade do país, para financiar a dívida e ancorar as expectativas de inflação. Vale lembrar que quem mais se prejudica num cenário negativo são justamente as pessoas de menor renda”, afirma.

O executivo diz ainda que o investidor estrangeiro vinha comprando a bolsa local há mais de um mês, inclusive depois do segundo turno das eleições, acreditando que um governo Lula seria parecido a seus anteriores, mas que as últimas falas podem ter assustado. “Players” internacionais não gostam de volatilidade e incertezas, diz, prova disso é que retiraram dinheiro da bolsa na última quarta-feira depois de muito tempo. Para o gestor, a categoria pode estar repensando essa visão otimista que tem do Brasil, especialmente no relativo, até haver mais clareza sobre o que o futuro governo irá fazer.

Na quinta-feira, enquanto o mercado local tombou, Wall Street foi pelo caminho contrário. Após o índice de preços ao consumidor americano (CPI) de outubro vir abaixo do consenso do mercado — subiu 0,4% no mês enquanto agentes esperavam alta de 0,6% —, as bolsas americanas dispararam, precificando a possibilidade de o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) diminuir o ritmo do ciclo de elevação das taxas de juros. Na sessão, o S&P 500 subiu 5,54%, o Dow Jones ganhou 3,7% e o Nasdaq avançou 7,35%.

Profissionais do mercado começaram a especular, então, se uma melhora no ambiente de negócios dos Estados Unidos poderia beneficiar ou elevar a concorrência para a bolsa local. Para Evandro Bertho, sócio-fundador da Nau Capital, qualquer indicação de suavização do ciclo de aperto monetário nos EUA é positiva para o mercado local e para os pares emergentes, que historicamente não performam bem quando seu par desenvolvido está subindo juros. Ele diz, no entanto, que é cedo para afirmar que o país já ultrapassou o desafio inflacionário e que o Brasil tem agora questões próprias para endereçar.

“Antes da eleição o mercado se apegou à possibilidade de um Lula pragmático e de um investidor estrangeiro otimista com os ativos locais, pesando um bom posicionamento relativo e uma possível volta à rota do ESG. Mas ainda não existia nada concreto. Agora, o Lula tentou impor sua visão e o mercado, que estava sendo leniente com o presidente eleito até então, respondeu. Entendo que ainda teremos muitas idas e vindas, com o governo cedendo em partes e o mercado absorvendo outras tantas. A sinalização dada com o adiamento da PEC da Transição é um cheiro, vamos ver o que vai se concretizar nos próximos dias”, afirma.

Leia a seguir

Leia a seguir