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Análise: Medidas de combustíveis podem derrubar inflação, mas há risco de choque em 2023
A situação de preços em alta dos combustíveis exige de fato a tomada de medidas para aliviar essa situação. Mas além dos improvisos em algumas iniciativas, em grande medida por conta do desespero eleitoral do centrão, as propostas geram o risco de uma bomba relógio que o próximo presidente, seja ele quem for, terá que desarmar no início de sua gestão, possivelmente ainda antes de tomar posse em 2023.
O anúncio da PEC dos combustíveis prevê que a compensação pela opção de zerar o ICMS valerá até dezembro. Da mesma forma, a desoneração total da gasolina, a medida mais surpreendente do anúncio da última segunda-feira (6), venceria em 31 de dezembro deste ano. E mesmo a outra compensação aos estados, decorrente do PLP 18 (que coloca energia, telecomunicações e combustíveis como bens essenciais e força uma redução do ICMS para 17%), também só está prevista para 2022.
Ainda não há estimativas oficiais divulgadas, mas algumas contas no governo apontavam, com base nas versões preliminares das propostas, possibilidades de redução de um a mais de dois pontos percentuais no IPCA deste ano. Se isso ocorrer, será bastante coisa, especialmente no mês em que se materializar (o esforço do governo é para que seja em julho). Seria um choque positivo que com certeza a população sentiria no bolso.
Mas é preciso lembrar que há país e economia depois de fechadas as urnas. E esse fato parece completamente fora das negociações, na ânsia demonstrada por Arthur Lira e companhia de produzir algo que fortaleça o consórcio governista – eles têm ouvido poucas e boas do povo quando vão encontrar suas bases, além dos números ruins que surgem das pesquisas eleitorais.
Considerando o que está escrito nas propostas neste momento, grande parte do impacto favorável das medidas na inflação será devolvido em janeiro de 2023. Afinal, o ICMS para o diesel e o PIS/Cofins e Cide para a gasolina em tese voltariam à normalidade de uma só vez.
Algumas fontes do governo ponderam que é preciso considerar que até lá muita coisa pode acontecer, como a guerra na Ucrânia acabar, reduzindo os preços do petróleo, e que é preciso enfrentar a questão do momento, ainda mais com a situação piorando nos preços do petróleo nas últimas semanas. Além disso, outra fonte pondera que a expectativa é que até janeiro a situação geral da inflação esteja melhor, permitindo acomodar de forma menos dramática esse possível efeito.
Mas é importante ter no radar que pode acontecer, por exemplo, algo semelhante ao que ocorreu em 2015, quando, após o represamento de preços de combustíveis e energia no governo Dilma Rousseff, ela soltou tudo de uma vez, disparando o IPCA. Isso certamente afeta, por exemplo, a formação da taxa futura de juros, que tem impacto no crédito e na economia.
“Tem um lance nessa coisa toda de jogar com o tempo, para ver se ele atenua a pressão inflacionária. Se a coisa não melhorar, se depois da eleição o câmbio não apreciar, o preço do petróleo não recuar, aí se terá contratada uma inflação. E no fim das contas terá uma taxa de juros mais alta por mais tempo”, comentou ao JOTA o economista Manoel Pires, pesquisador do Ibre e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Para ele, não há como se escapar da adoção de medidas para conter essa escalada de preços dos combustíveis, o que tem ocorrido em diversos países. E, em sua visão, os estados podem dar uma contribuição para isso. “Mas não dá para a União jogar tudo no colo dos estados”, disse Pires, que é crítico da mistura entre questões estruturais e conjunturais no PLP 18.
“Você poderia fazer, por exemplo, um PL colocando alíquota máxima temporária de ICMS. Mas discutir o que é essencial e o que não é acaba entrando em outras questões do sistema tributário. Em um sistema tributário normal é razoável tributar mais combustível fóssil que outros bens, porém esse tipo de mudança veda essa possibilidade. Estão misturando uma discussão extraordinária com elementos estruturais”, disse o economista, em um alerta que deveria ser considerado pelo Congresso, que está em marcha acelerada para aprovação da matéria.
O senador José Serra (PSDB-SP), crítico do PLP 18 e também da PEC, pontuou que as propostas marcam uma fase de “mais Brasília, menos Brasil” e representam “o abandono da agenda federativa que o governo promoveu nas eleições de 2018 conhecida como Mais Brasil, Menos Brasília”. “O PLP 18 é uma bomba fiscal de destruição em massa. A PEC segue a mesma linha e, juntos, inauguram no país o federalismo de colisão”, completou o senador.
Por outro lado, no governo federal, tem circulado um texto do economista Marcos C. Holanda, ex-presidente do BNB, que aponta algumas supostas “semi-fakes” que alguns contrários às medidas estariam propagando. “A redução da alíquota vai, sim, reduzir o preço ou evitar que ele suba proporcionalmente a eventuais aumentos no preço do petróleo. O fato é que o resultado final é mais dinheiro na mão do consumidor. Ou porque o preço final caiu ou porque subiu menos”, diz um dos tópicos do material.
Holanda rebate a tese dos governadores e secretários de que o efeito das ações em discussão será menos dinheiro para saúde e educação. “Não necessariamente. Basta cortar gastos desnecessários e ineficientes. Se cortar gastos com uma máquina administrativa inchada, com o aquário, com um centro de eventos totalmente superdimensionado, CFO, propaganda etc. não vão faltar recursos”, apontou.
Ele também critica a avaliação de que reduzir impostos é oportunismo eleitoral. “O mundo todo ou está cortando impostos nos combustíveis e energia ou está dando dinheiro diretamente ao consumidor. Na Califórnia os consumidores vão receber dois cheques de US$ 400 para enfrentar o aumento dos combustíveis. Mais da metade dos estados americanos está reduzindo impostos. Coisa parecida na Inglaterra”, acrescenta.
No fim das contas, está claro que o diálogo entre governo, Congresso e estados precisa melhorar para diminuir os riscos que estão entremeados nessa negociação. Ainda que seja necessário agir, e rápido, também é preciso mais atenção com os impactos não só de curto prazo, mas também de médio e longo prazos, o que claramente não tem acontecido nesses últimos dias.
(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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