Capital externo traz R$ 80 bi para a B3

Mesmo com invasão militar da Rússia na Ucrânia, estrangeiro não arredou o pé de Brasil e AL
Pontos-chave
  • O investidor estrangeiro já trouxe quase R$ 80 bilhões para a bolsa local neste ano, entre compras no mercado à vista, futuro e ofertas de ações

  • A dúvida é quanto tempo esse movimento vai durar

Empresas citadas na reportagem:

O investidor estrangeiro já trouxe quase R$ 80 bilhões para a bolsa local neste ano, entre compras no mercado à vista, futuro e ofertas de ações. Em menos de três meses, a B3 já atraiu 57% do volume que entrou no ano passado inteiro. Diante do conflito Rússia e Ucrânia, o Brasil e outros países da América Latina têm se beneficiado da conexão com com as commodities e da rotação de carteiras, de ações de crescimento para casos de valor.

Fonte: B3 e Valor Pro

A dúvida é quanto tempo esse movimento vai durar. Há quem considere que ainda há um fluxo que vai aportar por aqui, já que em dólar os ativos brasileiros estão baratos. Outros acham que o dinheiro novo não vai tão longe porque tem eleições no Brasil, , um fiscal mal resolvido e aumento de juros nas economias desenvolvidas.

“O dinheiro procura duas coisas: diferencial de crescimento e de juros, onde tem mais juros. Idealmente, se a região tiver um diferencial de juros positivo e crescimento também, na margem, vai atrair mais capital. O que o país viveu recentemente que performou tão bem foi o fato de ter preços depreciados. O Brasil sofreu antes com a moeda muito desvalorizada em relação aos pares comparáveis e não tinha juros nem crescimento.

Aperta o botão para frente e tem a correção da taxa de juros nominal, mas não crescimento”, diz Marcelo Santucci, sócio-responsável pela gestão de portfólios internacionais do BTG Pactual. “Um pouco do dinheiro veio pela depreciação e pela taxa de juros, fica faltando o crescimento estrutural, as reformas, há o desafio do ajuste fiscal e a incerteza com as eleições. Para ter o dinheiro grande de verdade, precisa do estrutural. Essa é uma última incógnita.”

Para o executivo, esse movimento recente de fluxo estrangeiro não parece ser duradouro. Apesar do recente revés internacional, ele acha que a diversificação de moedas e de regiões para o brasileiro segue como uma estratégia válida para suavizar períodos de alta tensão como se observa nos mercados globais.

Muito antes do agravamento da guerra no Leste Europeu, já havia um realocação de ativos nas carteiras globais que acompanhou em alguma medida as altas dos juros futuros dos Treasuries americanos, diz Leonardo Morales, sócio da SVN Gestão de Recursos.

Menor exposição em companhias de crescimento

Com a subida das taxas longas, o investidor diminuiu a exposição em companhias de crescimento, principalmente no setor de tecnologia, com múltiplos mais esticados, e foi para ativos mais ligados à cadeia de commodities e bancos, que estavam com preços mais atraentes, segmentos considerados de valor na economia tradicional.

“Quando se olha para o Ibovespa, 60% é formado por commodities e bancos. Nessa rotação, o Brasil foi favorecido, bem bem como toda a América Latina: Peru, Colômbia, Chile, todos tiveram valorização e suas moedas, também.”

Morales afirma que o Brail perdeu muito peso nos índices internacionais nos últimos anos e qualquer aumento traz uma entrada forte de capital para o país. Ele lembra ainda que a Rússia costuma ter uma participação parecida nos referenciais de bolsas emergentes, mas as vendas lá nem aconteceram porque o mercado de ações está paralisado desde a invasão na Ucrânia. “Sempre tem um ‘smart money’ que deve ter vendido antes e comprado Brasil e América Latina.”

Foi um fluxo que acabou dando saída para gestores de ações e multimercados locais que seguem tomando resgates, acrescenta o gestor.

Ter um diagnóstico sobre o quanto esse movimento vai se estender no tempo é, contudo, a pergunta de “US$ 1 bilhão”, diz. A sua percepção é que pelo menos até o fim do trimestre terá sequência, diante de pressões e em preços de commodities agravadas pelo confronto militar entre Rússia e Ucrânia, beneficiando as fabricantes de matérias primas. “São companhias que estão gerando caixa, sem dívida, a rotação de crescimento para valor tem espaço para continuar sim.”

A intensidade do ingresso de recursos nestes primeiros meses do ano no Brasil realmente surpreendeu, mas é algo explicado fundamentalmente pelo fato de o mercado doméstico ter o suporte das exportadoras de commodities. O investidor global faz essa associação aqui e com outras economias da região, diz Marcelo Arnosti, estrategista-chefe de ações, multimercados e ativos “offshore” da BB DTVM.

Ele observa que boa parte das empresas listadas na bolsa local é avaliada como de valor, em que o retorno esperado do capital investido não está no longuíssimo prazo como nas companhias de crescimento. “O [índice americano] S&P500 ou o asiático é reconhecido mais como ‘growth’ pelo peso das empresas de tecnologia”, afirma. “A Ásia perdeu parte do fluxo para América Latina e Brasil, isso explica por que a bolsa se mostra resistente e o real vem se apreciando.”

Para Arnosti, esse é um movimento difícil de se antecipar na íntegra, mas a rotação deve se prolongar, ainda que diminua a diâmica mais diretamente relacionada a commodities.

Olhando para a frente, não necessariamente essa entrada de recursos vai se replicar nos próximos três, quatro meses, diz Marcus Vinícius Gonçalves, presidente da Franklin Templeton no Brasil. “As coisas podem andar de uma maneira diferente. Não significa que a gente tenha uma leitura negativa, a leitura é positiva, vai ter fluxo ainda, mas a incerteza eleitoral vai pesar”, afirma. “O Brasil está estupidamente barato, a bolsa brasileira está barata. Pode ser um ano muito bom para alocadores aqui e de fora.”

Setores descontados

Alguns setores da bolsa brasileira estavam razoavelmente descontados. A guerra só acentuou essa percepção para o segmento de commodities, diz Daniel Celano, diretor responsável pela gestão de recursos de terceiros da Schroders no Brasil. “Mas a gente enxerga isso de maneira muito pontual. Para que o estrangeiro, de fato, coloque o Brasil no rol de investimentos de longo prazo, ele precisa ver crescimento e o PIB, por ora, está sob júdice.”

Para o executivo, o câmbio brasileiro ficou mais próximo dos fundamentos, dado os bons números das contas externas, mas ele não enxerga a moeda muito abaixo do que chegou, na casa dos R$ 5,00.

Ele afirma que as preocupações inflacionárias permanecem como um fenômeno global, um efeito secundário da pandemia que – e que acabou emendado com o conflito militar na Ucrânia. No Brasil, as incertezas inflacionárias, com o crescimento, a eleição e o quadro fiscal tendem a tirar potência do fluxo que tem se observado por aqui.

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