FMI: BCs emergentes devem ser firmes e manter aperto monetário

Um aperto monetário insuficiente agora pode exigir ações ainda mais dolorosas mais à frente, avalia a primeira-vice-diretora-gerente do fundo

Os bancos centrais de países emergentes devem se manter firmes na manutenção de suas políticas, reconhecendo que um aperto monetário insuficiente agora pode exigir ações ainda mais dolorosas mais à frente, avalia Gita Gopinath, primeira-vice-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI).

“As pressões sobre os preços parecem persistentes em várias economias, e os riscos de alta da inflação são consideráveis”, afirma Gopinath, no texto de seu discurso preparado para a palestra magna da Primeira Conferência Anual do Banco Central (BC), realizada em Brasília nesta quarta-feira, fruto da unificação do seminário anual de Metas para a Inflação e do seminário anual de Estabilidade Financeira e Economia Bancária.

O BC brasileiro sofre pressões do governo para reduzir a Selic, atualmente em 13,75% ao ano.

Gopinath também destaca que a restrição fiscal pode ajudar no apoio ao combate à inflação pelos bancos centrais. Para ela, ferramentas financeiras, usadas judiciosamente, também podem auxiliar se houver um quadro de estresse financeiro mais grave.

Sem citar o Brasil explicitamente em nenhum momento, a número 2 do FMI diz que a independência dos BCs deve ser mantida, junto com aperfeiçoamentos adicionais na transparência e na comunicação.

“Melhores arcabouços de políticas – tanto monetárias quanto financeiras – permitiram aos bancos centrais de mercados emergentes perseguirem políticas anticíclicas durante a crise financeira global e a pandemia da covid-19”, afirma Gopinath.

Para ela, esses arcabouços ajudaram esse grupo de países a se sair bem num quadro marcado pelo aperto monetário mais forte promovido pelos BCs das economias desenvolvidas em várias décadas. E eles devem continuar a servir como uma âncora de estabilidade para navegar num caminho com desafios, aponta Gopinath.

Segundo a número 2 do FMI, esses arranjos de política monetária nos países emergentes, comprometidos com o combate à inflação e com taxas de câmbio flexíveis, protegeram o crescimento e limitaram os fluxos de saída de capitais num momento de alta dos juros nas economias avançadas.

Gopinath afirma que o crescimento dos emergentes no ano passado permaneceu forte, devendo continuar razoável neste ano. Os fluxos de saída de capitais da América Latina, por sua vez, têm sido muito menores do que em 2013, quando o Federal Reserve (Fed, o BC Americano) acenou com a retirada dos estímulos monetários.

“Algumas moedas emergentes até se valorizaram em relação ao dólar, observa ela.

Para Gopinath, essa maior resiliência dos países emergentes se deve a reformas feitas nas últimas décadas., contribuindo para reduzir os riscos de crédito e de câmbio. Os BCs desse grupo de economias melhoraram os seus arcabouços de política monetária e se beneficiaram de maior independência, afirma ela. No Brasil, a autoridade monetária ganhou autonomia em 2021.

No texto de seu discurso, Gopinath argumenta que os mercados estão provavelmente muito otimistas em relação à perspectiva de queda da inflação nos países emergentes. Embora haja sinais encorajadores, ela se diz preocupada com pressões sobre os preços que parecem enraizadas em várias economias.

Gopinath afirma que a inflação em vários emergentes, assim como em países avançados, tem sido inesperadamente alta e persistente. Enquanto a inflação de bens declinou com força ou mesmo se tornou negativa, a inflação de serviços tem sido forte, nota ela, acrescentando que a alta de juros não esfriou os mercados de trabalho de modo significativo.

O crescimento de salários segue forte em vários emergentes, de acordo com ela. No Brasil, a inflação perde força, mas os preços de serviços seguem pressionados, e as expectativas estão acima das metas perseguidas pelo BC.

A economista indiana, que também tem cidadania americana, alerta ainda que inflação alta de modo sustentado pode mudar a dinâmica inflacionária. “Em outras palavras, quanto mais a inflação fica elevada, mais difícil é para derrubá-la – e maior a contração da economia que seria necessária”, diz ela.

O risco é especialmente relevante para os mercados emergentes, em que as expectativas de inflação não são tão bem ancoradas. Além disso, há mais indexação de preços e salários do que nas economias avançadas.

Nesse quadro, há motivos fortes para os bancos centrais manterem uma política monetária apertada e para reagir agressivamente a surpresas inflacionárias. Um aperto monetário insuficiente hoje pode exigir ações mais dolorosas amanhã, aponta ela, afirmando que essa é uma lição do período de inflação elevada dos anos 1970 que se aplica aos dias de hoje.

Por Sergio Lamucci

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