Europa entra em “modo de guerra” após Rússia fechar seu principal gasoduto
“Estamos em guerra”, disse Emmanuel Macron na segunda-feira, ao delinear as medidas de emergência que a França estava tomando para reforçar seu suprimento de energia e proteger seus cidadãos e empresas dos custos crescentes.
Durante meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o presidente francês aspirou a agir como intermediário e pacificador entre Kiev e Moscou. Nesta semana, ele e outros líderes europeus tornaram-se beligerantes em uma significativa escalada no conflito de energia entre a Rússia e o Ocidente. Era hora, disse Macron, de uma “mobilização geral”.
A decisão do Kremlin de usar seu combustível fóssil como arma forçou os governos europeus a tomar medidas drásticas, impensáveis há apenas alguns meses, para atenuar o ataque russo e proteger seus mercados de energia e economias do impacto.
A Suécia e a Finlândia tiveram que fornecer assistência de liquidez emergencial a seus produtores de energia diante da escalada nas demandas por garantias para suas operações de hedge.
O ministro da Economia finlandês, Mika Lintilä, disse que a região pode estar à beira de um colapso no setor de energia semelhante ao do banco Lehman Brothers em 2008.
A Alemanha divulgou um segundo pacote de apoio para famílias e empresas, no valor de 65 bilhões de euros, elevando para cerca de 350 bilhões de euros a quantia destinada até agora pelos governos da UE para compensar a disparada dos preços e diversificar a oferta. Apenas dois dias depois de assumir o cargo de nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, anunciou um teto sobre as contas de energia para residências e empresas que deve custar pelo menos 150 bilhões de libras em dois anos.
Em 2 de setembro, as potências do G-7 (grupo das sete maiores economias ricas) também concordaram em impor um teto global sobre o preço do petróleo russo, uma fonte de receita maior para o Kremlin do que o gás, embora isso seja difícil de implementar e outros grandes importadores, como China, Índia e Turquia, possam se recusar a participar.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que deve delinear um pacote de medidas de emergência na próxima semana, disse que o preço das importações de gás russo também deve ser limitado — uma ideia proposta pelo italiano Mario Draghi que ganhou apoio dos ministros de energia da UE na sexta-feira, apesar dos temores de que isso leve o líder russo Vladimir Putin a cortar completamente o fornecimento de gás para a região.
A Rússia está limitando o fornecimento de gás aos mercados europeus desde setembro do ano passado, o que elevou os preços no atacado dez vezes e levou a inflação as máximas em 40 anos, empurrando as economias à beira da recessão. Moscou sempre negou o que estava fazendo, atribuindo os cortes a razões técnicas — o que Bruxelas e os Estados membros contestaram.
Nesta semana, finalmente, abandonou o pretexto. Na segunda-feira, no que parecia uma retaliação às propostas de impor um teto de preço ao petróleo e gás russos, o Kremlin disse que o fluxo de gás através do duto Nord Stream 1, seu principal canal para os mercados europeus, só será retomado quando o Ocidente retirar as sanções econômica contra a Rússia.
“A última máscara caiu”, disse von der Leyen.
A Rússia ainda está bombeando gás através da Ucrânia e através do gasoduto TurkStream — cerca de um quinto da quantidade total que estava enviando em junho — mas a perspectiva de uma interrupção total nos fluxos de gás chegou mais cedo do que muitos na Europa esperavam.
Putin lançou a ameaça em um fórum econômico em Vladivostock na quarta-feira. “Não forneceremos nada se for contrário aos nossos interesses. Sem gás, sem petróleo, sem carvão, sem óleo combustível, nada”, disse ele.
Moscou também recebeu uma demonstração de apoio de outros produtores de petróleo nesta semana — três dias após o teto do preço do petróleo do G-7 — quando o grupo de países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, que inclui a Rússia, concordou em reduzir a produção em 100 mil barris por dia.
Alexander Novak, principal funcionário de energia da Rússia, alardeou o “colapso” dos mercados de energia da Europa. “O inverno está chegando e muitas coisas são difíceis de prever.”
No entanto, algumas autoridades e analistas acreditam que esta pode ter sido a semana em que a campanha de pressão da Rússia começou a perder sua potência. O fechamento indefinido do Nord Stream 1, o duto de gás da Rússia, deveria ser a grande arma do Kremlin que enviaria os preços de atacado para novos níveis estratosféricos. Mas na quarta-feira os preços no atacado caíram abaixo do nível de segunda-feira.
“Se é isso, isso pode significar o fim do show”, disse Simone Tagliapietra, pesquisadora sênior do think-tank Bruegel em Bruxelas.
Há uma confiança crescente nas capitais europeias de que a Europa pode atravessar o inverno sem graves rupturas econômicas e sociais ou racionamento de energia. Von der Leyen disse que a UE “enfraqueceu o controle que a Rússia tinha sobre nossa economia e nosso continente”.
O armazenamento de gás nas instalações da UE está em 82%, bem acima da meta de 80% que o bloco estabeleceu para o fim de outubro. Os Estados membros diversificaram os suprimentos, aumentando as importações de gasodutos da Noruega, Argélia e Azerbaijão e de GNL dos EUA e outros produtores.
Antes da invasão da Ucrânia, a Rússia representava 40% das importações de gás da UE, mas agora essa participação caiu para apenas 9%, observou von der Leyen.
“Todo mundo esperava que [a Rússia] fechasse o Nord Stream no inverno, porque o inverno é quando eles podem maximizar a pressão”, disse Tagliapietra. “Essa aceleração dos eventos nos diz que provavelmente o Kremlin não levou em consideração a possibilidade de a Europa apresentar tal resposta.”
“Putin não alcançou seus objetivos — nossa dependência dele diminuiu muito mais rapidamente do que o esperado”, disse um funcionário da UE.
Economistas do Deutsche Bank agora estimam que a economia da Alemanha deve se contrair de 3% a 4% em 2023, em vez de 5% a 6%, com armazenamento acima do esperado e o menor consumo.
Ainda assim, os líderes da UE também estão cientes do impacto do aumento das contas de energia neste inverno e do custo crescente dos governos da UE para proteger as famílias.
“Todos os Estados membros estão sofrendo e sentem que este pode ser um inverno de descontentamento”, disse o funcionário da UE.
Com a expectativa de que a inflação permaneça elevada no próximo ano, os consumidores estão se preparando para o maior impacto nos padrões de vida em uma geração, já que os salários não conseguem acompanhar o aumento dos preços.
A confiança do consumidor caiu para o nível mais baixo desde o início da série histórica em 1974 no Reino Unido e caiu para um nível quase recorde na zona do euro. O último S&P Global PMI, uma pesquisa mensal junto as empresas, mostrou que a atividade de negócios se contraiu em agosto, tanto na zona do euro quanto no Reino Unido.
A economia do Reino Unido começou a se contrair no segundo trimestre e mesmo a mais recente ajuda governamental não dissipou o risco de uma possível recessão. O Banco Central Europeu (BCE) agora espera que a zona do euro fique estagnada no último trimestre do ano e nos primeiros três meses de 2023, e contraia no próximo ano em um cenário negativo.
Angel Talavera, chefe de Economia Europeia da consultoria Oxford Economics, disse que era “inevitável” que os governos apresentassem pacotes de apoio maiores.
“Enquanto estivermos nessa situação terrível, faz sentido ter medidas extraordinárias para proteger cidadãos e empresas”, disse Roberto Cingolani, ministro da transição energética da Itália.
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