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‘Nuvens no horizonte’ ameaçam emergentes
O Banco de Compensações Internacionais (BIS), espécie de banco dos bancos centrais, vê “nuvens no horizonte para economias emergentes”, com algumas dificuldades sendo exacerbadas pelo surgimento da nova variante do coronavírus, a ômicron. A América Latina é apontada como a região mais vulnerável, devido a seu histórico de inflação elevada.
Em seu relatório trimestral sobre os recentes desenvolvimentos do mercado financeiro, a instituição com sede em Basileia, na Suíça, diz que as condições financeiras se tornaram mais restritivas em várias economias emergentes, onde nota que as autoridades monetárias continuam a combater as persistentes pressões inflacionárias e considera a força do dólar americano como uma das razões para esse aperto.
O BIS constata que vários emergentes foram afetados por uma combinação de taxas globais crescentes e uma inflação doméstica teimosamente alta durante o período examinado, entre 13 de setembro e 29 de novembro. Em economias desenvolvidas, o aumento das taxas de longo prazo no início do período de revisão intensificou as tensões de financiamento, exercendo pressão adicional sobre o câmbio. O BIS diz que isso agravou as preocupações sobre a redução do espaço fiscal e a inflação persistente na maioria dos países, especialmente na América Latina.
“As notícias pandêmicas no final do período só exacerbaram estes desenvolvimentos: as amplas condições financeiras continuaram a se apertar, à medida que os rendimentos soberanos subiram ainda mais e as taxas de câmbio estenderam sua depreciação”, diz o BIS.
Indagado pelo Valor sobre as “nuvens no horizonte”, e especialmente no Brasil, o chefe do Departamento Econômico do banco, Claudio Borio, disse que os países entraram na crise ao mesmo tempo, mas têm saído dela em velocidades muito diferentes. E nesse cenário, as economias de mercados emergentes são mais vulneráveis que as avançadas por causa de dois fatores.
“Primeiro, a evolução do vírus e, segundo, o espaço de manobra política que esses países têm”, disse. “E a razão pela qual as economias de mercado emergentes em média estão mais expostas que as economias avançadas é porque o espaço de manobra é geralmente menor e porque elas são mais vulneráveis às mudanças nas condições financeiras globais. Agora, o mundo dos mercados emergentes é de fato muito heterogêneo. E os países da América Latina, por exemplo, estão mais expostos porque têm uma história mais longa de inflação, e é por isso que as autoridades já tiveram que apertar para resolver os problemas ali existentes.”
Além disso, afirmou Borio, as economias latino-americanas também têm posições mais fracas em matéria de política fiscal. “E é precisamente por isso que argumentamos que elas são mais vulneráveis. De fato, as condições financeiras em geral já começaram a se tornar cada vez mais rígidas durante o período em análise.”
No relatório, o BIS nota que vários países se confrontaram com o agravamento dos equilíbrios políticos, com a inflação exigindo uma política mais rígida enquanto a recuperação sofre atraso.
As condições financeiras influenciam o comportamento econômico e, assim, o estado futuro da economia. E o BIS diz que um indicador comumente usado – combinando informações de taxas sem risco, spreads de crédito, taxas de câmbio e preços de ações – apontou para um aperto, assim como as taxas de longo prazo de economias desenvolvidas aumentaram no começo de setembro.
O BIS avalia que, nos últimos 18 meses, os ventos contrários financeiros (“financial headwinds”) foram particularmente fortes na América Latina, seguidos por China e Europa, Oriente Médio e África. E que, para muitos emergentes, as condições financeiras mais recentes estão próximas das mais apertadas do último ano e meio.
As taxas de câmbio foram um fator-chave na maioria dos países. Embora o dólar tenha valorizado amplamente durante o período em análise, especialmente em novembro, os ganhos foram particularmente grandes em relação às moedas de emergentes, principalmente na América Latina. O BIS afirma que, junto com o aumento dos preços de energia, a fraqueza renovada da moeda exacerbou as pressões inflacionárias que vinham se acumulando no início do ano. Exemplifica como a lira turca foi duramente atingida, desvalorizando em até 15% em um único dia, após um terceiro corte consecutivo dos juros, apesar da alta da inflação.
Hyun Song Shin, assessor econômico e chefe de pesquisa do BIS, observou que os emergentes como grupo têm passado por desafios em termos de fluxos de capital. A exceção é basicamente a China.
O relatório destaca que a situação difícil de vários emergentes era visível nos mercados de financiamento soberano, especialmente em moeda local. Pressionados pela inflação persistente, vários BCs continuaram seus ciclos de alta de juros – como Brasil, Chile, República Tcheca e Rússia – ou começaram a subir as taxas, como Colômbia e Polônia. Assim, os rendimentos dos títulos soberanos em moeda local aumentaram na maioria dos emergentes, contribuindo para o aperto das condições financeiras. Com relação aos mercados corporativos, o banco da Basileia nota que o estresse permaneceu concentrado na China.
Borio considera que a ômicron poderá exacerbar os gargalos nas cadeias globais de abastecimento e causar mais pressões sobre a inflação no curto prazo. E que um impacto sobre a atividade econômica é inevitável, particularmente no primeiro trimestre de 2022.
O BIS constata em seu relatório, de modo geral, que o apetite de risco dos investidores mostrou-se resistente em economias desenvolvidas entre setembro e novembro, mesmo em meio a mudanças nas expectativas de inflação. Mas as preocupações com uma nova variante do vírus reduziram os ganhos do mercado acionário no final de novembro, e as condições financeiras continuaram a se tornar mais restritivas para muitos emergentes.
Na apresentação do relatório, Borio observou que “o surgimento da ômicron indica que não devemos baixar nossa guarda” e que “foi o último lembrete de que temos que estar atentos e que eventos inesperados podem acontecer”. Para ele, ainda é cedo para ter uma ideia mais clara do impacto da nova variante sobre a economia.
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