Colapso de bancos nos EUA aumenta aversão a risco

Quebra do SVB e fechamento do Signature geram dúvidas para economia e desafia fintechs

O colapso do Silicon Valley Bank (SVB), conhecido como o banco das startups, e o do Signature Bank, com presença no setor de criptomoedas, são um novo revés para as fintechs depois de um ano em que a escalada global das taxas de juros já vinha estreitando as possibilidades de financiamento dessas companhias.

O impacto na economia dos EUA ainda não está claro, mas os episódios são mais um fator na conta de aversão a risco dos investidores e devem reverberar no mundo todo, inclusive no Brasil. A implicação mais evidente, por enquanto, deve ser um volume menor de investimentos em fintechs, e com custo mais alto. Nas últimas semanas, a exchange de criptomoedas FTX, o banco Silvergate, focado em ativos digitais, também foram à lona.

Autoridades americanas agiram rapidamente para evitar risco de contágio, mas os mercados devem abrir nesta segunda-feira com essa preocupação no radar.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, descartou um resgate do SVB pelo governo em entrevista à rede CBS, no domingo. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou na noite de ontem a criação de novo programa para ajudar os bancos que precisam de liquidez para honrar as demandas de depositantes. Segundo o regulador, “o financiamento será disponibilizado por meio da criação de um novo Programa de Financiamento a Prazo Bancário (BTFP), oferecendo empréstimos de até um ano a bancos, associações de poupança, cooperativas de crédito e outras instituições depositárias elegíveis”.

As instituições vão usar títulos do Tesouro dos EUA, dívidas de agências, títulos garantidos por hipotecas e outros ativos qualificados como garantia. Com a inciativa, o BC espera aliviar temores relacionados à capacidade dos bancos menores de honrar os saques.

O tamanho do estrago ficará mais claro nesta segunda-feira, quando o SVB reabrir, agora rebatizado de Deposit Insurance National Bank of Santa Clara, sob intervenção, para começar a pagar os clientes. O SVB, que foi fechado na sexta-feira depois de uma onda de resgates que não conseguiu honrar, tinha forte atuação entre empresas de tecnologia no Vale do Silício, na Califórna. Não era operação pequena. Era o 16º maior banco dos EUA, com US$ 209 bilhões em ativos. Foi a maior quebra no setor desde a crise de 2008.

Um dos problemas do SVB foi o investimento em títulos de longo prazo do Tesouro americano e papéis hipotecários. As perdas nessas operações alimentaram a desconfiança dos clientes, que passaram a fazer saques. Participantes da indústria dizem que o banco não tinha problemas de governança ou compliance.

Com os resgates ultrapassando US$ 42 bilhões, autoridades americanas fecharam o SVB na sexta-feira. A Federal Deposit Insurance Corp (FDIC), espécie de Fundo Garantidor de Créditos dos EUA, disse que os depositantes terão acesso a seus recursos hoje. A agência garante até US$ 250 mil por cliente – dinheiro crucial para muitas startups pagarem contas. Não está claro o que acontecerá com quem tinha mais do que isso no banco.

Antes da intervenção do FDIC, startups brasileiras correram para sacar o dinheiro que tinham no SVB. Quem não tinha relação com o banco tratou de se desvencilhar da crise. Foi o caso do Nubank, que divulgou nota dizendo que “nem a companhia nem nenhuma de suas subsidiárias têm qualquer exposição” ao SVB.

O banco americano tinha entre seus clientes fundos de investimento e venture capital, e suas investidas. A maioria das startups latino-americanas tinha conta lá, ou já foi cliente em algum momento. Antes de a liquidação ser anunciada, a gestora de private equity General Atlantic cogitou colocar dinheiro para salvar o negócio. A firma é muito atuante na América Latina, onde tem participação em nomes como Locaweb, Quinto Andar, Kavak, Neon, Gympass e XP.

Outro segmento atendido pelo SVB eram empresas com foco em criptoativos, metaverso e infraestrutura blockchain, além de companhias nascentes do segmento de ativos digitais. Uma delas é a Circle, emissora da “stablecoin” USDC, a segunda maior do mundo. Já na sexta, a Circle informou que mantinha US$ 3,3 bilhões de um total de US$ 40 bilhões das reservas para garantir a paridade da moeda no SVB. A informação levou a uma corrida para saques que fez a USDC perder a paridade com o dólar. No sábado, o USDC chegou a uma mínima de US$ 0,87.

Entre os fundos de venture capital com recursos no banco, estão Blockchain Capital, Castle Island Ventures, Dragonfly e Pantera, segundo o CoinDesk. Também teriam depósitos no SVB Andreessen Horowitz e Sequoia Capital, dois dos maiores gestores do segmento.

O SVB não fazia parte diretamente do ecossistema de criptoativos como o Silvergate, que servia de rampa de acesso de recursos do setor financeiro até empresas de ativos digitais e que optou voluntariamente por encerrar sua operação. Os dois sofreram em meio à desaceleração das startups de tecnologia e criptomoedas com a alta dos juros nos EUA.

A intervenção no SVB chamou a atenção para o Signature Bank, antigo parceiro da Binance nos EUA. As ações do Signature caíram 22,9% na sexta, e o banco acabou fechado no domingo.

Para Caio Caputo, sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, apesar de não estar diretamente ligada à indústria de criptoativos, a quebra do SVB deve ter impacto no segmento por meio dos fundos de venture capital. “Há uma expectativa de que isso impacte o mercado e os investidores em ativos digitais, já que muitos dos fundos de venture capital e investidores em projetos cripto, bem como suas investidas, têm dinheiro custodiado no SVB”, disse.

Aparentemente, das fintechs brasileiras que tentaram sacar dinheiro do banco, boa parte conseguiu. “Todo mundo sacou. Pessoal de um grande banco e de uma corretora disse que recebeu um monte de dinheiro, no caso dessa corretora foram mais de 30 transferências”, disse um gestor de venture.

O presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), Piero Minardi, também confirma relatos desses saques. “Tem várias empresas fazendo isso. O que eu sei até agora é que o pessoal tem conseguido sacar. Não ouvi de ninguém que não tenha”, afirmou na tarde de sexta.

“As fintechs mais afetadas são as investidas por fundos de venture dos EUA”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Diego Perez. “Mas mesmo investidores brasileiros recomendaram que suas investidas, com conta no SVB transferissem o recurso imediatamente.”

Renato Aoki, diretor de operações bancárias da Remessa Online, disse que desde quinta-feira tinha reforçado a equipe para atender a demanda das startups brasileiras querendo tirar dinheiro do SVB. Segundo ele, provavelmente há empresas que não conseguiram sacar, mas a maioria deve ficar dentro da cobertura da FDIC.

Na Trace Finance, o cofundador e CEO Bernardo Brites disse ter ajudado de 50 a 100 startups a tirar mais de US$ 100 milhões do SVB. A fintech, que atua com remessas internacionais, se prepara para lançar conta global voltada a startups latinas nos EUA. Participantes do setor afirmaram que, entre as startups americanas que tiraram dinheiro do SVB, muitas foram para o Brex, fintech criada pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi.

Gustavo Gierun, CEO da plataforma de inovação Distrito, afirmou que os valores acima da cobertura da FDIC podem ser significativos e, dependendo da demora para ser ressarcidas, algumas startups brasileiras podem enfrentar problemas. “Já há algum tempo as startups estão tentando preservar caixa. Estão revendo projeções, reajustando estruturas, cortando despesas, demitindo”, disse. “Quem está mais exposto a capital de risco, alavancado e não tem um modelo rentável, pode acabar tendo problema de liquidez”.

Por Álvaro Campos e Toni Sciarretta

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