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Política de enxugar gelo? Entenda o que está por trás da valorização recorde do dólar contra o real
Dois leilões a vista e injeção superior a US$ 3 bilhões no mercado de câmbio pelo Banco Central (BC) não foram suficientes para impedir que o dólar renovasse o recorde nominal com a cotação mais alta da história. Apesar de fechar em estabilidade, a moeda americana terminou terça-feira (17) cotado a R$ 6,0956 na bolsa de valores.
A leitura de parte do mercado financeiro é de que os tradicionais leilões de final de ano do BC estão perdendo o efeito sobre o dólar. Realizados para prover liquidez adicional e controlar a volatilidade do câmbio, os certames têm efeito reduzido. Entre os principais reveses estão a crise fiscal do governo, efeitos sazonais e os próprios métodos do BC.
O que aconteceu com o dólar?
O dólar disparou no início de terça-feira. Após a divulgação da ata do Copom, a moeda atingiu a maior cotação intraday na história, ou seja, registrada durante o pregão da bolsa de valores brasileira, e bateu mais um recorde. A moeda norte-americana saltou para R$ 6,20 na máxima do dia no Ibovespa.
Isso mesmo depois do BC anunciar um leilão de US$ 1,2 bilhão no mercado à vista.
O ganho do dólar contra o real desacelerou durante a tarde, sob efeito de um novo leilão à vista anunciado pelo BC e falas de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, sobre a votação do pacote fiscal.
No segundo certame, o BC vendeu mais R$ 2 bilhões de dólares sobre uma taxa de corte de 6,15%.
Por que os leilões do BC não fizeram o valor do dólar recuar?
Mas, para gestores e analistas, o Banco Central passou o dia enxugando o gelo.
Os leilões de US$ 3 bi do BC, assim, sofreram uma espécie de revés pela alta demanda pela moeda americana, típica de final de ano.
A procura pela divisa cresce porque há o aumento de remessa de lucro e dividendos de multinacionais para fora do país, por meio de transações em dólar. Além disso, exportações de commodities agrícolas costumam recuar na reta final do ano.
Mas a atuação do BC sobre o câmbio segue pressionada pelo anúncio de ajuste fiscal considerado decepcionante pelo mercado financeiro.
A expectativa de que o pacote de economias de R$ 70 bilhões em dois anos não seja suficiente para o governo atingir a meta de zerar o déficit (gastar e arrecadar o mesmo valor) em 2025 leva os agentes do mercado a procurarem um mecanismo de defesa. Esta é a avaliação de Alfredo Menezes, CEO da Armor Capital.
Ainda segundo ele, esse mecanismo é o dólar.
O que afeta a cotação do dólar hoje: Trump, Lula e fiscal
A visão de quem operou na mesa de câmbio em meio ao novo recorde do dólar é de que a atuação do BC é a de quem enxuga gelo.
Alexandre Viotto, gerente de câmbio da EQI Investimentos, pontua que os leilões de linha servem apenas para pagar por importações ou dar liquidez na veia do mercado. Mas não interferem de forma efetiva na especulação de contratos futuros.
Afinal, para cada US$ 1 em circulação no Brasil, existem US$ 11 em derivativos, completa Viotto.
“Por isso existe o mercado de swap (cambial)”, diz.
“O BC está tentando atuar contra o mercado futuro. Ele não está corrigindo ineficiência de mercado. Não falta dólar, ele está tentando segurar volatilidade. Mas não adiantou nada porque o dólar só recua solucionando o problema fiscal.”
A fala do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, de que os Estados Unidos estariam dispostos a subir taxas de importação também fez efeito sobre a alta do dólar, conforme explicação de Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora. Trump citou nominalmente o Brasil, ao lado da Índia.
Gestores se dividem sobre novos leilões do BC
Além de a crise fiscal afetar a cotação do dólar hoje, o BC poderia realizar menos leilões seguidos, sugere Sérgio Machado, sócio-gestor da MAG Investimentos.
Machado sugere que, ao invés de anúncios de leilões à vista de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões, o BC abra leilões com lotes de US$ 3 bi a US$ 4 bi.
“E aí sai o resultado, o dólar cai e você faz mais leilões, só que diminuindo a oferta inicial”, prossegue o gestor. “O valor precisa ir na direção de baixa, e não subir.”
Ele ressalta uma atuação “mais emocional” sobre o câmbio do que sobre outros ativos. Ao mesmo tempo, nota que o Brasil vem sofrendo com saldo cada vez pior em conta corrente em dólar em 2024 em comparação com 2023.
Menezes discorda, no entanto.
“Fazer um leilão de dólar à vista com lote muito grande vai dar oportunidade para quem quer sair comprando muito barato”, afirma o executivo da Armor Capital.
Isso prejudicaria os preços médios de compra por participante.
Velloni afirma que, ao aumentar o pacote de ajuste de gastos, o governo federal poderia levar o real a se tornar mais atrativo para investidores no exterior. E, assim, gerar a entrada de mais recursos em dólar, levando a moeda a perder valor na cotação contra o real.
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