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Desenrola Brasil: bancos começam a renegociar dívidas
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Em sua essência, o programa deve abrir linhas de crédito descontadas para atrair a iniciativa privada a limpar o nome de clientes
Na segunda-feira (17), os bancos começaram a renegociar R$ 50 bilhões em dívidas de até 30 milhões de brasileiros pelo programa Desenrola Brasil. Desenrolar as dívidas dos brasileiros de baixa renda é uma das principais pautas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A estimativa do Ministério da Fazenda é que, com o Desenrola Brasil, o governo refinancie, junto aos bancos públicos e privados, as pendências financeiras de 70 milhões de brasileiros
Ainda na segunda (17), entre 1,5 milhão e 1,7 milhão de pessoas negativadas com dívidas bancárias de até R$ 100 terão seus débitos cancelados pelas instituições financeiras, uma das pré-condições impostas pelo governo para que os bancos participassem do programa. Também a partir da próxima semana, endividados com renda mensal de até R$ 20 mil poderão negociar suas dívidas com os bancos, que deverão oferecer prazo de pagamento de no mínimo 12 parcelas. Nesta fase do programa, não há limite de dívida a ser renegociada nem teto para cobrança de juros. Em qualquer fase, só é elegível para entrar no Desenrola quem foi negativado até 31 de dezembro de 2022.
Plataforma para a negociação de dívidas
Em setembro, será lançada a plataforma para a negociação de dívidas de até R$ 5 mil, voltada para até 40 milhões de pessoas de menor renda (até dois salários mínimos), em até 60 parcelas e teto de juros de 1,99% ao mês. Além de dívidas com os bancos, débitos não bancários também poderão ser negociados, como contas de luz, água e telefone.
O governo disponibilizou uma garantia de R$ 8 bilhões por meio do Fundo de Garantia de Operações (FGO). Assim, em caso de inadimplemento, não haverá frustração de receita às empresas. A Fazenda estima que até R$ 25 bilhões podem ser renegociados nesta fase.
A inscrição no Desenrola Brasil é feita pelo site do Gov.br. A previsão é que o programa comece no mês de setembro.
Como vai funcionar o Desenrola Brasil?
O Ministério da Fazenda publicou na quarta-feira, 28 de junho, os requisitos, condições e procedimentos para adesão ao Programa Desenrola Brasil. As regras foram detalhadas em portaria publicada no Diário Oficial da União. A portaria estabelece dois grupos para adesão ao programa.
Grupo 1: até dois salários mínimos
O grupo 1 é para quem tem renda mensal de até dois salários mínimos, o que atualmente soma R$ 2.640, e ainda para devedores inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Para este grupo, a dívida não pode ultrapassar R$ 5 mil.
Também é necessário ter sido incluído no cadastro de inadimplentes no período entre 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022. Podem ser renegociadas todos os tipos de dívidas, incluindo as de consumo, como água, luz, telefone, varejo e bancárias e também as de empréstimo consignado.
Não podem ser renegociadas pelo programa as dívidas com garantia real ou as que sejam relativas a crédito rural, financiamento de imóvel ou de operações como funding (captação de investimentos para empresas).
As pessoas do grupo 1 só poderão aderir ao Desenrola Brasil pela plataforma digital gov.br, com certificados prata ou ouro, onde poderão escolher o agente financeiro, as dívidas para renegociação e a forma de parcelamento.
Grupo 2: devedores com renda mensal de até R$ 20 mil
O grupo 2 atende aos devedores com renda mensal de até R$ 20 mil, que poderão aderir ao programa tanto pela plataforma gov.br, quanto por canais indicados pelos agentes financeiros. Eles poderão quitar as dívidas de forma parcelada, a partir de 12 prestações. Também é necessário ter sido incluído no cadastro de inadimplentes até 31 de dezembro de 2022.
Para esse grupo, não podem ser renegociadas dívidas de crédito rural; dívidas que possuam garantia, equalização de juros pela União, entidade pública ou aporte de recursos públicos; e dívidas que não tenham risco de crédito assumido.
Credor
Os agentes financeiros e credores que quiserem participar precisam se cadastrar na plataforma do programa e no Fundo de Garantia de Operações. Também podem utilizar uma solução tecnológica para troca de informações com a plataforma do programa, por arquivos específicos.
As informações a serem fornecidas são relativas aos registros ativos de inadimplentes no perfil do Desenrola Brasil, como número de contrato, data da negativação e da inserção no cadastro de inadimplência, além os três dígitos iniciais do número do CPF do devedor.
Todas as operações do programa são isentas de IOF e funcionarão por meio de leilão entre os credores que farão ofertas de descontos sobre os créditos incluídos nos lotes.
Cadastro de devedores
Os devedores que queiram aderir ao Desenrola Brasil devem:
- Acessar www.gov.br, clicar em “entrar com o gov.br”;
- Preencher o número do CPF para criar ou alterar a conta;
- Para aumentar o nível da conta de bronze para prata ou ouro, basta seguir as orientações do aplicativo;
- Ou, alterar pela opção “aumentar o seu nível” e, em seguida, “selos de confiabilidade”.
Outra forma de aumentar o nível é realizar o login com a conta do banco. O devedor deverá ter o número de telefone cadastrado no banco para recebimento de SMS e confirmação do acesso.
Em sua essência, o programa deve abrir linhas de crédito descontadas para atrair a iniciativa privada a limpar o nome de clientes. Como garantia de calote, o governo federal deve usar um fundo garantidor de cerca de R$ 10 bilhões.
O valor seria suficiente para assegurar o refinanciamento de R$ 50 bilhões em dívidas.
Nicola Tingas, economista da Acrefi (Associação Nacional de Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento) e ex-diretor da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), explica que o Desenrola deve aplicar uma pena ao detentor de crédito na pessoa física. Assim, posteriormente, a dívida chega com um desconto para que a chance de calote aos bancos diminua.
Por exemplo, se um cliente deve R$ 2.000, ele paga um valor menor adiantado para obter desconto na dívida. A partir do pagamento, a instituição financeira realiza um novo empréstimo com uma taxa reduzida de juros e prazo adequado. Dessa forma, a dívida encolhe para R$ 1.500, R$ 500, e o devedor paga e zera as pendências.
“Essa dívida a ser cortada pode ser um débito de consumo (contas de água, luz, gás) ou financeira. O banco detentor vai perder uma parte e nunca vai recebê-la, mas vai obter uma parcela menor que vai ser refinanciada”, explica Tingas.
Desenrola Brasil do governo é direito de quem?
Por enquanto, a previsão é que a primeira fase do Desenrola Brasil contemple principalmente brasileiros de baixa renda, em situação de pobreza ou extrema pobreza.
“São, principalmente, devedores que tomam crédito como forma de complementar à renda”, diz Ione Amorim, economista do Idec (Instituto de Defesa ao Consumidor).
De acordo com o Mapa da Inadimplência, feito pelo Serasa Experian, no levantamento de maio de 2023, o Brasil tinha 71,90 milhões de pessoas em situação de inadimplência. O crescimento foi de 463 mil novos inadimplentes em relação ao mês anterior. Além disso, o perfil do devedor brasileiro é jovem, segundo a pesquisa. Jovens e adultos entre 26 a 40 anos representam 34,7% dos inadimplentes. A faixa etária acima de 60 anos representa 18%.
Endividados com Auxílio Brasil e Bolsa Família serão atendidos no programa Desenrola Brasil?
O novo Bolsa Família fará parte do programa Desenrola. Isso deve pelo menos somar milhares de famílias à base do programa, conforme fala do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias.
Além disso, quem optou por contratar o crédito consignado do Auxílio Brasil em 2022 também será contemplado. De acordo com Dias, a estimativa é de que sejam 3,5 milhões de devedores do Auxílio, que contrataram um total de R$ 9 bilhões.
“Essas pessoas precisam de um auxílio não só para regularizar a vida, mas são importantes também como fator econômico. É essencial trazer essas pessoas de volta para a economia”, disse Dias.
Quais os impactos do programa para a economia brasileira?
Especialistas dizem que os impactos do Desenrola Brasil são, em sua maioria, positivos para a economia brasileira. Mas os benefícios são maiores, principalmente, para o balanço dos bancos brasileiros, cuja temporada de demonstrações financeiras de 2022 foi castigada pelo alto grau de inadimplência.
Isso porque o programa de Fernando Haddad abre caminho para reaquecer o consumo popular, diz Alfredo Coli Jr., professor de economia e coordenador do Serviço de Organização Financeira (SOF). Ele afirma que o grupo elegível ao Desenrola equivale a 25% da população brasileira, e cerca de metade dos endividados no país.
“É uma parcela que representa necessidade de crédito alta. Para estimularmos a economia, um dos caminhos é pelo crédito, que funciona como catalisador de investimento”, diz Coli Jr.
Para tirar milhões de brasileiros do vermelho, o economista espera que as dívidas sejam renegociadas com taxas de juros menores por parte dos bancos privados, além de readequação de parcelas. A medida deve colocar milhões de brasileiros de volta à ‘roda da economia’. Contudo, o problema é a inflação. Com aumento da demanda, os preços podem subir no curto prazo.
Quais os impactos do programa para os bancos?
Os bancos são uma peça fundamental no sucesso do Desenrola Brasil. O programa de Haddad deve atrair instituições públicas e privadas para a renegociação de dívidas, mesmo sob desconto.
Tingas aponta que a maioria das dívidas dos brasileiros é ligada a consumo e contas do dia a dia, como luz, água, gás, de operadoras de celular e prestação de serviços. Por isso, o Desenrola Brasil teria impacto maior sobre os resultados financeiros de companhias de telecomunicações, energia elétrica, saneamento e gás.
“O balanço desses fornecedores de energia elétrica, de água, de sinal de celular etc também é fortemente afetado com penas de quem não paga as contas em 90 dias”, diz o economista.
Em janeiro, de acordo com o Serasa, o segmento de contas básicas, como luz, água e gás, representou 21,50% das dívidas, perdendo apenas para o cartão de crédito, campeão com 29,61% da inadimplência. A pesquisa ainda aponta que 11,33% dos atrasos em pagamento estão concentrados no setor de varejo.
Falta ‘conscientização’, dizem especialistas ao criticar Desenrola
Mesmo com o Desenrola Brasil, especialistas apontam que a renegociação de dívidas deve ser acompanhanda de um programa sobre educação financeira e de pleno emprego.
Só o Desenrola não vai conseguir salvar as famílias e reestruturar o crédito no Brasil. Precisamos pensar no planejamento financeiro, orientação e investimentos. As pessoas precisam saber guardar dinheiro, aplicar em bons ativos. É necessário também ter um plano de pleno emprego, onde as pessoas consigam emprego e sejam bem-remuneradas”
Alfredo Coli Jr., coordenador do SOF
O Desenrola não deve ser estendido em uma segunda etapa. É o que defende Ione Amorim, do Idec. Para ela, é um programa “de caráter emergencial” e que “não deve ser utilizado de forma generalizada”. Ao tratar o endividamento por faixa de renda, é possível, na visão da economista, desenvolver políticas melhores.
Amorim diz que o dinheiro “precisa deixar de estar concentrado” no sistema bancário. “Pessoas precisam ter dinheiro para consumo, e o crédito não pode virar mecanismo que impede o brasileiro de ter uma vida financeira e depois ser resgatado pelo governo, sem nenhum preparo. As instituições [financeiras] vão continuar ganhando.”
No Brasil, o crédito para quem ganha dois mínimos é uma espécie de complemento de renda. Precisamos ter uma política de crédito sólida e de conscientização financeira”
Ione Amorim, do Idec
Para se preparar para o Desenrola, o devedor pode consultar o site da Febraban, ou acessar os conteúdos da Inteligência Financeira que falam sobre como lidar com dívidas. A USP tem o curso de orientação Jornada Soft, gratuito para quem procura por orientação financeira.
Esta reportagem foi atualizada com informações da Portaria nº 634, de 27 de junho, que regulamenta o Programa Desenrola Brasil.
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