CVM desenvolve sistema para buscar ‘insider’ em fundos

Por meio do uso de inteligência de dados, o objetivo do regulador é detectar e analisar padrões de negociação que passariam despercebidos por procedimentos anteriores, dependentes de excessivas interações manuais

Diante do orçamento reduzido e da falta de pessoal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) busca desenvolver sistemas próprios para aprimorar o trabalho de supervisão do crescente mercado de capitais brasileiro. O projeto mais recente envolve a criação de ferramentas voltadas para identificar uso de informação privilegiada e oscilação atípica em fundos de investimento. Por meio do uso de inteligência de dados, o objetivo do regulador é detectar e analisar padrões de negociação que passariam despercebidos por procedimentos anteriores, dependentes de excessivas interações manuais.

O trabalho é feito pela superintendência de supervisão de riscos estratégicos (SSR), que foi criada a partir da reformulação da área de fiscalização externa. Em 2021, a SSR já havia colocado em prática um sistema voltado à supervisão da cobrança das taxas de administração de fundos. Há pelo menos dois anos vinha trabalhando no desenvolvimento dessas novas ferramentas, que foram executadas dentro da agenda de 100 dias do presidente João Pedro Nascimento.

O projeto voltado para “insider trading” foi realizado junto com a superintendência de relações com o mercado e intermediários (SMI). A área realizava suas atividades de supervisão com filtros focados em identificar insiders “primários”, ou seja, pessoas diretamente ligadas às companhias e que tomam conhecimento de determinada informação. É o caso de diretores ou conselheiros, que fazem parte da base de dados da CVM.

Com a ferramenta nova, o foco foi ampliar esse alcance e identificar quem seriam os insiders “secundários”, que são muito mais difíceis de serem apontados. Em geral, podem ser familiares, amigos, colegas de escola ou vizinhos desses diretores ou administradores conhecedores das informações. Essas pessoas passaram a ser identificáveis mais facilmente por meio de um acordo entre a CVM e o Tribunal de Contas da União (TCU), que promove o intercâmbio de conhecimentos, informações e bases de dados. A ferramenta desenvolvida também aponta comunicados ao mercado divulgados pela companhia no período analisado, cotações e métricas de negociação do investidor.

Os casos de uso de informação privilegiada são raros e de difícil comprovação, em meio a um grande volume diário de transações, a maioria lícitas. Agora, uma análise que poderia levar horas pode ser feita em minutos. “A SMI tinha um trabalho que trazia os prováveis casos de insider, mas havia muitos falsos positivos. Era um grande volume de informações que o analista responsável tinha que olhar caso a caso. A ferramenta que entregamos é muito mais assertiva, o número de casos suspeitos caiu muito”, diz a superintendente Vera Simões, responsável pela SSR. Como resultado do projeto de insider, algumas situações de possível uso de informação privilegiada estão sendo analisadas, ainda em fase inicial.

A CVM também tinha necessidade de identificar automaticamente a oscilação atípica e a volatilidade das cotas de fundos para detectar erros informacionais ou desenquadramentos. Em casos extremos, pode identificar práticas inadequadas de administradores ou gestores. Com esse projeto, planilhas Excel e análises manuais foram substituídas por técnicas de busca, armazenamento, processamentos de dados e outras ferramentas de programação.

“Nosso projeto se tornou uma análise de aderência de mandatos dos fundos. É uma ferramenta de tecnologia que direciona o analista à detecção de irregularidades. Em algumas classes de fundos é esperado um padrão específico”, diz o gerente de inteligência em supervisão de riscos estratégicos, Jorge Casara.

Valores discrepantes identificados em determinada amostra de fundos são classificados como “outliers”, ou seja, pontos fora da curva. Para a autoridade do mercado de capitais, a percepção de uma supervisão intensiva e presente aumenta o nível geral de conformidade dos fundos e estimula a adoção de melhores práticas nos participantes de mercado, de forma a evitar que sejam constantemente questionados.

“Quando um analista da SIN [superintendência de relações com investidores institucionais] disparava uma ação de fiscalização, muitas vezes recebia como resposta que foi um erro pontual ou já foi corrigido. Uma análise sistemática que utiliza toda a base obriga o mercado a que esses erros não existam mais, e passamos a ter um histórico”, afirma a superintendente da SSR.

Por Juliana Schincariol

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