Impacto sobre Orçamento de promessas de campanha ultrapassam R$ 140 bi
Seja com uma vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou com a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), o próximo governo terá de encontrar uma forma de acomodar um impacto orçamentário que ultrapassa os R$ 140 bilhões com compromissos ou promessas feitos pelos dois presidenciáveis.
Caso o vencedor seja o petista, estes alcançariam um montante de R$ 144,4 bilhões. Se Bolsonaro for reeleito, o custo seria ainda maior, de R$ 147,6 bilhões. O cálculo, elaborado para o Valor Fiscal pelo Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop), organização de análise das contas públicas que auxilia parlamentares no Congresso, agrega novas despesas com as propostas dos candidatos e renúncias fiscais. A entidade está prestando consultoria ao relator da proposta orçamentária do ano que vem, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023
De saída, há R$ 52 bilhões que não estão previstos no Orçamento para 2023 e que serão necessários para custear a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 mensais, o que os dois presidenciáveis garantem que vão fazer.
O projeto orçamentário enviado pelo governo separou R$ 105,7 bilhões para o pagamento de um valor médio de R$ 405,21 do auxílio, com meta de atendimento de 21,6 milhões de famílias. Para se diferenciar do oponente, o petista e o atual presidente apresentaram diferentes promessas de acréscimo ao benefício social.
Caso Lula vença, sua campanha promete o pagamento adicional de R$ 150 por criança de até seis anos para famílias contempladas pelo programa, que voltaria a se chamar Bolsa Família. O custo da medida é estimado pelo Inop em R$ 18 bilhões anuais. Já Bolsonaro afirmou que vai conceder uma 13ª parcela do Auxílio Brasil a mulheres beneficiárias caso seja reeleito. “Está acertado. Só para as mulheres, 17 milhões, a partir do ano que vem”, declarou.
As mulheres compõem a grande maioria (81,6%) do universo de beneficiários do programa, segundo o Ministério da Cidadania, sendo 16,8 milhões de famílias chefiadas por mulheres que recebem o mínimo de R$ 600. Bolsonaro não indicou de onde sairiam os recursos.
Dívida e teto de gastos
Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri observa que, como dificilmente a fonte para tais medidas virá pelo corte de outras despesas, dado que o nível de gastos discricionários já é baixo, sobra o financiamento pela dívida bruta, que está na casa dos 78% do PIB – ou seja, acima do grupo de países emergentes. “Deveríamos estar preocupados em estabilizar ou baixar a dívida. Além disso, o cenário para o ano que vem mostra que dificilmente o desempenho da arrecadação será o mesmo e provavelmente haverá um aumento de salário a servidores públicos. Então, há perspectiva de o resultado primário ser pior e o endividamento, maior.”
Pelo lado do gasto, para acomodar pelo menos parte das promessas, a única alternativa seria alterar a regra atual do teto de gastos, seja mudando sua regra de correção, seja substituindo por uma nova regra, observa a economista-sênior da Tendências Consultoria, Juliana Damasceno. “Isso deverá ser feito tão logo as eleições sejam definidas justamente para que se consiga votar o Orçamento para 2023. A proposta enviada pelo governo em 31 de agosto tem muito descolamento da realidade, principalmente se considerar que as promessas de campanha não foram incluídas porque não havia espaço”, lembra. “Apenas o custo para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 chega a R$ 52 bilhões, enquanto o que está previsto para as despesas discricionárias está em torno de R$ 100 bilhões. A gente inviabilizaria a máquina pública para acomodar essa despesa.”
Política de preços dos combustíveis
Os candidatos também assumiram compromissos para a manutenção do preço mais baixo dos combustíveis. Pressionado pela questão eleitoral, Bolsonaro derrubou presidentes da Petrobras, atuou para limitar a cobrança de ICMS nos Estados e zerou impostos federais. Para 2023, o Orçamento federal prevê um custo de R$ 34,3 bilhões para prorrogação da desoneração de PIS/Cofins e Cide sobre gasolina, gás natural e etanol outros R$ 18,6 bilhões para PIS/Cofins sobre diesel e gás de cozinha.
Lula, por sua vez, é um crítico das medidas e promete implantar uma nova política para o setor, extinguindo o atual Preço de Paridade de Importação (PPI) praticado pela Petrobras.
Para o próximo ano, contudo, manterá a desoneração para que não haja uma disparada no preço dos combustíveis logo no início de um novo governo. “Para evitar mais instabilidades, em um primeiro momento, um futuro governo Lula será obrigado a manter a desoneração sobre os combustíveis. Mas iremos pavimentar a construção de uma nova política de preços, de modo a garantir mais estabilidade e menos volatilidade, criando condições para que os subsídios possam ser progressivamente reduzidos”, informou a coordenação do programa de governo da chapa Lula-Alckmin em esclarecimento solicitado pelo Valor Fiscal.
Colaborador nas propostas para o setor de óleo e gás na campanha petista e cotado como um possível nome para presidir a Petrobras numa gestão Lula, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) defende medidas como a criação de uma conta de estabilização dos preços dos combustíveis e que haja um preço de referência a cada área de influência de refinarias.
Comportar essa despesa com os combustíveis, contudo, não será simples. “Estamos passando por um momento atípico de arrecadação, puxado por ‘drivers’ conjunturais. O esgotamento dessa ajuda não permitirá que a gente tenha tanta margem para renúncias como essa, de R$ 53 bilhões para combustíveis. É completamente fora do bom senso”, alerta Damasceno.
Para Renatho Melo, diretor-executivo do Inop, independentemente de quem sentar na cadeira presidencial, o debate orçamentário será o grande fator de tensão do próximo governo. “As regras do jogo como estão postas não permitem qualquer discussão sobre acomodação de despesas. O cenário que se desenha: ou haverá escassez orçamentária ou serão mudadas.
Relator do Orçamento para 2023, o senador Marcelo Castro tem defendido que seja aprovada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para deixar de fora da regra do teto despesas com o Auxílio Brasil. Melo diz que uma solução desejável seria excepcionalizar investimentos, já que estes teriam a vantagem de gerar retorno futuro.
Tabela do IR
Outra discussão complexa será o reajuste da tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas. Em 2018, Bolsonaro prometeu isentar de IR quem ganhasse até cinco salários mínimos, mas não o fez. Candidato à reeleição, o presidente retomou a promessa, que segundo o Inop significaria uma renúncia de receitas de R$ 32,6 bilhões. Já Lula diz que, se for eleito, vai elevar para até R$ 5 mil mensais a faixa de isenção, o que se converteria em uma renúncia anual de R$ 21,5 bilhões.
O petista também prometeu que, se vencer, reajustará a tabela do IR anualmente. “Vemos com ceticismo a correção imediata da tabela de IR. Seria importante para a população, já que há uma defasagem significativa desde 2015 [quando houve a última correção]. A renúncia de receita, no entanto, é pesada”, conclui Melo.
Por Vandson Lima, do Valor Econômico
Leia a seguir