Campos Neto acena para Lula, mas diz ser contra mudar meta de inflação
Alvo de ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, assumiu um tom conciliatório em entrevista na noite de segunda-feira (13) no programa Roda Viva. Colocou-se à disposição para voltar a encontrar com o presidente para explicar a situação dos juros altos no Brasil e para desenvolver uma agenda social com o aprofundamento da digitalização bancária.
Campos Neto negou que tenha sinalizado, em conversas com Lula ou outros membros do governo, apoiar a adoção de uma meta de inflação mais alta. Ele lembrou que, em fins do ano passado, o mercado chegou a precificar queda dos juros, que atualmente estão em 13,75% ao ano, tão cedo quanto março – e argumentou que, com a execução dos planos fiscais do governo, a adoção de uma âncora fiscal e reformas, é possível retomar esse mesmo cenário mais favorável.
“O ambiente colaborativo é o melhor ambiente para a sociedade, não é só para o Banco Central”, disse Campos Neto. Ele lembrou que, em 30 de dezembro, manteve uma reunião com Lula e que está aberto a novos encontros. “Gostaria de ter outras reuniões, para discutir a política de juros, a razão por que temos juros altos”, afirmou.
Questionado sobre a convocação que o PT quer fazer para ele explicar os juros altos no país no Congresso, ele disse que está sempre aberto a comparecer e que é a sua obrigação, como chefe do Banco Central, prestar esse tipo de esclarecimento.
O presidente do BC procurou se afastar da imagem de bolsonarista que setores do PT estão associando a ele. Sobre a participação em grupos de WhatsApp com ministros de Bolsonaro, mesmo depois da posse do governo Lula, disse que o seu papel se limitava a dar informações técnicas e de conjuntura para o restante da equipe de governo.
Campos Neto foi perguntado várias vezes sobre o fato de ter usado a camisa da seleção brasileira, um símbolo adotado pelo eleitorado bolsonarista, nos dias de votação. Ele argumentou que o mais importante foi que nada disso influenciou as decisões técnicas de política monetária do BC.
“Subimos juros durante as eleições”, lembrou o presidente do Banco Central. “Se o BC quisesse participar das eleições, não teria subido os juros.” Ele pontuou que esse é o primeiro ano subsequente a eleições que a autoridade monetária faz um aperto na taxa Selic, com exceção de 2006. “Inclusive, na campanha, houve uma tentativa de politizar o Pix”, afirmou. “Todas as vezes, eu falava que o Pix não é de governo nenhum”, sustentou, lembrando que sempre atribuiu o crédito da criação desse meio de pagamento ao trabalho feito ao longo dos anos pelas equipes técnicas do Banco Central.
Campos Neto afirmou que uma eventual mudança da meta de inflação poderia trazer prejuízos para as expectativas do mercado e para o cenário de convergência do índice de preços para as metas. Segundo ele, a meta atual, de 3,25% em 2023 e 3% em 2024, é crível. Tanto que, disse, até o final do ano passado as projeções de inflação do Banco Central mostravam ser possível chegar à meta com corte de juros em junho.
O presidente do Banco Central negou que tenha proposto um aumento da meta de inflação ao presidente Lula ou a integrantes da equipe econômica. Ele disse que, na verdade, discutiu estudos que estão sendo conduzidos ao longo de anos pela equipe técnica do Banco Central sobre o aprimoramentos no sistema de metas de inflação.
Campos Neto não quis revelar, em detalhes, que aprimoramentos seriam esses, mas disse que parte deles foram divulgados nos jornais, citando coluna publicada ontem no Valor que mostra os planos para adotar metas contínuas de inflação em vez de metas para o ano calendário.
Sobre a recuperação judicial da Americanas, ele disse que o impacto no mercado de crédito é, por ora, localizado. Campos Neto afirmou que conversou recentemente com banqueiros, que informaram que a crise provocou um forte aumento de provisões. Mas eles não mudaram o cenário para a expansão de crédito no ano, entre 8% e 10%.
Campos Neto lembrou que, em dezembro, os analistas econômicos previam uma queda de juros a partir de junho. Um pouco antes, assinalou em outro momento, o mercado chegou a precificar uma queda de juros tão cedo quanto março ou maio. Com execução do pacote fiscal do governo, a adoção de uma âncora fiscal e o encaminhamento da reforma tributária – messmo antes da aprovação final – o ambiente poderia melhorar. “Poderíamos voltar para a situação de dezembro.”
Ele negou que tenha faltado reconhecimento, por parte do Banco Central, do esforço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo ele, o comunicado divulgado logo após o encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) é mais sintético, e não havia espaço para desenvolver o assunto. Isso foi feito, afirmou, na ata do Colegiado.
Campos Neto voltou a argumentar que a expansão do crédito subsidiado poderá levar a um aumento da taxa neutra de juros da economia. Mas ele evitou emitir opinião sobre a proposta defendida pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, sobre uma eventual mudança da Taxa de Longo Prazo (TLP).
Sobre as escolha de novos membros para a diretoria do Banco Central, em substituição aos dois diretores cujo mandato está terminando, ele disse que está à disposição para “ajudar”. Ele evitou, desta vez, afirmar que essa escolha deve ser consensual, como havia dito na entrevista do relatório de Inflação.
Ele disse que Paulo Souza, que é da carreira do BC e comanda a área de Fiscalização, hoje estaria disponível para uma eventual recondução. No caso de Bruno Serra, que é diretor de política monetária, a contribuição de Campos Neto, segundo ele próprio, é aconselhar para que seja substituído por um nome com a experiência técnica necessária para a área.
Em meio a pressões contra a autonomia do Banco Central, Campos Neto disse que não pretende sair do cargo antes do fim do mandato. Segundo ele, isso é algo que ele deve fazer não por ele mesmo, mas pelo Congresso que aprovou a independência e o Supremo Tribunal Federal (STF), que ratificou em uma ação judicial.
Por Alex Ribeiro, do Valor Econômico
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