Arrecadação federal: entenda as medidas do governo em 2024

Equipe econômica está focada em reduzir benefícios tributários, punir maus pagadores e tentar resolver o impasse dos benefícios fiscais

A necessidade de aumentar a arrecadação federal fez com que o ano começasse quente nos bastidores do governo e na relação com o Congresso.

Assim, na missão de atingir a meta de déficit zero, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscou reduzir benefícios tributários no mercado de capitais, beneficiar os bons pagadores, além de tentar resolver o imbróglio dos benefícios fiscais.

A meta zero é uma das condicionantes do arcabouço fiscal, que substituiu a política de teto de gastos.

O problema é que, só no ano passado, o resultado primário (a diferença entre tudo que o governo arrecada e o total das despesas) teve um déficit de R$ 230 bilhões.

Portanto, o ministro da Fazenda tem atuado em prol de suprir essa necessidade de arrecadação federal.

“Quando o governo afirma que vai zerar o déficit em 2024, ele está se comprometendo a ter um superávit desta magnitude para que a conta feche em zero no final de 2024″, afirma José Carlos de Souza Filho, economista e professor da FIA Business Scholl.

“Por conta disto, na impossibilidade de se reduzirem as despesas por diversos motivos, o único caminho viável é o do aumento da arrecadação”, complementa.

Dessa forma, desde o ano passado o governo busca formas de aumentar a arrecadação entre os contribuintes, como o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins; a tributação de offshores e fundos no exterior; além da regulamentação do mercado de apostas esportivas e dos rendimentos dos apostadores.

Arrecadação federal: novas medidas

Entre o ano passado e este ano, o governo buscou ainda reduzir o impacto negativo da desoneração da folha de pagamentos na receita, o que criou um impasse com o Congresso.

Lula durante a live semanal ‘Conversa com o Presidente’. Foto: Foto: Ricardo Stuckert/Presidência

Assim, no início de dezembro, o Congresso derrubou o veto do presidente Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, como os de confecção, transporte de cargas, comunicação e construção civil, em uma renúncia de cerca de R$ 9,4 bilhões.

Mas, no mesmo mês, no entanto, o governo federal editou a Medida Provisória 1.202/23, que reonera gradualmente a folha de pagamentos dos 17 setores.

A medida também altera os benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), a partir de 1º de abril.

O contorno ao veto criou rusgas.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, criticou uma suposta quebra de acordos.

“Conquistas como a desoneração e o Perse, essencial para que milhões de empregos de um setor devastado pela pandemia se sustentem, não podem retroceder sem ampla discussão com este Parlamento”, disse Lira no discurso de abertura do ano legislativo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia dito, no entanto, que o governo não tem condições de gastar R$ 17 bilhões na manutenção do Perse até 2026.

“Essa discussão mostra que o governo não pode contar com a integralidade dos recursos previstos na MP 1.202, pois ainda há muitas dúvidas sobre o projeto, dado que ele enfrenta forte resistência dos deputados e senadores e não sabemos se entrará mesmo em vigor, nos mesmos moldes. O governo tenta, mas se irá conseguir, me parece outra história”, afirma Marcelo Costa, advogado tributarista.

Arrecadação federal: LCI e LCA

Outra medida que tem potencial de aumentar o poder de arrecadação no futuro é a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), de fevereiro, que alterou as regras para novas emissões de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e as Letras de Crédito Imobiliário (LCI), títulos isentos de Imposto de Renda (IR) aos investidores.

Em relação à LCA, o CMN introduziu limites para a aplicação dos recursos captados.

A partir de julho, o banco que pegou os recursos dos investidores só poderá destinar o dinheiro para emprestar para operações de crédito rural com taxas livremente pactuadas no mercado.

Dessa forma, os recursos levantados não poderão mais ser usados para conceder crédito rural subsidiados pela União.

Assim, o CMN também proibirá gradualmente, até 1º de julho de 2025, a utilização de operações de crédito rural com fontes controladas de recursos para compor o lastro da LCA.

Segundo o Ministério da Fazenda, a medida evitará que os bancos aproveitem a sobreposição de benefícios fiscais ou de políticas governamentais para emitir esses papéis.

Para José Carlos de Souza Filho, da FIA, os títulos isentos de IR em poder dos investidores atingiram a cifra de R$ 1,1 trilhão, representando quase 20% do total dos investimentos das pessoas físicas.

“Essas medidas seriam um grande manancial de recursos tributáveis a fim de aumentar a arrecadação governamental”, afirma o especialista.

“Obviamente, o mercado investidor irá reagir a esta investida e a magnitude da reação dependerá da voracidade com a qual o governo tentará tributar esses valores. Portanto, a previsão da arrecadação nunca será aquela que se imagina ao se tomar a medida”, completa o especialista.

Conformidade tributária

O governo federal enviou ainda um projeto de lei para o Congresso Nacional sobre conformidade tributária e aduaneira, que beneficia bons pagadores.

O projeto oferece benefícios aos melhores pagadores e impõe punição aos maus.

Dessa maneira, a empresa com selo de bom pagador há 1 ano, pagará 1% a menos de CSLL a cada ano, podendo acumular 3% após 3 anos.

Assim, do lado da punição, o programa irá mirar nos contribuintes que “deixam de pagar o que devem por estratégia para fugir do Fisco”.

Segundo o ministério da Fazenda, são aqueles que possuem dívidas acima de R$ 15 milhões, em situação irregular por mais de um ano.

Dessa forma, a Receita Federal estima que esse grupo tenha dívidas que somam cerca de R$ 100 bilhões.

Para o consultor tributário Enio de Biasi, a medida é positiva, pois acaba por privilegiar os contribuintes que cumprem com as obrigações tributárias.

“Não raro, os bons contribuintes se perguntam se compensa ser pontual, pois é frequente a edição de medidas de parcelamento ou transação tributária que dão descontos de juros e multas para os inadimplentes, além de prazos longos para pagamento, sem contar que os juros, menores que os de mercado, são calculados pelo sistema dos juros simples. Penso que a estratégia sempre deveria ser essa, recentemente anunciada, de privilegiar os adimplentes e penalizar os devedores”, afirma.

Vinícius Pereira, repórter freelancer do JOTA