MBA em torcida: como os altos executivos torcem por seus times do coração

Após a criação da Sociedade Anônima de Futebol, investidores mostram interesse crescente pelo controle de clubes brasileiros
Pontos-chave
  • Craques do mundo empresarial entram em campo para tentar ajudar seus times do coração

Empresas citadas na reportagem:

Foi um duro revés na adolescência que tirou Octávio de Lazari Jr. dos gramados. Palmeirense, o presidente do Bradesco atuava como centroavante no time dente de leite do clube do Estádio Palestra Itália (hoje Allianz Parque) quando seu pai ficou doente e ele teve de deixar de lado o sonho de ser jogador profissional para ajudar a família.

Talento não faltava a Lazari, que começou a jogar bola no Serva, uma equipe amadora da Vila Anastácio, na zona oeste de São Paulo. Quando tinha entre 11 e 12 anos, ele foi selecionado em uma peneira para jogar no Palmeiras, a paixão futebolística que herdara de seu pai e alguns tios. “Eu tinha convicção de que iria ser jogador de futebol. Coisas da vida”, relembra ele.

Octávio de Lazari Jr., o presidente do Bradesco, chegou na adolescência a jogar como centroavante do Palmeiras. Hoje acompanha o time quase sempre do sofá — Foto: Silvia Costanti/Valor

Lazari pai conhecia um subgerente do banco na Lapa, na zona oeste de São Paulo, e conseguiu que seu filho fizesse um teste para uma vaga de contínuo na agência. “Na mesma semana da entrevista me chamaram para jogar bola no time da agência. Não sei se fui contratado porque passei no teste ou se foi porque joguei bem”, brinca. O Palmeiras, que vivia então os primeiros anos de um jejum de títulos que se estenderia por quase duas décadas, perdeu um centroavante. Mas o infortúnio deu ao Bradesco um CEO.

O sonho de ser jogador de futebol é a história de milhões de brasileiros. Lazari é dos raríssimos casos de jovens que conseguem, depois que a realidade se impõe, construir uma carreira de sucesso no universo corporativo. Ser gestor de um dos maiores bancos do país permite a executivos como ele entender as nuances de indústrias diversas, futebol entre elas. Mas, no momento, Lazari ainda não tem opinião formada sobre o interesse crescente de investidores estrangeiros pelo controle de clubes brasileiros, um movimento que ganhou corpo após a criação de um novo instrumento legal, a Sociedade Anônima de Futebol (SAF).

Desdobramentos da lei das SAFs são uma incógnita, mas ela de fato abriu uma nova ponte entre o mundo corporativo e o do futebol.

“É uma alternativa [para resolver os problemas financeiros dos clubes], sim, mas sou romântico em relação ao futebol. Gosto de futebol-arte e jogo bem jogado. Tenho medo de que a entrada de investidores que têm foco somente em gestão faça com que o esporte perca sua essência”, diz. Convicção, só na torcida pelo Palmeiras – ainda que, quase sempre devido a sua agenda apertada, assistindo aos jogos sentado no sofá – porque a bola, nesse caso, não é de cristal.

Sancionada em 9 de agosto do ano passado, a Lei 14.193 permite que clubes endividados criem uma SAF para reorganizar suas finanças, repactuar débitos e atrair dinheiro novo. É um modelo de negócios, virtualmente impraticável sob o atual, em que quase todos os clubes do país são entidades sem fins lucrativos.

Desde o fim do ano passado, Cruzeiro, Botafogo e Vasco, três dos principais clubes brasileiros, anunciaram a entrada de investidores por meio de SAFs, e outros têm sido sondados por americanos, árabes e empresas que já são proprietárias de equipes de peso também na Europa. Ronaldo Nazário, o Fenômeno, comprou 90% da SAF do Cruzeiro e pretende colocar R$ 400 milhões no clube mineiro nos próximos anos, incluindo um aporte inicial de R$ 50 milhões. O Cruzeiro – que tem dívidas de quase R$ 1 bilhão – e Ronaldo ainda estão em tratativas para a conclusão definitiva do acerto. Nos últimos dias, a mesa diretora do conselho deliberativo do Cruzeiro embolou o meio de campo ao questionar os termos de fechamento do acordo, que terá desdobramentos em abril.

No Rio de Janeiro, o Botafogo vendeu sua SAF ao americano John Textor, investidor que já é dono do clube inglês Crystal Palace e prevê injetar R$ 400 milhões no futebol alvinegro nos próximos anos, e o Vasco fechou acordo com o grupo de investimentos americano 777 Partners, que ficará com 70% da SAF do clube por R$ 700 milhões. A empresa já é controladora do Genoa, da Itália, e acionista minoritária do espanhol Sevilla.

Walter Schalka, presidente da Suzano, procura ser racional nas estratégias financeiras para o Santos, mas se agarra à superstição na hora de torcer — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Quem acompanha o noticiário esportivo, mas nem tanto o empresarial, está se habituando só agora a figuras que antes não transitavam entre esses dois mundos. Isso não quer dizer que não havia gente de negócios tentando mudar as coisas no futebol brasileiro. Walter Schalka é um exemplo. O presidente da Suzano, uma das maiores fabricantes de papel e elulose do mundo, faz parte de um grupo de executivos que usa sua larga experiência profissional para orientar as estratégias financeiras do Santos, seu time do coração. “Os clubes são movidos por paixão. Muitas vezes, decisões com paixão afetam as finanças”, diz ele.

Desde 2021, Schalka faz parte do conselho deliberativo e de gestão do Peixe, em mandato que vai até o fim de 2023 – e pelo qual o executivo não recebe um tostão. O clube conta com a ajuda de executivos do mercado para buscar equilíbrio de contas. Com dívidas de quase R$ 500 milhões, a atual administração conseguiu reduzir em R$ 120 milhões os débitos do Santos no ano passado.

Schalka diz que “99,99% dos torcedores não têm ideia da situação financeira de seus clubes, eles só querem saber de resultados” e defende que as equipes busquem o equilíbrio entre bom desempenho esportivo e da gestão financeira. Para o Santos, ao menos por ora, esses esforços não incluirão a venda de uma SAF a eventuais interessados.

Os desdobramentos da nova legislação sobre a vida dos clubes ainda são uma grande incógnita, mesmo para os que já criaram SAFs, mas, ao que parece, ela de fato abriu uma nova ponte entre o mundo corporativo e o do futebol. “De certa forma, os empresários sempre participaram das gestões de times, mas essa relação não se desenvolvia de uma maneira muito profissional”, diz Pedro Mesquita, executivo responsável pela área de banco de investimentos da XP, que trabalhou diretamente nas tratativas entre Ronaldo e Cruzeiro e também na chegada de John Textor ao Botafogo. A XP ampliou sua carteira de clientes do mundo da bola – um deles, o Coritiba, entrou com pedido de recuperação judicial em março e contratou a instituição financeira para estruturar sua SAF – e, em paralelo, abriu outras frentes.

No último dia 15, o grupo, a consultoria Alvarez&Marsal e a LaLiga (liga espanhola) anunciaram uma proposta de formar uma Liga de Futebol Brasileira. O projeto envolve questões de governança, direitos de transmissão, relacionamento com a CBF e outras federações. Caberá à XP trazer o investidor.

Mantra dos executivos é que clubes só podem ser sustentáveis e vencedores no longo prazo se mantiverem suas finanças equilibradas.

“A possível criação da liga, a Lei da SAF, a chegada de novos investidores, tudo isso tem criado no futebol brasileiro uma onda positiva de transformação que, em 25 anos nesse mercado, eu nunca tinha visto”, diz Marcos Motta, sócio do escritório Bichara e Motta, um dos advogados mais renomados do país no segmento. E, para a torcida, como fica a paixão depois que o clube passa a ter um “dono”? “O torcedor quer ser campeão para poder rir da cara do amigo no bar, tomando cerveja”, argumenta. “Ele está entendendo que essa alegria tem um custo, que alguém precisa financiar.”

Torcedor do Botafogo, do qual foi até patrocinador, o comunicador digital e empresário Felipe Neto acredita que o acordo da SAF marcará o início de uma nova fase para o time. “Tudo indica que esse é o início de um novo Botafogo. Um clube profissional, sem atrasos em suas obrigações, disputando jogadores de ponta no mercado e conquistando títulos”, diz ele em entrevista por e-mail ao Valor.

O youtuber diz que ajuda o clube no marketing – seu canal na plataforma de vídeos tem 44 milhões de seguidores. “Sou fanático e não tenho vergonha disso. Estou em praticamente todos os jogos no estádio Nilton Santos, tenho um camarote que considero minha segunda casa. Grito, choro, xingo, perco a cabeça.” O tradicional clube carioca também tem os irmãos João e Walter Moreira Salles entre seus apoiadores ilustres. Eles doaram o terreno para o Botafogo construir um centro de treinamento para as suas categorias de base.

Os clubes que aderiram ao novo modelo de organização societária ainda são minoria no país, mas, nos últimos meses, boa parte dos 40 que integram as Séries A e B do Campeonato Brasileiro levou a discussão aos seus conselhos deliberativos. É o caso do Atlético Mineiro. E olha que, mesmo antes da criação da nova lei, o clube já não podia se queixar de falta de apoio: foi com o suporte de Rubens Menin, fundador da construtora MRV e do Banco Inter e dono da franquia da rede CNN no Brasil, que, em 2021, o Atlético Mineiro conquistou a Copa do Brasil, o Campeonato Mineiro e também o Brasileiro – este, após meio século de espera.

O City Football Group, empresa que é controlada pelo sheik Mansour Bin Zayed e comanda o Manchester City, da Inglaterra, fez uma proposta de R$ 1 bilhão parar adquirir a futura SAF do alvinegro de Belo Horizonte, mas já houve outras sondagens. Menin não adianta quais caminhos o Atlético-MG pretende seguir, mas diz que as conquistas recentes são resultado de um planejamento que começou a sair do papel em 2014. A gestão conta com o apoio de um grupo de 30 pessoas, entre empresários e executivos, que se dividem nas diferentes áreas de atuação de acordo com seus segmentos profissionais de origem.

O núcleo duro do Atlético tem o apoio do chamado 4Rs – Rubens e seu filho Rafael Menin; Ricardo Guimarães, do banco BMG; e Renato Salvador, da rede de hospitais mineira Mater Dei -, que se reportam ao presidente do clube, Sérgio Coelho. Menin injetou dinheiro – ele não revela quanto – no clube em momentos mais agudos.

Com mais segurança graças à Lei das SAF, talvez a participação dos empresários na vida dos clubes já não dependa tanto de arroubos passionais.

“Admiro muito o Menin e a Leila [Pereira, do grupo Crefisa, atual presidente do Palmeiras], que colocam dinheiro nos times. Mas essa não é a minha maneira de ajudar no futebol”, afirma o empresário Abilio Diniz, acionista da rede Carrefour e da Península. São-paulino, ele conhece há anos os principais gestores do clube do Morumbi e ajudou na na campanha do atual presidente, Júlio Casares. “Não dou dinheiro de jeito nenhum. Seria uma maneira de comprar posição no time”, explica. “Gosto de ser professor, escrevo livro, mas não financio. Já tenho os meus projetos.”

Em 2005, em Tóquio, o empresário viu de perto o São Paulo conquistar o Mundial pela terceira vez em sua história ao derrotar o Liverpool por 1 a 0, em uma partida em que o ex-goleiro Rogério Ceni, hoje treinador da equipe, foi eleito o melhor jogador em campo. “Eu estava em uma viagem de negócios na China quando fui convidado para ver a final. Fiquei próximo do técnico Paulo Autuori”, relembra Abilio, que no passado chegou a se arriscar em campo, como goleiro. “Aos 37 anos, me machuquei. Não deu mais.”

Aos 85 anos, o empresário continua a praticar esportes – ele joga tênis e, recentemente, passou as férias com a família esquiando em Aspen, nos Estados Unidos – e a acompanhar a movimentação dos clubes após o surgimento da nova lei, mas não os rumos do São Paulo nesse tema.

Com dívidas de cerca de R$ 650 milhões, o time do Morumbi ainda não colocou em pauta a adesão ou não à SAF, afirma Ricardo Lacerda, presidente-sócio do banco de investimentos BR Partners e conselheiro independente do São Paulo. Essa é a primeira vez que o banqueiro se envolve na gestão de um clube. A exemplo de Walter Schalka, no Santos, Lacerda não é remunerado para fazer parte do colegiado. “Sou são-paulino de sangue, família e coração”, diz. E agora também de gestão. No conselho, ele ajuda o São Paulo em assuntos financeiros e de governança. O mandato do banqueiro no colegiado vai até 2024.

Lacerda entende de mercado financeiro e de São Paulo Futebol Clube. Muitas vezes, relata o executivo, ele fazia bate-volta de São José do Rio Preto até o Morumbi na companhia de seu avô, Olavo Fleury. “Até os meus 14 anos, morei em São José do Rio Preto. A gente pegava cinco horas de estrada para ir e outras cinco horas para voltar no mesmo dia.”

Ricardo Lacerda, do BR Partners, doa seu tempo “livre” para o colegiado do São Paulo — Foto: Silvia Zamboni/Valor

O primeiro título que comemorou no Morumbi foi o Campeonato Paulista de 1980, em uma final contra a Ponte Preta, e o mais emocionante, a conquista da Copa Libertadores de 1992 nos pênaltis, contra o argentino Newell’s Old Boys. “Perdemos a primeira partida na Argentina por 1 a 0 e ganhamos a segunda no Morumbi pelo mesmo placar. Tinha mais de 100 mil pessoas no estádio, mas, na hora das cobranças de pênaltis, não se ouvia um único suspiro.”

Com a experiência de quem acompanha o clube de perto e conhece também o mundo das finanças, ele acredita que a nova lei poderá dar resultados positivos. “O interesse dos investidores pelos clubes brasileiros realmente cresceu. Ao mesmo tempo, os atuais gestores têm trabalhado para que os clubes sejam mais transparentes e superavitários”, afirma. Com lei nova ou sem, Lacerda, assim como Abilio Diniz, não investe recursos próprios no São Paulo. Ele doa seu tempo “livre” para participar das reuniões do colegiado e das diversas conversas com o conselho, muitas vezes por WhatsApp.

A EY, que presta consultoria a algumas das maiores equipes do futebol brasileiro e também de outros países no exterior, acredita que, com a mudança da legislação, os clubes brasileiros poderão começar a trilhar um caminho para a efetiva profissionalização de sua gestão. Gustavo Hazan, gerente sênior para o Mercado Esportivo da EY no Brasil, ressalta que 98% dos principais times europeus já buscaram se profissionalizar nos últimos 20 a 30 anos. “Para muitos times brasileiros, a profissionalização é uma questão de sobrevivência”, afirma.

Pode parecer óbvio, mas muitos times gastam mais do que arrecadam, observa. Além do reequilíbrio de receitas e despesas, outro ponto importante, avalia Hazan, é a centralização dos direitos de transmissão, que, para ele, deveriam ser mais bem organizados no país. “Na Europa, os times negociam esses direitos em bloco.”

O executivo da EY também vê oportunidade para que empresários possam criar times do zero, a exemplo do que aconteceu com o Villareal, da Espanha, que teve o apoio da iniciativa privada local. “Na SAF, muito se fala de investidores estrangeiros vindo para o Brasil, mas é importante lembrar que o país tem o DNA de empreendedorismo”, diz Hazan.

Há uma veia empreendedora no Cuiabá, que em 2022 disputará a Série A do Brasileiro pelo segundo ano consecutivo. O time, fundado em 2001, é controlado desde 2009 pela família Dresch. Foi com recursos injetados pela Drebor, empresa de reforma de pneus da família, que em um intervalo de pouco mais de uma década o Cuiabá Esporte Clube ascendeu da segunda divisão do estadual de Mato Grosso ao grupo dos 20 integrantes da principal competição do país.

“A gente sempre incentivou times mesmo antes de entrar no Cuiabá”, diz Cristiano Dresch, vice-presidente do clube e filho de Manuel Dresch, que comanda a Drebor. “Entre 2003 e 2005, começamos o patrocínio no clube para expor a nossa marca”, relembra. Após uma interrupção, os Dresch decidiram comprar, em 2009, o controle do clube.

A lógica de que equipes vencedoras só podem ser sustentáveis e vencedoras no longo prazo se mantiverem suas finanças equilibradas é um mantra entre grandes executivos e empresários, estejam eles ligados à política dos clubes ou não. Mas, se a relação que homens e mulheres de negócios bem-sucedidos tiverem com os clubes depender exclusivamente da sensatez, talvez essa relação não tenha chance de existir. Afinal, poucos dados objetivos sobre as contas dos clubes sugerem a eles que embarcar em instituições em frangalhos não é uma boa ideia. Há de haver algum idealismo nesse movimento.

“Estou com o burro na sombra. Vou lá para depois ser chamado disso, xingado daquilo? Nessa altura da vida?”, era o que o empresário Jorge Salgado, fundador da corretora Ativa Investimentos, costumava responder a interlocutores que o provocavam com a ideia de ele assumir a presidência do Vasco da Gama. Pois foi o que ele fez, a despeito das negativas do passado: eleito em dezembro de 2020 para comandar o clube em um mandato de três anos, o financista realiza um sonho que ele só confessava a pessoas mais próximas. Hoje, Salgado – que já ajudou o Vasco em diferentes momentos colocando no clube dinheiro do próprio bolso – encabeça o projeto de criar a SAF para sacramentar a entrada da 777 Partners no futebol vascaíno.

No arquirrival Flamengo, o executivo Eduardo Bandeira de Mello migrou de uma bem-sucedida carreira na gestão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a presidência do clube. Com o apoio de outras figuras de relevo do universo corporativo – entre elas Luiz Eduardo Baptista, presidente da Sky, Alexandre Póvoa, ex-CEO da gestora Modal, Rodrigo Tostes, executivo de empresas como Thyssenkrupp e VLT Carioca, e Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central -, o dirigente comandou o trabalho de reestruturação das finanças do clube de maior torcida do país.

Em campo, o Flamengo conquistou poucos títulos de expressão durante o mandato de Bandeira de Mello, entre 2013 e 2018, mas foi graças aos ajustes daquele período que, nos últimos anos, sob a gestão do engenheiro Luiz Rodolfo Landim Machado, voltou a montar times fortes e conquistar títulos nacionais e internacionais, Libertadores da América entre entre eles. Landim, que construiu sua carreira na indústria do petróleo – ele chegou a ser braço direito do empresário Eike Batista – foi convidado para voltar para a Petrobras, dessa vez para presidir o conselho de administração. E promete à torcida não largar o Mengão.

Assim como o Flamengo, no momento, o Corinthians também descarta a criação de uma SAF para vender a investidores uma fatia de sua operação no futebol, ainda que ele venha sendo sondado com frequência sobre essa possibilidade, segundo o presidente do clube, Duilio Monteiro Alves.

Seja nos dois times mais populares do país, que hoje preferem não criar uma SAF, seja em outras equipes, o que se espera é que a nova legislação ajude a tornar mais frequente a presença de grandes empresários e executivos nas decisões sobre o futebol brasileiro. “A lei aumenta a segurança jurídica dos investimentos. Empresários não fazem apostas sabendo que vão perder dinheiro, por mais apaixonados que sejam por seus clubes”, diz Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, sócio da banca Monteiro de Castro Setoguti Advogados, um dos autores da Lei da SAF.

Com mais segurança, talvez a participação dos empresários-torcedores na vida dos clubes já não dependa tanto de arroubos passionais. Há pouco mais de um ano, o empresário Elusmar Maggi, irmão de Eraí e primo de Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura, ex-governador de Mato Grosso e ex-senador, ganhou os holofotes ao doar R$ 1 milhão a seu time de coração, o Internacional, para que o clube pudesse pagar uma multa que o permitisse escalar o lateral direito Rodinei em uma partida contra o Flamengo na reta final do Campeonato Brasileiro. Elusmar deu o dinheiro sem pedir contrapartida. Rodinei entrou em campo, foi expulso no início do segundo tempo e o colorado de Porto Alegre acabou derrotado por 2 a 1.

Na família Maggi, produzir soja é consenso geral e cartão de visitas para o mundo – Eraí é o maior produtor global do grão. Já nos almoços de domingo, a discussão pode ficar mais tensa: Eraí torce para o Grêmio, e Elusmar e seu primo Blairo estão do lado oposto, balançando a bandeira vermelha do Inter.

Na festa de aniversário de 70 anos dos irmãos gêmeos Alexandre e Pedro Grendene Bartelle, realizada em janeiro de 2020 em Punta Del Este, no Uruguai, dois bolos distintos divertiram os convidados ao mostrar a rivalidade da dupla. O bolo de Alexandre, cofundador da empresa de calçados Grendene, exibia o azul gremista, e o de Pedro reluzia as cores do Internacional.

Inter e Grêmio – que, após ser rebaixado, neste ano terá que disputar a Série B do Brasileiro – são os dois polos daquela que a revista britânica “FourFourTwo”, dedicada ao futebol, já descreveu como uma das dez maiores rivalidades da modalidade no planeta. Mas, hoje, eles têm ao menos uma coisa em comum: ambos avaliam a criação de SAFs para reestruturar suas finanças e atrair investidores.

O Santos luta para ajustar suas contas sem a criação de uma Sociedade Anônima de Futebol, o que, caso dê certo, permitirá a Walter Schalka se preocupar menos com as finanças do clube e mais com seus rituais de superstição. Para assistir aos jogos, o presidente da Suzano sempre se senta no mesmo , mais à esquerda do sofá. Com a ajuda do executivo, o Santos livrou-se de R$ 120 milhões em dívidas no ano passado. E, graças também ao ritual de Schalka, o time derrotou o Água Santa por 3 a 2 no último dia 19 e livrou-se do risco real de cair para a segunda divisão do Campeonato Paulista. “Meu filho preferiu ver o jogo em pé, e não mudou de posição até o apito final”, conta o executivo. Definitivamente, planilha e mandinga podem conviver no futebol.

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