Como Howard Schultz quer restaurar a ‘alma’ da Starbucks
Howard Schultz deveria estar na Casa Branca a esta altura, curando as divisões dos Estados Unidos com sua maneira empática e interessada e sua praticidade empresarial. Em vez disso, quatro anos depois de se aposentar e três desde sua campanha presidencial frustrada, ele está de volta para um terceiro turno como presidente executivo da Starbucks e enfrenta uma série tremenda de desafios.
O Schultz que volta ao comando da Starbucks não é mais o convicto hiperativo que convenceu os americanos, e depois o resto do mundo, a pagarem US$ 5 por uma xícara de café que costumava custar US$ 0,50. Tampouco é o executivo de coração mole que faz uma política progressista por meio do pacote de benefícios de sua empresa. A rejeição é uma parte maior da história desta vez e inclui a candidatura do bilionário por um terceiro partido em 2020, que durou apenas alguns meses. Sua decisão de desistir foi precipitada por uma lesão nas costas, mas se seguiu a berros de oposição às suas ambições políticas vindos de todo o espectro ideológico. Os republicanos o ridicularizaram como um progressista bebedor de lattes e os democratas entraram em pânico, temerosos de que ele rachasse seus votos e entregasse a reeleição a Donald Trump. “É, esse ano foi uma grande lição de humildade para mim”, diz ele suavemente. “E certamente eu fui […] eu não tive sucesso.”
Na volta ao trabalho, o fundador foi recebido pela maior reviravolta nos hábitos de cafeína dos consumidores em décadas; as políticas de covid-zero de Pequim tolheram o mercado chinês, do qual grande parte da estratégia de crescimento da Starbucks depende; e os problemas sociais embaraçosos dos EUA continuam a se espalhar por suas cafeterias. Mais chocante foi a revolta dos baristas, um motim de funcionários insatisfeitos que retratam Schultz como um destruidor de sindicatos impiedoso.
Schultz está sentado em uma sala na sede da Starbucks, com vista para a paisagem urbana de Seattle, seu tráfego e sua orla industrial. Voltaremos às suas frustradas ambições políticas mais tarde. Agora ele parece mais à vontade para discutir o que deu errado com sua empresa enquanto ele lambia as feridas em casa e como ele reformulou a estratégia de uma rede que abre uma nova loja a cada poucas horas. “Às vezes você precisa olhar muito mais fundo, mesmo quando a empresa está com um bom desempenho financeiro, para saber o que está por trás dos panos”, diz o executivo de 69 anos. “E comecei a ter a sensação exata de que a alma da empresa estava sendo comprometida pela busca de resultados financeiros.”
Ele voltou para a Starbucks em março, quando a empresa anunciou que Kevin Johnson, que o sucedera como CEO em 2017, se aposentaria. O retorno de Schultz seria temporário, enquanto procurava um substituto. Na época, a Starbucks se recuperava do choque inicial da covid-19, que fechou cafés e deixou a maioria de seus clientes habituais coando seus cafés em casa. Com 35 mil lojas e 400 mil funcionários em 80 países, a empresa nunca foi tão grande. Mas Schultz tinha a impressão de que as pessoas que ele deixara no comando estavam mais preocupadas em recomprar ações para satisfazer investidores do que em manter felizes seus funcionários de avental verde.
Em setembro, Schultz encontrou seu sucessor: Laxman Narasimhan, um veterano da McKinsey nascido na Índia que administrava a Reckitt Benckiser, fabricante do limpador Veja e dos preservativos Olla. Ele acompanhará Schultz por seis meses antes de assumir o controle, em abril do ano que vem, um arranjo incomum para um CEO experiente. Schultz passará então para um papel secundário na diretoria, ao se tornar um fundador não executivo.
Não que Schultz tenha esperado para começar a fazer mudanças. Ele suspendeu o programa multibilionário de recompra de ações da empresa em seu primeiro dia de volta ao comando, em abril, porque estava “absolutamente convencido de que a empresa estava desequilibrada”.
Seu negócio, antes sinônimo de um EUA empresarial supostamente mais solidário e mais amigável com todas as partes interessadas, passara, em outras palavras, a simbolizar os desequilíbrios que ele vê na sociedade americana e no capitalismo de forma mais geral. Schultz sustenta que uma geração angustiada e solitária de americanos, moldada pelos ataques de 11 de setembro, pela crise financeira de 2008 e pela pandemia, perdeu a confiança nas empresas, no governo e em outras instituições. “Sempre me orgulhei da Starbucks — e de mim — por superar tudo isso. Mas, neste caso, a empresa não superou.”
Depois de diagnosticar a doença, Schultz precisa agora convencer Wall Street e os próprios funcionários de que pode curá-la antes de se afastar de novo. E esta vez, ele jura, será a última.
“O amor e o senso de responsabilidade me trouxeram de volta à Starbucks”, disse Schultz a Wall Street em maio. Apesar de todo o seu foco em tentar reequilibrar a empresa a favor dos trabalhadores, no entanto, alguns dos funcionários que ele chama de “partners” (parceiros) ainda não sentiram o amor.
A partir de um punhado de cafeterias em Buffalo, Nova York, uma rebelião dos aventais verdes tem se espalhado pela rede americana da Starbucks já faz mais de um ano. Funcionários de quase 250 lojas votaram por sindicalizar-se e reivindicam mudanças que vão desde dar status pleno para os partners que trabalham mais de 32 horas por semana até o direito de usar acessórios com a marca do sindicato no trabalho. Eles acusam a Starbucks de pagar “salários miseráveis”, negar salários mais altos e benefícios para os membros do sindicato e demitir ativistas ilegalmente. Um diretor regional do Conselho Nacional de Relações de Trabalho, a agência federal encarregada de arbitrar esse tipo de litígio, acusou a Starbucks de mais de 200 violações de leis trabalhistas em uma “resposta virulenta, generalizada e bem-orquestrada” contra as iniciativas de organização dos funcionários.
A Starbucks nega as acusações e alega que agentes federais do Trabalho conspiram com líderes sindicais. Em uma reunião com sua equipe, cujo conteúdo vazou em abril, Schultz descreveu os sindicalistas como uma “força externa” que ameaça a essência de sua empresa. O movimento pela sindicalização na Starbucks tem paralelos em outros lugares — um armazém da Amazon em Staten Island, uma unidade da Home Depot na Filadélfia e uma loja da Apple em Maryland. Mas esse não é o tipo de tendência que Schultz quer seguir.
A história que Schultz e sua equipe contam sobre o que deu errado difere da análise dos baristas. É uma narrativa sobre a imprevisibilidade da pandemia, as deficiências do software de organização dos turnos de trabalho e as demandas cada vez mais elaboradas de um consumidor empoderado digitalmente. As ondas de casos de covid deixaram os gerentes com falta de pessoal, o que pôs sob pressão os que apareciam para trabalhar. Os gerentes contrataram mais funcionários para compensar isso, o que levou os baristas a reclamarem de que trabalhavam muito poucas horas.
Schultz gosta de afirmar que a Starbucks vende “contato humano”, e evoca uma imagem de clientes que entram em suas cafeterias locais, onde pessoas com expressões amistosas preparam alegremente seus cafés de costume, de modo que eles vão embora um pouco mais felizes. A covid-19 foi cruel com o contato humano, e o medo repentino de estar com outras pessoas estimulou mais clientes a fazerem seus pedidos por meios digitais, para retirá-los com o mínimo de contato possível. A facilidade de pedir adicionais como cobertura de caramelo, canela polvilhada por cima ou creme frio de baunilha no aplicativo móvel da Starbucks também fez com que de repente os partners passassem a ter de fazer bebidas personalizadas que tomavam muito mais tempo. “A gestão da pandemia com relação às pessoas em nossas lojas não foi o melhor momento da Starbucks”, diz Schultz. “Erros foram cometidos”, acrescenta ele, usando a voz passiva. “E isso criou um ambiente de hostilidade.”
Schultz não é o primeiro CEO a ser chamado de insensível. Mas ele passou décadas dizendo às pessoas que o que lhe servia de inspiração era evitar que alguém tivesse o mesmo destino de seu pai, cujos empregos como motorista e operário de fábrica não ofereciam nenhuma segurança ou seguro de saúde e tinham poucas chances de promoção. A Starbucks foi pioneira em oferecer benefícios na área de serviços de saúde para os funcionários que trabalhavam por hora. A empresa já ajuda os baristas a compensarem os custos de abortos, adoções, ensino universitário, tratamentos de fertilidade, procedimentos de afirmação de gênero e requerimentos de imigração. Depois de dezenas de reuniões de equipe muito francas, ele diz que achou “muito difícil” lidar com a raiva de seus funcionários. Um consultor faz uma descrição mais forte da reação de Schultz ao movimento pela sindicalização: “Ele se sente tão traído pessoalmente”.
Schultz e sua equipe estavam convencidos de que eram os mocinhos da história, ao construir de forma voluntária uma cultura de “sucesso compartilhado” em um tipo diferente de empresa. Os funcionários que, ao contrário, consideram a direção como vilã têm abalado a autoimagem da Starbucks. Schultz, que cresceu nos conjuntos habitacionais para a classe trabalhadora em Canarsie, no Brooklyn, diz que, se seus partners preferem se sindicalizar, “esse é o direito deles como americanos”. Mas faz uma ressalva: “Também respeito o direito da empresa de mostrar aos nossos partners a longa história da Starbucks: de fazer o que é certo para nosso pessoal, de compartilhar o sucesso e, mais importante, nossa visão para o futuro”.
A rigor, Schultz não fundou a Starbucks. A cafeteria estava localizada no Pike Place Market, em Seattle, havia uma década quando o então vendedor de máquinas de café parou para tomar uma xícara de sumatra em 1981. A loja ainda está lá, em frente às vitrines das peixarias, com sua versão marrom e mais topless do logotipo onipresente da sereia verde. Schultz ficou tão entusiasmado com o negócio que se mudou de Nova York para Seattle para se tornar seu diretor de operações e marketing. Foram precisos mais cinco anos e uma experiência reveladora com a cultura dos cafés em Milão para que ele levantasse o dinheiro para comprar a empresa e começar a construir a Starbucks que conhecemos.
Hoje em dia, porém, ninguém reclama quando ele é apresentado, como foi no dia para investidores da empresa, como “nosso icônico fundador […] o primeiro e único senhor Howard Schultz”. Os executivos mais próximos dele me contam que sua volta deu à empresa uma dose extra e urgentemente necessária de “DNA empreendedor”. Mas ao mesmo tempo insistem em que o negócio vai funcionar bem — melhor do que nunca, na verdade — quando ele se retirar pela terceira vez.
Os executivos da Starbucks que conheci em Seattle têm duas coisas em comum. A primeira, e a menos surpreendente, é que todos estão empenhados em contar o quanto são “cafeinados”. Frank Britt, que Schultz contratou como diretor de estratégia e transformação este ano, bebe latte de leite de soja duplo. Narasimhan, o futuro CEO, aprendeu a compartilhar que toma seu espresso macchiato doppio com um pouco de leite quente. A diretora financeira, Rachel Ruggeri — “grande espresso quádruplo sobre gelo e com gelo extra, duas vezes por dia, todos os dias” —, me disse que tinha tomado nove doses de café expresso quando subiu ao palco no dia do investidor.
A segunda coisa é que todos falam a mesma linguagem de Schultz, caracterizada por uma sinceridade tão clara e aberta que pode soar irritantemente insincera. “Enaltecer a humanidade”, “liderança servidora” e “cultivar o espírito humano” não são o tipo de café gelado com creme de pistache que apetece a qualquer um. Essas expressões também não se encaixam muito bem com algumas das decisões mais intransigentes que Schultz tomou desde que voltou para a Starbucks, como substituir um punhado de altos executivos associados a Johnson. “Ele pode ser muito afável, mas também pode ser inflexível sobre o que espera das pessoas”, diz um ex-colega. “Qualquer um que seja um obstáculo, isso será o suficiente.”
Michael Conway, presidente internacional da Starbucks, descreve o retorno de Schultz como “um presente” para aqueles colegas que nunca tinham tido a chance de trabalhar com seu fundador. “É uma lenda e agora ele está de volta, e eles podem dizer: ‘eu fiz parte disto’”, afirma. Britt, do seu lado, descreve Schultz como “o criador do conhecimento da Para ele, durante os dois períodos em que esteve ausente da empresa, “a fidelidade do conhecimento tribal perdeu um pouco de sua força”. Mas seu retorno restabeleceu a ligação da Starbucks com seus valores originais. Trocando o símile, ele compara Schultz a um quiroprático que, com alguns ajustes certeiros, põe a coluna do paciente de volta no lugar.
De todos os executivos dele, Ruggeri dá a melhor indicação de como o carisma de Schultz se traduz em resultados. Ela admite que sentiu certa apreensão quando ele voltou, porque lembrava dos dias em que costumava acordar muito cedo para enviar-lhe um relatório sobre as vendas do dia anterior às 4h30 (Schultz ainda se levanta a essa hora, e começa o dia com a leitura do “Financial Times”, do “Wall Street Journal” e do “New York Times”). “Ele tem um senso de urgência. Tem uma sensação de ‘isso nunca é o suficiente’”, acrescenta Ruggeri. “Sou uma pessoa muito urgente, naturalmente — se você toma nove doses de expresso [por dia], tende a ser —, mas ele me fez trabalhar mais, me fez trabalhar melhor, me fez pensar de forma mais ampla. Howard pressiona de uma maneira que faz você querer ser melhor […] Eu não sei o que motiva uma pessoa dessa forma, mas eu gostaria de poder aproveitar isso para mim.”
Os frutos da ambição inquieta de Schultz foram apresentados no dia do investidor em setembro: US$ 1 bilhão de investimentos este ano e outros US$ 450 milhões em 2023 irão para salários mais altos, mais treinamento, remodelação de lojas e novos equipamentos, principalmente nos EUA.
Já faz tempo que Schultz descreve as lojas da Starbucks como um “terceiro lugar”: nem a casa nem o trabalho, mas um meio-termo reconfortante onde os amigos podem se encontrar para tomar um café. A explosão dos pedidos por aplicativos ou para retirada que foi causada pela pandemia tem exigido uma reavaliação cara de suas propriedades, mas também dos trabalhos que seus funcionários realizam. “Um grande elemento de sua estratégia para se contrapor à sindicalização nos EUA é melhorar a experiência de ser um partner”, diz o ex-colega de Schultz. Assim, os executivos da Starbucks despejaram planos para incentivar os clientes a darem gorjetas para os baristas e programas para ajudar os funcionários a pagar seus empréstimos estudantis. Eles falaram de ferramentas para automatizar as verificações de estoque, que tomam tanto tempo, e para ajudar gerentes e baristas a acertarem horários de trabalho. E exibiram novas máquinas de café que reduzirão o tempo e o esforço necessários para fazer suas bebidas.
Uma delas permite reduzir para menos da metade o tempo de que os baristas precisam para fazer um frappuccino, e com menos necessidade de se curvar para pegar leite e chantilly nas geladeiras. Outra corta um processo de preparação de café a frio de 20 horas e 20 etapas para apenas 4 etapas e uma questão de segundos. “Quando se considera que gastamos mais de US$ 50 milhões por ano em mão de obra para preparar nosso café frio, isso é um enorme divisor de águas para nós”, disse a analistas o diretor de operações John Culver, que está de saída, acenando com a ideia de uma “alavancagem de mão de obra” maior no futuro modelo de negócios da Starbucks. Parece um eufemismo para corte das horas de trabalho dos partners. Mas Ruggeri insiste em que isso significa que os partners gastarão menos dessas horas em tarefas frustrantes e improdutivas.
“Existe uma mudança fundamental acontecendo no mercado da força de trabalho da linha de frente neste país, ponto, não importa se você trabalha na Home Depot, na Starbucks, ou onde for”, diz Britt.
Os trabalhadores de linha de frente têm exigido mais de quase todos os empregadores. Com o desemprego nos EUA perto de seus níveis mínimos históricos, o novo discurso da empresa de ajudar os partners a “crescerem” em suas carreiras é claramente mais do que apenas uma maneira de refutar a narrativa dos líderes sindicais sobre suas condições de trabalho. Britt contou a analistas que a rotatividade de mão de obra, que teve um pico no ano passado, começou a cair para níveis abaixo dos anteriores à pandemia.
Wall Street prestou mais atenção aos números que Ruggeri lhes deu. Ela afirmou que “uma nova era de crescimento” deve fazer os lucros da Starbucks aumentarem de 15% a 20% ao ano pelos próximos três anos, o que servirá para bancar cerca de US$ 20 bilhões em dividendos e recompras. As ações da Starbucks começaram a se recuperar, depois de terem ficado atrás do mercado em geral no início do ano. “Isto é só o início” da volta por cima, diz Schultz.
Laxman Narasimhan será o quarto sucessor de Schultz. Em 2000, ele deixou o comando para ser presidente do conselho e pôs Orin Smith como presidente executivo. Smith foi seguido por Jim Donald, que Schultz desalojou do cargo em 2008, depois de lamentar “a comoditização da experiência da Starbucks”. Schultz saiu de novo em 2018 e entregou a chave da loja da Pike Place a Johnson, um ex-executivo da Microsoft. O que ele aprendeu sobre escolher outras pessoas para administrar sua empresa? “Essa é uma boa pergunta. Paciência, disciplina”, responde. Mais importante, porém, desta vez ele estava à procura de alguém “impregnado de humildade”, com uma compreensão inata da cultura e dos valores da Starbucks. Em ocasiões passadas, diz obliquamente, seu foco na expertise operacional dos candidatos “ofuscou a natureza crítica da relevância cultural”.
Schultz se maravilha com a falta de ego de Narasimhan, por concordar em passar seis meses aprendendo o trabalho com ele, e com sua “história de origem”. No dia do investidor, o futuro chefe falou sobre seu começo difícil em Pune, Índia, onde seu irmão morreu quando ele tinha seis anos. Ele disse que era uma história de perda, mas também de resiliência, à medida que ele subia as “escadas” que lhe eram oferecidas, oportunidades que agora ele esperava oferecer aos partners da Starbucks. “Eu vim para este país sem nada. E assim, sentado na frente de vocês, eu sou verdadeiramente a personificação do sonho americano”, disse Narasimhan à plateia, antes de mencionar seu amor pela arte, o design e a poesia.
Ruggeri me diz que o estilo de Narasimhan é o que a empresa precisa neste momento. “Há uma geração hoje que não está à procura de liderança de poder e autoridade”, argumenta ela. Os jovens funcionários de hoje, que esperam ter mais voz no futuro de suas empresas, têm “mudado o mundo”, na sua avaliação. “Se você não ouvir essa geração vigorosa e enérgica, você não sobreviverá como empresa.”
Nem todos os investidores foram conquistados. O SOC Investment Group, que trabalha com fundos de pensão patrocinados por sindicatos e detém cerca de 1,8 milhão de ações da Starbucks, pediu à empresa que revise sua política de planejamento sucessório. Para o grupo, a preparação precária deixou a Starbucks “excessivamente dependente de Schultz” como uma solução temporária enquanto procurava candidatos de fora. “Eu realmente espero que ele não esteja sendo preparado para o fracasso”, diz o diretor executivo do SOC, Dieter Waizenegger, ao falar de Narasimhan. Ele observa que Schultz montou a nova estratégia e a equipe de liderança da Starbucks antes de nomear seu próximo CEO. Waizenegger argumenta que Narasimhan “está sendo preparado para executar uma cartilha que Schultz lhe está dando — e ele pode não ser Howard Schultz”.
Schultz diz que Narasimhan “deu sua bênção” a tudo que está no plano de reinvenção e acrescenta que o papel que terá na diretoria a partir de abril será apenas o de um apoiador respeitoso. “Posso lhe garantir uma coisa: só haverá um líder na Starbucks, e será Laxman, não eu.” Com uma fundação familiar de que se ocupar, “estou pronto pra ir embora”.
O fracasso de sua carreira política ainda está muito presente nos seus pensamentos. “Sabe, depois de algo assim, você tem de se olhar no espelho e perguntar: o que aconteceu?”, diz. Se viu alguma falha pessoal no seu reflexo, ele não a menciona. Schultz avalia que simplesmente se lançou cedo demais e foi “idealista demais” ao acreditar que poderia
representar milhões de americanos de centro que se sentiam negligenciados pelos Partidos Republicano e Democrata, que ele vê como escravos de suas alas extremistas. Hoje o empresário apoia moderados nos dois partidos, especialmente Stacey Abrams em sua disputa pelo governo da Geórgia. “Acho que os EUA têm montes de problemas e um verdadeiro vazio de liderança”, afirma.
Alguns desses problemas são visíveis entre os acampamentos de sem-teto e os usuários de fentanil nas ruas de Seattle, onde roubos e agressões físicas violentas têm crescido. Em uma cidade que também abriga empresas tão ricas e poderosas como Amazon, Boeing e Microsoft, pergunto a Schultz que papel as empresas deveriam ter no enfrentamento desses desafios. “O papel das empresas na tentativa de resolver esses problemas é 100%. Mas as empresas não podem resolver esse problema sem legislação, sem que leis sejam aprovadas para permitir que as empresas façam seu trabalho”, responde com firmeza. Schultz diz que tem telefonado para prefeitos de todo o país porque muitos partners da Starbucks lhe disseram que temem por sua segurança. “Não posso resolver esse problema unilateralmente, sem […] que os líderes dessas cidades façam seu trabalho em relação à criminalidade, à doença mental e à população em situação de rua. E a Starbucks não pode ser um banheiro público para os EUA.”
Em julho, a Starbucks fechou 16 lojas, com o argumento de que havia temores quanto à segurança de seus funcionários. Alguns deles tinham votado pela sindicalização. Em uma mensagem aos funcionários, dois executivos listaram as questões que aparecem nos relatórios de incidentes que inundam a sede da empresa, de casos de racismo até uma crise cada vez maior de saúde mental. Os dois disseram que a Starbucks vem treinando os partners para lidar com todo tipo de problema, desde como baixar os ânimos em situações tensas até como responder a um tiroteio, mas fecharia banheiros ou até lojas inteiras se não pudesse manter sua equipe segura.
Schultz recorda uma conversa recente, longe das câmeras, com Jim Cramer, o cáustico apresentador da CNBC. Sabedor de que Schultz considera os Kennedy seus heróis desde que foi levado para ver John F. Kennedy, com sete anos de idade, Cramer perguntou se ele podia imaginar como seriam os EUA se Robert Kennedy, o ex-procurador-geral que foi assassinado durante a campanha eleitoral de 1968, tivesse sido presidente. “Você me diz isso [e] eu posso simplesmente passar horas falando sobre o quão diferente o mundo teria sido”, diz Schultz, inclinando-se sobre a mesa com um brilho mais intenso nos olhos.
O empresário instou Cramer a ouvir um discurso que ele já escutou inúmeras vezes: aquele em que Robert Kennedy fala de “ondas de esperança” ao se dirigir a estudantes sul-africanos, em 1966. É “o melhor discurso que você vai ouvir”, diz Schultz apaixonadamente. “As palavras, ouça as palavras. É simplesmente […] é arrebatador. É arrebatador”, ele repete, extasiado.
Encontro o discurso mais tarde e dois trechos do apelo de Kennedy por um “novo idealismo” se fixam na minha memória. Um é a passagem que Schultz citou como sua inspiração: “Cada vez que um homem se levanta em defesa de um ideal, ou age para melhorar a situação de outros, ou luta contra a injustiça, ele lança uma pequena onda de de esperança.”
E outro é a advertência de Kennedy contra o perigo de acreditar que não há nada que um indivíduo possa fazer sozinho contra “a enorme variedade de males do mundo”. Muitos dos grandes movimentos do mundo, diz Kennedy, “se originaram do trabalho de um único homem”.
Sentimental e cabeça-dura, cheio de sonhos e decidido, Schultz pode não ter salvado os EUA, mas acredita que salvou a Starbucks. Se tudo começasse a balançar, ele poderia ser tentado a voltar? “Não, isso terminou”, insiste ele. “Deixei bem claro, isso acabou para mim.”
(Tradução de Lilian Carmona)
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