‘Dólar poderia estar abaixo de R$ 5 se não fosse ruído entre Lula e BC’, diz economista
Cenário é difícil
Se o mundo político estivesse mais calmo e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não entrasse em rusgas com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, o dólar poderia já estar abaixo dos R$ 5. Afinal, esta é a avaliação da economista Cristiane Quartaroli, head de câmbio para o banco Ourinvest.
Em entrevista à Inteligência Financeira, Cristiane acredita que o real pode alavancar crescimento com boa margem frente ao dólar em 2023.
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Além disso, crê que o cenário externo para que isso aconteça dá sinalizações positivas. Os destaques são, na análise da economista, a reabertura comercial da China e o tom mais brando do Federal Reserve (BC dos Estados Unidos) ao baixar os juros.
Cristiane Quartaroli, que é formada em Economia pela USP e tem mais de 10 anos de experiência na área com passagens por Santander e BV, está no banco Ourinvest desde 2019.
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Ela é especializada em câmbio e deu algumas dicas de como o investidor pode se antecipar e proteger-se contra as baixas da moeda americana.
Por exemplo: com o dólar mais volátil, Cristiane alerta que o investidor deve sempre procurar uma “bala de prata” contra perdas no dólar. Para uma empresa, uma proteção eficaz se dá por meio de um hedge cambial — um ‘seguro’ contra as variações da moeda.
Outra saída: lançar a mão de investimentos em juros. Isso porque, geralmente, quando o dólar sobe, a inflação tende a subir proporcionalmente, acompanhada também pelos juros.
Tudo isso você assiste pelo vídeo, ou lendo abaixo os principais trechos da nossa conversa:
Como investir em dólar? Existe um passo a passo?
Temos algumas formas. Uma delas é se essa pessoa está pensando em viajar, e daí compra, de fato, a moeda americana. Ela consegue fazer isso em bancos, em agências de câmbio, corretoras, enfim. Então essa é uma forma.
Outra forma seria como investimento mesmo, investindo em fundos que são atrelados a moeda norte-americana (ETFs).
O que você recomenda?
A postura do Ouroinvest sobre o investimento em dólar é uma pergunta bem difícil. Eu costumo falar que é uma ‘pergunta de um milhão de dólares’. Porque o câmbio é uma variável muito difícil de se estimar, e estamos atravessando um momento peculiar.
Enquanto outras moedas emergentes estão se valorizando, e até vimos o real também subir no começo do ano, entramos num período com um pouquinho mais de aversão ao risco, por conta de ruídos políticos e pela questão fiscal.
O melhor momento para se investir de fato e comprar uma moeda é quando a gente vê uma baixa no dólar. No banco costumamos recomendar que o cliente aproveite esses momentos de baixa.
A principal questão é ficar atento ao mercado diariamente. Num dia em que o dólar cair um pouquinho, comprar um pouquinho e esperar. Caiu mais um pouquinho, compre mais um pouquinho. Chamamos a estratégia de ‘compra de parcelada’, para tentar fazer um um preço médio que fique mais atrativo.
É melhor fatiar o investimento em dólar?
Exatamente. A ideia é ir comprando aos poucos para você fazer o seu preço médio e pegar os melhores valores. Isso é difícil.
Tivemos um caso na semana passada de um cliente que nos procurou no início da semana. Ele queria fazer a compra do dólar e nos perguntou qual que seria o melhor momento. Era na segunda-feira? Esperaria até a terça? Não tem uma receita de bolo.
Em 2 de fevereiro, o dólar chegou a R$ 4,95. Como investir em tempos de volatilidade?
De fato temos observado uma volatilidade muito grande, principalmente aqui no Brasil. Porque o real é uma das moedas mais líquidas quando olhamos para os pares emergentes. Temos uma grande movimentação da câmbio no país.
A pessoa física precisa ficar atenta, como eu mencionei anteriormente, a esses momentos de baixa. Já para a pessoa jurídica — empresas que compram ou vendem dólar num volume maior — o ideal é se proteger com instrumentos de câmbio.
Inclusive trabalhamos com eles aqui no Ourinvest, nosso trabalho inclui contratos de hedge cambial, ACCs [Adiantamento de Contrato de Câmbio] e ACEs [Adiantamento sobre Cambiais Entregues]. É importante ter essa proteção na carteira.
Como se proteger da volatilidade do dólar?
É fazer algum outro tipo de investimento. Uma boa escolha são nos juros, que é mais seguro. O Brasil tem juros altos e, quando a taxa de câmbio sobe, isso acaba refletindo na inflação e na alta dos juros. Então o investidor consegue se proteger dessa forma, diversificando a carteira.
Geralmente quando o Ibovespa sobe, o dólar cai. Um mecanismo para se proteger da volatilidade do câmbio seriam as ações?
Eu acredito que a renda fixa acaba sendo algo mais seguro de fato. Um título do Tesouro Direto, por exemplo. Eles estão bastante atrativos hoje em dia. Porque estamos com um nível de inflação e juros muito altos, é uma proteção mais segura do que a bolsa, especificamente.
O real foi uma das moedas que mais valorizou no mundo em janeiro. Por que isso aconteceu?
Acredito que isso se deve à liquidez da nossa moeda. O outro motivo é que o real desvalorizou mais ao longo da pandemia. Se você olhar o combo das moedas emergentes ao longo da pandemia, o real foi uma das que mais se desvalorizou.
Acaba sendo meio óbvio que a gente tenha uma tenha tido uma valorização maior também no início desse ano, favorecida pelo ingresso de capital estrangeiro, porque houve uma melhora no cenário externo.
Tivemos a abertura da China no final do ano passado, o que contribuiu para aumentar esse fluxo de capital para emergentes, principalmente.
Tivemos também a questão dos juros americanos, com o Fed sinalizando uma política monetária menos restritiva. Isso acabou favorecendo o real. Acho que o principal, contudo, é a desvalorização no período da pandemia.
Muitos bancos e casas de análise indicam uma tendência de baixa no dólar. É isso mesmo?
Analisar a tendência para o câmbio é muito difícil. Nós acreditamos que sim, é possível uma melhora na nossa taxa de câmbio ao longo de 2023.
Talvez o patamar que você mencionou de R$ 4,80 seja muito agressivo, até por conta do pano de fundo econômico, que ainda não é tão positivo.
Mas pensando no cenário externo e em outras variáveis globais, que estão contribuindo para melhorar o fluxo de capital, eu acho que podemos ver aí uma melhora do dólar. Pensando que tudo ficaria mais constante, né?
Claro que política vai afetar e teremos mais volatilidade. Então, eu costumo dizer que a gente vai ver o dólar caindo, mas com muita volatilidade. Ele deve desacelerar ao longo dos meses, talvez para chegar no final deste ano mais próximo dos R$ 4,90 do que dos R$ 5,20.
Quando o dólar deve ficar abaixo de R$ 5?
Essa pergunta é interessante. Tentamos prever quando o dólar vai chegar num patamar abaixo de R$ 5. Fizemos um estudo no final do ano passado com algumas variáveis e cenários.
Acho que de fato teríamos que ter um cenário propício externo. O ideal seria a China voltando a crescer mais, EUA deixando de subir juros da forma como vem subindo, inflação baixando também nas grandes economias, e um quadro mais ameno da guerra entre Rússia e Ucrânia — por enquanto ainda é algo bastante incerto.
Com um externo um pouco mais positivo e, internamente, com uma política econômica mais bem coordenada, teríamos uma chance de ver o dólar abaixo de R$ 5.
É uma conjunção de fatores positivos que eu acho difícil de coincidirem. Falo que este é ‘o melhor dos mundos’.
Estamos caminhando para um cenário de melhora externa, principalmente por conta de China. Eu bato muito na tecla da China porque dependemos muito da China, porque é uma grande parceira comercial nossa, então se a China melhora é muito bom pra Brasil, mas a gente ainda tem um plano de fundo ruim aqui internamente.
Temos visto os desencontros entre o presidente da República e o presidente do Banco Central, o que acaba gerando desconforto e incerteza. Temo ainda um quadro de baixo crescimento, com juros altos e inflação alta.
Se a política econômica tivesse mais harmônica, o dólar poderia estar abaixo de R$ 5?
Acredito que sim. Inclusive foi o que vimos, no começo do ano, quando estava tudo mais calmo ainda, quando não tinham tantas falas das autoridades. Vimos o dólar melhorando por conta disso. Porque, afinal de contas, nós somos um país emergente e dependemos muito do cenário externo, que é quem manda.
Então, à medida que tivermos mais coordenação [entre os agentes econômicos] aqui e as projeções de crescimento melhorarem, é possível vermos uma melhora no câmbio também.
Como a volatilidade no dólar afeta os investimentos em commodities?
A perda ou alta do dólar acaba afetando o preço das commodities. Isso se reflete nas empresas que são importadoras e exportadoras. E de certa forma também acaba afetando nossa balança comercial. Portanto, pressiona os preços de commodities.
Tem um arcabouço grande de companhias que atuam fortemente na balança comercial e cujo preço depende do fluxo cambial e da alta e baixa da moeda americana. Com certeza isso acaba afetando no índice da bolsa de valores.
A tendência é de que o ambiente internacional fique cada vez mais favorável para o Brasil?
Com certeza. Pensando em cenário internacional, são exatamente essas as principais variáveis. A China reabrir sua economia acaba favorecendo emergentes e o Brasil se favorece muito porque somos super dependentes da China.
E essa questão dos Estados Unidos é super importante também. Hoje os EUA estão com o nível de juros alto, mesmo que o Brasil mantenha um diferencial de juros bastante positivo. O que acaba atraindo o fluxo de capital para a gente.
Mas o mercado tem uma expectativa de que o Fed comece a fazer uma política monetária menos restritiva. Eu acho que vai depender muito dos próximos indicadores de payroll. O mercado ficou um pouco na dúvida se o Fed vai subir menos o juros ou se tem espaço para subir mais. Porque a economia está bastante aquecida lá. Não dá para cravar na pedra.
Uma nova meta de inflação pode fazer a moeda estrangeira ganhar ou perder força em relação ao real?
Esse é o principal tema do mercado na atualidade. O sistema de meta da inflação.
Se de fato houver uma alteração da meta da inflação para cima, isso acaba sendo ruim para o dólar. Porque, a partir do momento que o Conselho Monetário Nacional decide que é a inflação pode ser mais alta, as projeções do mercado de juros e inflação vão se ajustar para cima.
Já estamos num nível alto de projeção de inflação para esse ano e para 2024. E isso gera uma incerteza diante do mercado e dos investidores.
É negativo para o dólar mais por conta da sinalização ser negativa. Estamos falando do nosso país permitir que a inflação fique mais elevada. É ruim para o crescimento — e o nosso já está muito baixo — e para a imagem do Brasil. A consequência é a elevação do risco-país, o que por sua vez reflete no câmbio.