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Entenda o impacto da decisão do STJ que estende proteção contra penhora a investimentos
Pequenos investidores que optam por alocar recursos de maneira diversificada ganharam uma proteção extra da Justiça brasileira neste mês. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o limite de até 40 salários mínimos para penhora, válidos para valores em poupança, pode ser estendido a aplicações financeiras, como em ações ou fundos de investimento, desde que comprovado que os valores constituem reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial.
Assim, de acordo com especialistas ouvidos, as mudanças tecnológicas pelas quais o mercado de capitais no Brasil passou e o boom de novos investidores fizeram com que a Justiça atualizasse o entendimento sobre a origem dos recursos que não podem ser penhorados.
“Ao analisar a natureza dos investimentos realizados pelos pequenos investidores, a extensão da proibição a investimentos de risco como ações pode parecer incompatível com a intenção do legislador. Mas devemos lembrar que, com a atual tecnologia e disponibilidade das instituições financeiras, tais investimentos podem ser feitos por qualquer pessoa por meio de aplicativos de celular e sem nenhum conhecimento específico desse mercado”, diz Júlio Garcia Morais, advogado especialista em Direito Civil.
Para Ricardo da Rocha Neto, professor da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/SP e especialista em contencioso civil, a decisão do STJ garante uma proteção sobretudo às pessoas físicas.
“Importante notar que a impenhorabilidade reconhecida da quantia depositada em conta bancária observado o limite de 40 salários mínimos, de forma global, ainda que dividida em mais de um investimento, é uma proteção sobretudo destinada às pessoas físicas. Dessa forma, o impacto de tal proteção é restrito em termos quantitativos. Ultrapassado tal limite, quaisquer outros valores disponíveis do investidor ficam sujeitos normalmente a penhoras por dívidas em geral. Vale lembrar ainda que a impenhorabilidade, nos casos legais, é presumida, mas a regra pode ser excepcionada se o credor demonstrar a má-fé, o abuso de direito ou fraude do devedor”, diz.
Qual é a decisão?
Em pauta desde 2019, os casos analisados eram recursos da Fazenda Nacional contra acórdãos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que determinaram a liberação de valores inferiores a 40 salários mínimos bloqueados pelo sistema BacenJud.
Os valores haviam sido penhorados para pagamento de dívida tributária.
O argumento da Fazenda é que a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC) aplica-se apenas a recursos depositados na poupança.
“Se a medida de bloqueio/penhora judicial por meio eletrônico BacenJud atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de 40 salários mínimos, desde que comprovado pela parte processual atingida pelo ato constritivo que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial”, declarou o ministro Herman Benjamin em seu voto.
Contrapontos da decisão
O fato de a decisão estender a proteção contra a penhora para investimentos, mesmo os considerados de risco, como os da bolsa de valores, abriu espaço para a discordância de alguns pontos da decisão.
Segundo André Vasconcelos Roque, professor de Direito Processual Civil da UERJ, o STJ erra ao considerar que investimentos arrojados possam se tratar de um mínimo existencial.
“Penso que é uma interpretação que acaba indo além do que dispôs o legislador, ampliando uma regra de exceção, ou seja, a impenhorabilidade, que deveria receber interpretação restritiva”, diz.
“Se a ampliação fosse possível, deveria estar limitada a outros investimentos conservadores. Investimentos em renda variável podem conduzir inclusive à perda do capital, situação em que o devedor já admitiu que não se trata se montante indispensável ao seu mínimo existencial, pois o capital poderá ser perdido”, completa.
Ricardo Neto vê ainda a possibilidade de que os valores investidos em produtos de renda variável e com volatilidade, como a bolsa ou até mesmo criptomoedas, possam pesar negativamente no julgamento se o montante configura ou não reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial.
“Parece-nos que investimentos mais arrojados e de maior risco e volatilidade não guardam tanta compatibilidade com a ideia de assegurar-se um piso mínimo existencial e, a depender das circunstâncias, podem até mesmo enfraquecer a defesa do devedor e investidor na tentativa de sustentar uma impenhorabilidade de sua conta neste particular”, afirma.
Apesar da discordância, Roque destaca que o ponto positivo é o STJ optar por firmar de vez um entendimento que já vinha sendo tomado pela Justiça no país.
“De todo modo, como a jurisprudência já vinha entendendo nesse sentido, é melhor que a orientação se consolide de uma vez por todas, para que todos saibam as regras do jogo”, concluiu.
Vinícius Pereira, repórter freelancer do JOTA
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