Análise: Powell passa mensagem dura que Campos Neto tem evitado

O presidente do banco central americano foi muito mais direto e explícito em reconhecer que, para conter a forte alta de preços, será preciso desacelerar a economia e enfraquecer o mercado de trabalho

Os presidentes do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, e o presidente do nosso Banco Central, Roberto Campos Neto, adotaram mensagens mais conservadoras em dois pronunciamentos nesta sexta-feira, que procuram coordenar melhor as expectativas do mercado de que estão empenhados em baixar a inflação nos dois países.

Mas Powell foi muito mais direto e explícito em reconhecer que, para conter a forte alta de preços, será preciso desacelerar a economia e enfraquecer o mercado de trabalho, que registra uma expansão insustentável. Por aqui, Campos Neto seguiu celebrando a surpresa para cima na expansão da economia, sinalizando que a desinflação pode ocorrer sem dor.

“O resgate da estabilidade vai levar algum tempo e exige usar nossas ferramentas com força para trazer a demanda e a oferta num melhor equilíbrio”, disse Powell, no simpósio de Jackson Hole. “Reduzir a inflação exigirá provavelmente um período de crescimento abaixo da tendência de crescimento de longo prazo.”

O chefe do banco central americano também disse que, para conseguir domar a inflação, será necessária a suavização do mercado de trabalho e que “vai trazer alguma dor para as famílias e para os negócios”.

Powell tocou no ponto central: a alta de juros é o instrumento usado pelo Banco Central para baixar a inflação, mas a desinflação de verdade ocorre com a desaceleração da economia. É um processo doloroso, que por vezes pode levar a uma recessão.

Campos Neto, por aqui, indicou que está “vigilante” e que “não pode baixar a guarda”. Isso significa que os juros podem subir mais, dos atuais 13,75% ao ano para 14% ao ano. Também é um recado que procura segurar as apostas de queda de inflação feitas pelo mercado.

Mas a retórica usada é de que a atividade econômica vai bem e se expande de forma sustentável, minimizando a artificialidade da expansão fiscal na eleição. “O Brasil é o único país que tem tido revisões para cima do crescimento”, afirmou.

Campos Neto lembrou que, há pouco tempo, a perspectiva de crescimento era de 0,4% para 2022 e que, agora, já está em 2,1%. Indicou ainda que essa perspectiva de crescimento é para cima.

Enquanto Powell chamou a atenção para a necessidade de abrir ociosidade na economia como um todo e no mercado de trabalho, Campos Neto procurou passar a mensagem de que a ociosidade poderia ser maior do que todo mundo imagina em virtude das reformas que foram feitas nos últimos anos.

Segundo ele, a surpresa do crescimento neste ano não seria apenas o governo colocando o pé no acelerador no ano eleitoral, com uma forte expansão fiscal – fato que, aliás, vem sendo reconhecido nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), mas aparece de forma suave no discurso de seu principal porta-voz.

Seria, segundo ele, fruto das reformas econômicas feitas nos últimos anos. “A gente começa a ver os efeitos de algumas reformas que forma feitas, tanto no emprego quanto no crescimento”, afirmou.

O recado entendido pelo mercado é que, na visão do presidente do BC, o crescimento vem pelo lado da oferta – ou seja, que seria possível acomodar uma boa parte da expansão da demanda criada pelo governo e, ao mesmo tempo, baixar a inflação para a meta.

O foco que Campos Neto tem dado, ultimamente, à atividade econômica tem levado muitos no mercado a entender que a autoridade monetária trabalha com uma função perda que sente mais a frustração do lado do PIB do que do lado da inflação.

Isso dificulta a coordenação das expectativas de inflação, que estão acima das metas até 2024, amplia a inércia dos preços e aumenta o custo da desinflação.

Por Alex Ribeiro, Valor — São Paulo.

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