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30 anos do Plano Real: o Prêmio Nobel que o Brasil deveria ter recebido
Após 30 anos da implantação do Plano Real, portanto com o benefício da retrospectiva, hoje fica claro seu grande sucesso. Porém, isso estava longe de ser óbvio quando da sua execução, muito pelo contrário, sofreu muitas críticas e a maioria dos economistas apontava preocupações com o Plano.
30 anos do Plano Real: Prêmio Nobel de Economia que o Brasil não ganhou
A crítica, talvez mais criativa, ao Plano foi formulada pela economista Maria da Conceição Tavares, recentemente falecida.
No dia 17 de março de 1994, portanto, 30 anos atrás, em discurso na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Maria da Conceição disse que, se o Plano Real desse certo, Edmar Bacha e Gustavo Franco (dois dos principais formuladores do Plano) deveriam ganhar o Prêmio Nobel.
Se não desse, deveriam ser mandados de volta para Harvard.
No final das contas não ganharam o Nobel, mas também não tiveram que voltar para Harvard. O plano foi muito bem-sucedido.
Posteriormente, Bacha respondeu que iria cobrar Maria da Conceição seu prêmio Nobel…
Essa discussão, naturalmente tinha um tom de provocação, afinal o prêmio Nobel de Economia não estava realmente em jogo.
Afinal, o Nobel é usualmente concedido apenas a trabalhos acadêmicos que trazem novas teorias e ideias para a ciência econômica. Ou seja, é focado em teoria e não na prática, como no caso da implantação do Plano Real.
Contudo, dada a magnitude dos desafios e o sucesso do Plano, bem que merecia pelo menos uma menção honrosa do prêmio Nobel.
Contexto econômico e político do Brasil 30 anos antes do Plano Real
Considerando o contexto histórico, econômico e político, existiam muitos motivos para preocupação com o Plano Real.
Questões econômicas antes do Plano Real
Na questão econômica o Brasil vivia dias terríveis, com uma terrível hiperinflação. Para se ter uma ideia, em março de 1994, época do discurso de Maria da Conceição Tavares, a inflação foi de 42,75% – sim, em um único mês! Anualizando essa taxa teríamos 7.060% (incríveis sete mil porcento) em um ano, ou seja, algo que custasse $1 no começo do ano, custaria $ 71 no final do ano.
Algo difícil até de se compreender e assimilar.
Essa hiperinflação causava todo tipo de problemas e distorções na economia brasileira, aumentava em muito a pobreza, fome e desigualdade social e impedia o crescimento econômico sustentável.
Ademais havia a lembrança recente de uma sequência de planos econômicos malsucedidos, como o Plano Cruzado, em 1986; Plano Bresser, em 1987; Plano Verão, em 1989; Plano Collor I, em 1990; Plano Collor II, em 1991. Todos fracassos retumbantes no combate à inflação, além de trazerem grandes incertezas econômicas e jurídicas, bem como a descrença geral na capacidade do governo de debelar a hiperinflação brasileira.
Questões políticas antes do Plano Real
Na questão política, o Brasil não estava melhor.
O primeiro presidente eleito democraticamente após mais de duas décadas de regime militar, Fernando Collor de Mello, acabara de sofrer um impeachment por corrupção, em dezembro de 1992, e o Brasil estava sendo governado pelo vice-presidente da república, promovido a presidente, Itamar Franco.
Assim, ficou com um mandato “tampão” de apenas dois anos, 1993 e 1994, quando haveria novas eleições presidenciais.
Neste contexto de aparente fragilidade política, pouco se esperava deste governo, basicamente, se possível, apenas uma transição suave até as próximas eleições.
O lado bom do Plano Real
Ocorreu, então, o cisne negro positivo do Plano Real. A ideia de cisne negro, conforme defendida por Nassim Taleb, é daqueles eventos totalmente imprevisíveis e ao mesmo tempo de alto impacto na economia e na sociedade. Esses eventos podem ser positivos ou negativos.
O Plano Real foi um dos maiores cisnes negros positivos já ocorridos na economia brasileira.
No meio deste contexto de limiar do caos econômico e político no Brasil, de forma completamente imprevista, foi possível construir um plano econômico bem-sucedido.
A estratégia estava sob a liderança dos então Presidente da República Itamar Franco e Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, além de uma brilhante equipe econômica ligada ao Ministro.
Mais espantoso ainda foi aprovar no Congresso Nacional medidas impopulares, como aumento de tributos e equilíbrio fiscal para dar suporte ao Plano.
30 anos do Plano Real contado em podcast
Esse contexto e bastidores são contados em detalhes no brilhante podcast “Plano Real: a moeda que mudou o Brasil” aqui na Inteligência Financeira, e que você confere neste link. Recomendo fortemente.
O Plano Real não somente acabou com a hiperinflação, mas também mudou radicalmente os investimentos no Brasil.
Como eram os investimentos nos anos 1980 e 1990 até o Plano Real? Como mudaram com o Plano e ficaram até hoje?
Juros reais zero e insegurança jurídica
Para se compreender a lógica dos investimentos nos anos 1980 e 1990 até o Plano Real, faz-se necessário ter em mente dois aspectos fundamentais: (i) a hiperinflação deixava os juros reais basicamente zerados e (ii) os planos econômicos para combater a hiperinflação traziam enorme insegurança jurídica aos investidores. Vejamos como estes dois pontos afetavam os investimentos.
O primeiro aspecto era que a hiperinflação deixava os juros reais basicamente zerados.
Existem os juros reais e os juros nominais na economia.
Os juros nominais são aqueles que são pagos, porém não consideram a inflação.
Os juros reais são aqueles que o investidor ganhou de verdade, descontando a inflação.
Por exemplo, digamos que o investidor comprou um CDB e recebeu 10% de juros em um ano e que a inflação no mesmo período foi de 4%. Assim os juros nominais foram de 10% e os juros reais de cerca de 6% (10% menos 4% de inflação).
Imagine agora o Brasil com hiperinflação. A caderneta de poupança pagava inflação 6% ao ano. A inflação no ano de 1989, por exemplo, foi de 1.783%. Assim a caderneta de poupança pagou 1.789% (inflação + 6% ao ano). A inflação foi tão alta que os juros reais “sumiram”. A inflação e os juros nominais são quase iguais. Um pequeno erro na mediação da inflação, o que geralmente ocorre com inflação neste patamar, pode deixar os juros reais bem negativos.
O segundo aspecto era a insegurança jurídica aos investidores geradas pelos planos econômicos.
Estes traziam medidas muito heterodoxas, obrigando renegociações forçadas e de caráter bastante duvidoso.
Era o reino dos cortes de zero, congelamento de preços, mudanças artificiais de moeda, revisão forçada de rentabilidade e parcelas já contratadas que embutiam inflação, de forma arbitrária por novas taxas, geralmente irrealistas, divulgadas pelo governo. Eram as “tablitas”. Insegurança e imprevisibilidade imensas ao investidor.
Os investimentos 30 anos antes do Plano Real
Com estes dois fatores os investidores tendiam a fugir dos ativos financeiros, tanto de renda fixa quanto de renda variável.
Caderneta de poupança, CDBs e até o overnight (aplicação diária de renda fixa) estavam sujeitos a juros reais que tendiam e zero e imensa insegurança jurídica. Não eram bons investimentos.
A renda variável era ainda pior, pois as empresas emissoras de ações sofriam imensamente com este cenário, arrastando para baixo o valor das suas ações.
Sem renda fixa e variável, que sobrava então? Imóveis, dólar e até mesmo comida. Os imóveis eram provavelmente a única forma de obter algum “juro real” nesta economia, O preço dos imóveis, como ativos físicos, tendiam a acompanhar a inflação e estavam razoavelmente melhor protegidos da insegurança jurídica. O valor do imóvel, o “principal do investimento”, acompanhava a inflação e os aluguéis funcionavam assim como “juros reais”. Este tipo de investimento era muito utilizado e popular, até hoje temos reflexo deste carinho histórico dos investidores por imóveis no Brasil.
A outra alternativa era comprar e estocar dólares. Quanto maior a incerteza na economia, mais a sua cotação subia, muitas vezes acima da inflação, gerando um ganho real ao investidor. Estava livre também da insegurança jurídica do Brasil.
Por fim, as pessoas tinham um hábito muito arraigado de estocar comida. Com uma inflação tão alta, e quase sempre crescente, era um bom investimento, logo ao receber seu salário, correr para o supermercado e comprar tudo que você conseguisse. A comida como “ativo real”, após ser estocada em casa, estava protegida da inflação e da insegurança jurídica, de forma similar aos imóveis.
Esta era a economia doente antes do Plano Real e as distorções profundas que causava nos investimentos.
Mas, 30 anos depois, o Plano alterou totalmente o cenário, foi de extrema inteligência financeira. Veremos como, na próxima coluna.
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