- Home
- Mercado financeiro
- Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, dribla estereótipo de banqueiros
Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, dribla estereótipo de banqueiros
Empresas citadas na reportagem:
Grávida da terceira filha, apaixonada pela Disney e por fazer panquecas em formato de Mickey aos domingos, Cristina Junqueira está longe do perfil tradicional de banqueiros. Aliás, fosse mantido o modelo tradicional, é pouco provável que entrasse nessa lista, composta majoritariamente por homens financistas de famílias quatrocentonas mundo afora. A engenheira de produção do interior paulista e cofundadora do Nubank é símbolo não só de uma nova geração de bancos, mas também de uma mudança radical no perfil de gestão – e oportunidades – das últimas décadas.
Ao valor de fechamento do Nubank em seu primeiro pregão na bolsa americana ontem, Junqueira tornou-se bilionária em dólares aos 39 anos, com um patrimônio da ordem de R$ 7,28 bilhões em ações na cotação de ontem. É uma grande distância da posição de David Vélez, o colombiano que teve a ideia do Nubank e montou o time. Ele acumula uma fortuna em torno R$ 57 bilhões (boa parte será doada em vida após adesão ao Giving Pledge) e mantém 75% do poder de voto no Nubank, configurando um banco de dono. Não por isso a posição de Junqueira é menos notória. Não há outro grande banco no país em que a segunda cadeira na hierarquia seja de uma mulher, especialmente como sócia desde a origem do negócio.
Considerada um “trator” na execução e uma “craque” de marketing, ela também é ativa no Instagram e na maternidade. Mais velha de quatro irmãs, Junqueira nasceu em Ribeirão Preto, foi criada no Rio de Janeiro, mas fez de São Paulo sua casa há mais de duas décadas. As filhas têm nomes de personagens dos filmes do mundo de Walt Disney: Alice, Bella e ainda um dilema no batismo da próxima realeza, a um mês do nascimento.
A mensagem de conciliação entre uma carreira bem-sucedida e a vida materna é constantemente reforçada por ela em suas conversas quase diárias com seguidores de rede social. “Cresci no mercado financeiro e nunca tive uma chefe mulher. Nunca pude olhar para cima e ter uma referência feminina. Minha geração não teve essas referências e agora nós estamos começando a ter. É uma responsabilidade muito grande que eu sinto”, comentou em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, no fim do ano passado.
Junqueira deixa claro que isso é possível porque tem duas prioridades: família e Nubank. Hobbies, badalações com amigos, palestras ou outros investimentos, por exemplo, não têm lugar. Vez ou outra, o marido e as irmãs também fazem participação especial ali pelos stories, sem exposição das crianças. E, se rotina é uma palavra que causa aversão à metade da população brasileira, é a ela que a empreendedora atribui boa parte de seu sucesso.
Usa sempre o mesmo esmalte, o mesmo colar, a mesma maquiagem, para eliminar esse tipo de demanda diária. Ainda que ligada no 220 V, segundo quem já conviveu com ela, não sofre por ansiedade e considera que tem três superpoderes: não fica doente, não sente frio e tem um toque mágico na cozinha (até para as meras panquecas).
Junqueira assumiu no final do ano passado o cargo de CEO do Nubank no Brasil, quando Vélez tornou-se CEO global – mas dispensa o título. “Faço o que precisar e respondo a quem perguntar”, costuma definir, sobre seu papel na companhia. Isso já incluiu área jurídica, relações institucionais e fortemente o marketing, onde ela nada de braçada.
“O que diz respeito à voz do cliente é 100% Cris. O David nem se mete na área de marketing”, diz um executivo que trabalhou na diretoria do banco. O trio de sócios fundadores, composto ainda pelo americano Edward Wible, é afinado. Grosso modo, pessoas da equipe do Nubank resumem que Vélez está por trás das definições de estratégias direcionais e é quem fica mais conectado com os fundos e investidores, Wible comanda a parte técnica para viabilizar as estratégias de TI e Junqueira dá a cobertura adicional com planejamento de marketing, construção de marca, timing e também ajuste e originação de produtos e serviços conforme a demanda de clientes.
“Não é papo de marqueteira, ela de fato fala sobre o interesse do cliente o tempo todo”, diz um investidor. Teria sido de Junqueira a ideia do NuSócios, uma programa inédito de distribuição de ações para quem é cliente do banco. Na proposta ousada, o banco poderia dar uma BDR a quase 22 milhões de clientes com a verba definida – a adesão acabou sendo de 7,5 milhões de pessoas, bem longe do potencial mas quase o dobro do que bolsa tem de CPFs registrados hoje.
Na cultura do Nubank, mensagens no Slack, o meio de comunicação usado internamente, não ficam sem resposta, o feedback é fundamental e dificilmente há um queridinho da vez entre a chefia. “As pessoas têm autonomia e se destacam, sobem, mas não há muito espaço para aquele brilhantismo individual. Não é uma empresa que alimenta isso”, diz uma executiva.
Junqueira tornou-se cofundadora também de forma atípica. Nos modelos mais conhecidos de startups, o pontapé é dado por um grupo de amigos ou colegas de trabalho, que se conhecem há um bocado de tempo e já têm certos alinhamentos de ideias e interesses. No Nubank, Vélez partiu da ideia para uma série de entrevistas de “emprego”, em busca de seus cofundadores. O trio se conheceu já para montar o negócio, iniciado numa casa na rua Califórnia, no Brooklin, em São Paulo – Wible morava ali mesmo, com um cachorro de estimação.
Ela era executiva da área de cartão de crédito do Itaú na época e, segundo já narrou em algumas ocasiões, se sentia frustrada com a falta de espaço para inovação. Junqueira trabalhou também na consultoria BCG e foi chefe de marketing e produtos na LuizaCred, a financeira do Magazine Luiza.
Quem a conheceu na LuizaCred a descreve como extremamente competente – e igualmente competitiva. Apesar de objetiva e direta, e declaradamente impaciente para perda de tempo com reuniões que poderiam ser e-mails (quem não?), por exemplo, Junqueira consegue fugir das descrições ríspidas que costumam ser levianamente atribuídas às mulheres no poder.
“Ela também é alto astral e despachada”, conta um executivo, lembrando de uma reunião em que ela usou o termo “baker math” (conta de padeiro) para explicar a investidores como se faz uma conta aproximada no Brasil. “Quando você digita deusa no Slack, aparece uma figurinha da Cris. Ela é uma figura meio idolatrada no Nubank”, diz o ex-funcionário, que ri do exagero mas se confessa admirador da equipe.
Sua objetividade lhe rendeu uma saia-justa quando respondeu em uma entrevista que não poderia “nivelar por baixo” para aumentar a diversidade racial de funcionários do Nubank – a companhia depois pediu desculpas e conseguiu contornar uma potencial crise de reputação com a criação de um programa de desenvolvimento profissional e um compromisso de contratação de 2 mil funcionários negros até 2025.
Com o IPO, Junqueira tem 10,6% das ações classe B, aquelas com super voto, atrás apenas de Vélez, com 86,2%. Wible tem 3,11%. No capital total, ela soma 2,7%, Wible 1,9% e Vélez, cerca de 21,5%. O trio participou da cerimônia de abertura na Nyse nesta manhã. “Somos loucos, deve faltar um parafuso na nossa cabeça para ter feito isso”, disse Vélez, citando o desafio aos bancões brasileiros. “Nos sentimos como impostores em vários momentos no caminho e hoje, aqui, não me sinto assim”, emendou Wible. Junqueira fez jus à fama, citando os clientes. “A razão de estarmos aqui.”
Este texto foi originalmente publicado pelo Pipeline, o site de negócios do Valor Econômico
Leia a seguir