Credit Suisse no Brasil volta a atrair atenção

Competidores do segmento de fortunas já têm se beneficiado de migração de recursos da instituição

Em meio à expressiva queda das ações e dos títulos de dívida emitidos pelo Credit Suisse globalmente, a operação do grupo suíço no Brasil volta a chamar atenção de competidores locais, principalmente a área de gestão de fortunas. Se houver uma operação coordenada pelo Swiss National Bank (SNB, o banco central suíço) para capitalizar a instituição, não faltariam interessados.

No meio do furacão, a Lumina Capital Management, a Verde Asset Management e o Credit Suisse confirmaram, em nota conjunta, estar em negociações para um acordo que permitirá à gestora de Daniel Goldberg adquirir uma participação acionária na asset fundada por Luis Stuhlberger, que tem de um dos multimercados mais longevos do mercado brasileiro.

As conversas, nesse caso, não têm relação com os ruídos de agora. As negociações foram abertas há meses. Conforme o Valor noticiou no domingo, a Lumina, de Goldberg, mantém tratativas avançadas para assumir uma participação na Verde. O Credit Suisse tem 25% da asset. Stuhlberger e demais sócios detêm o restante.

“Nenhuma transação foi concluída ainda, e as conversas estão em andamento. Quando e se for concluída, qualquer transação envolverá a continuação da sociedade entre o Credit Suisse e a Verde Asset Management, inclusive no que diz respeito à distribuição dos fundos da Verde”, informa o comunicado.

Segundo duas fontes, a Lumina negocia comprar 15% da parcela do Credit Suisse e outros 15% dos sócios da Verde. Com o tempo, está previsto que o grupo suíço saia totalmente da operação. Para isso, a Lumina e os sócios da Verde comprariam a participação remanescente do banco Credit.

Em 2015, quando selou o acordo com Stuhlberger para que ele criasse a Verde, o trato foi que o time da nova asset, que então se desplugava do Credit Suisse, ficasse com 75,1% da sociedade, com o banco ficando com parcela minoritária.

Os principais nomes na hierarquia são o próprio Stuhlberger e o seu discípulo desde os tempos de Hedging-Griffo, Luiz Parreiras, que cada vez mais vem se embrenhando na gestão, representando muitas vezes a Verde da porta para fora.

O casamento com a Lumina também cumpre o papel de entrar no segmento de crédito, algo que Parreiras já vinha explorando e incluindo nos multimercados – o episódio das inconsistências contábeis na Americanas chegou a machucar, mas a exposição não era a alta a ponto de comprometer os resultados dos fundos em janeiro.

A Verde chegou a reunir R$ 55 bilhões em 2021 em ativos sob gestão, mas não passou ilesa à onda de saques dos fundos de maior risco em meio às sucessivas altas da Selic. Ao fim de janeiro, a gestora tinha R$ 31,4 bilhões, segundo o ranking de gestores da Anbima. A Lumina tem cerca de R$ 6 bilhões.

A ideia é que Verde e Lumina se mantenham separadas, cada uma com sua estratégia e sua marca – a gestora de Stuhlberger, com um olhar mais “macro”, e a de Goldberg, mais voltada a crédito, operações estruturadas e “special situations” (que envolvem empresas com dificuldade na estrutura de capital).

Na visão de um interlocutor próximo às conversas, não está claro o efeito que a crise envolvendo o Credit Suisse terá sobre o andamento das conversas. Pode ser que acelerem ainda mais ou que demorem mais que o previsto, afirmou.

O estresse que derrubou as ações do Credit Suisse ontem – os papéis caíram 24,24% – fez com que voltassem à tona discussões sobre o destino dos ativos do banco no Brasil. Itaú Unibanco, BTG Pactual e XP seriam os maiores interessados. As instituições não comentam.

Uma crise bancária é sempre uma questão delicada e de desfecho imprevisível. Mas num movimento de “flight to quality” (fuga de risco), os bancos que estão fora do epicentro da crise não teriam estímulos para absorver outro em situação mais delicada, os recursos migrariam de qualquer jeito, avalia um executivo do setor. Se o Banco Nacional da Suíça pedisse, não teriam como negar. Não interessaria ao supervisor suíço deixar, contudo, um grupo grande demais, caso da união com o UBS, avalia essa fonte.

Os ativos de crédito emitidos pelo Credit Suisse, com “yields” [rendimentos] acima de 25%, chegaram a patamar de “distressed”, assim como as ações. “O banco é solvente, mas desde que as ações, os bonds não caiam tanto”, diz um observador. Segundo ele, é importante que a situação não se prolongue.

Assim como no mercado internacional, no Brasil o Credit Suisse observou uma forte saída de recursos no fim do ano passado, mas que havia se normalizado em janeiro e fevereiro. Nos últimos dias, porém, quem tem clientes na instituição já viu o fluxo aumentar, relata um executivo.

Todos os grandes private banking chegaram a olhar os ativos do Credit Suisse no Brasil, o grupo estrangeiro mais bem-sucedido no segmento de fortunas no país, diz outro profissional. Ele lembra, contudo, que os competidores vêm ganhando dinheiro do Credit Suisse “jogando parados”.

O Credit Suisse sempre negou ter planos de vender os ativos brasileiros. Procurado ontem, o banco não comentou o assunto.

Em recente entrevista ao Valor, o chairman do grupo financeiro, Axel P. Lehmann, disse que Brasil é um mercado chave na estratégia do “novo Credit Suisse”, que se configura com a reestruturação global em curso. Ele afirmou que a operação local sofreu retiradas de recursos em proporção semelhante à de outros mercados como Ásia, Europa e Estados Unidos, com 85% dos saques de 2022 concentrados no último trimestre.

O movimento veio na sequência da viralização de um tuíte malicioso originado na Austrália, no fim de setembro, que apontava que o banco estaria à beira de um colapso, após um período de inferno astral que se arrastava desde 2020. A instituição teve que fazer provisões bilionárias para ressarcir clientes por perdas em veículos da gestora britânica Greensill Capital e do family office Archegos Capital, que quebraram.

No Brasil, naquilo que é visível dentro dos fundos de investimentos, o patrimônio da instituição encolheu de R$ 105,5 bilhões em setembro para R$ 80,6 bilhões em janeiro. No ano passado, foram R$ 16,7 bilhões de resgates líquidos. Essa é uma foto parcial, já que não contempla carteiras administradas, compra direta de ativos e posições de clientes brasileiros no exterior.

Naquela ocasião também houve quem no mercado cogitasse que o grupo poderia se desfazer da operação local para se capitalizar, mas essa hipótese estaria fora da mesa, segundo Lehmann. “Pelo contrário, queremos crescer o negócio aqui. Estamos no Brasil há muitos anos, é uma grande oportunidade para nós.”

Por Adriana Cotias e Talita Moreira

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