Cenário piora e mercado adota viés negativo para ativos

Em meio a aumento das incertezas e escalada dos juros, risco-país alcança maior nível do ano
Pontos-chave
  • Gestores indicam uma posição mais defensiva

  • Temor é de uma guinada populista e perda da credibilidade fiscal

Empresas citadas na reportagem:

Os cenários mais negativos que se desenhavam em relação às perspectivas para a política fiscal têm se concretizado e consolidado no mercado uma visão bem mais pessimista quanto aos rumos da economia brasileira. Diversas instituições financeiras passaram a falar abertamente sobre a possibilidade de recessão no próximo ano, diante da escalada da taxa de juros e do aumento das incertezas, criando um ambiente ainda mais desafiador para os ativos brasileiros.

A escalada do risco-país nas últimas semanas ajuda a dar uma dimensão do aumento do pessimismo no mercado financeiro. Na semana passada, o spread do contrato de cinco anos do “credit default swap” (CDS) ultrapassou os 250 pontos-base, atingindo o maior patamar do ano. O CDS é uma espécie de seguro contra possíveis calotes e, quanto mais elevada sua taxa, maior o ceticismo dos investidores – o contrato serve como um parâmetro para o risco representado por um país. Desde o início de outubro, o CDS do Brasil acumula alta de 16%, enquanto o do México recua 1%, o da Colômbia cede 4% e o da África do Sul cai 6%.

“Nossa avaliação é de que esse movimento de reprecificação do risco Brasil ainda está em curso e seguimos posicionados defensivamente no país”, observam os gestores da Ibiuna Investimentos. Em carta a clientes, a casa revela que os temores acerca de uma potencial guinada populista na política econômica se materializaram no mês passado. “A área política do governo parece ter resolvido conduzir em tempo real um experimento macroeconômico mais típico de laboratório: o que acontece a um país com trajetória de alta em seu endividamento público ao abandonar sua grande âncora de credibilidade fiscal?”, questiona.

A resposta, na avaliação dos gestores da Ibiuna, não é uma grande surpresa diante da desancoragem das expectativas de inflação de médio prazo e da alta generalizada nos prêmios de risco. Assim, para os gestores da casa, o esperado é que o Banco Central reaja e reforce a única âncora que restou ao sistema, que é a política monetária. Como consequência, o aperto das condições financeiras deve gerar “uma significativa desaceleração ou possível contração do crescimento econômico”.

A chance de uma recessão econômica em 2022 ganhou força e, no mercado, algumas instituições já trabalham com uma contração no PIB como cenário-base. É o caso da Legacy Capital, que projeta uma retração de 0,5% no próximo ano diante da combinação de baixo investimento e desemprego em níveis elevados. A gestora projeta o IPCA em 9,7% no fim deste ano e em 6,1% em 2022, prevê a Selic em 12% no fim do ciclo e avalia que os juros reais mais altos e a perspectiva de recessão em 2022 farão com que a dinâmica da dívida à frente “volte a se tornar preocupante”.

Em meio a esse contexto, a Legacy seguiu com posições direcionais reduzidas em ativos brasileiros. A gestora mantém a posição duplamente vendida – aposta na queda – em bolsa e dólar, e aponta que a perspectiva de recessão em 2022 e de juros ainda mais altos torna a posição “ainda mais atrativa”, já que as taxas mais elevadas reduzem o valor presente líquido do fluxo de caixa das empresas e aceleram o deslocamento de recursos dos ativos de renda variável para a renda fixa. “O ciclo será mais longo que o previsto até pouco tempo, o que favorece a perspectiva de bom desempenho [da posição] à frente.”

As surpresas constantes na inflação corrente e a piora do quadro fiscal também levaram a Porto Seguro Investimentos a apostar em juros mais altos. “A pergunta relevante neste momento de desancoragem das expectativas é: qual o patamar da taxa básica de juros que promoveria a convergência da inflação para o centro da meta nos próximos anos?”, indaga o economista-chefe da casa, José Pena.

Ao fazer um exercício com a Regra de Taylor – que especifica uma função de reação para ajudar o Banco Central a determinar a taxa de juros -, o economista observa que, diante da crescente elevação das expectativas inflacionárias de 2022, a regra prescreveria uma Selic de quase 20% no curto prazo. “Essa estratégia, porém, provavelmente traria mais prejuízos do que benefícios. A alta dosagem de juros certamente produziria uma forte contração da atividade, com reflexos bastante nocivos sobre o desempenho das contas públicas”, afirma Pena.

Nesse ambiente, o economista acredita que o risco-país aumentaria ainda mais e se traduziria em um câmbio mais depreciado, o que elevaria as pressões inflacionárias. Assim, na avaliação da Porto Seguro, uma Selic ao redor de 12,5% “é plausível e recomendável nas atuais circunstâncias” e levaria a inflação de 2023 para a meta. Mesmo com uma projeção de Selic a 12%, o cenário da Porto Seguro contempla impactos na atividade econômica dos juros mais altos e do aperto nas condições financeiras. A gestora cortou a projeção para o crescimento do PIB de 2022 de 0,6% para zero e passou a esperar que o dólar fique em R$ 5,70 no fim deste ano e de 2022.

Os gestores da Genoa Capital também revelam que seguem com posições pessimistas em Brasil – liquidamente vendidos em renda variável e comprados em dólar contra o real. No mercado de juros, a Genoa apostou na alta dos juros nominais em outubro, mas zerou a exposição no fim do mês passado e, no momento, tem adotado apenas posições táticas. “Os riscos fiscais seguem presentes e criam um ambiente de elevada incerteza”, diz a Genoa em relatório, para quem a decisão do Copom de acelerar o ritmo de elevação da Selic para 1,50 ponto foi “acertada” diante da magnitude do desvio das expectativas inflacionárias em relação à meta.

“As consequências do aperto monetário adicional serão sentidas nas expectativas de crescimento para 2022. Em nosso caso, já revisamos o cenário-base para ligeira contração do PIB em 2022.” A Genoa espera recuo de 0,5% no PIB do próximo ano e Selic em 11,75% no fim do ciclo.

Há, ainda, um consenso do mercado de que, mesmo com a Selic em níveis bem mais altos do que o esperado, os riscos fiscais devem limitar o espaço para apreciação do câmbio, já que o contexto também abarca condições globais potencialmente menos favoráveis, como destaca a equipe de economistas do Santander, comandada por Ana Paula Vescovi.

“A persistência das pressões inflacionárias globais eleva as chances de um cenário com menor nível de estímulos [monetários] em algumas das principais economias avançadas”, dizem os economistas do Santander. Em revisão de cenário publicada na semana passada, o banco elevou a projeção para o dólar de R$ 5,35 para R$ 5,50 no fim deste ano e de R$ 5,55 a R$ 5,70 no fim de 2022, na esteira das mudanças no quadro fiscal. Para o Santander, a taxa básica mais alta – em 11,5% no fim do ciclo, nas projeções do banco – atenua, mas não consegue neutralizar completamente a pressão altista do dólar no mercado de câmbio local. Assim, “nossas projeções para a taxa de câmbio podem estar sujeitas a mais uma rodada de revisões altistas em um futuro próximo, a depender das sinalizações de política fiscal e do ambiente político”.

Com esse mesmo contexto em mãos, os economistas do Bradesco afirmam que as principais consequências, no curto prazo, da mudança na regra fiscal são o aumento da incerteza e a piora das condições financeiras, com depreciação do câmbio, queda da bolsa e abertura das curvas de juros, o que deve ter impactos negativos nas perspectivas para crescimento e inflação.

“O câmbio deve continuar incorporando o risco fiscal e as incertezas sobre a política econômica dos próximos anos. Ainda que as commodities no mercado internacional continuem dando suporte aos termos de troca brasileiros e mesmo diante da expectativa de maior aperto monetário por parte do Banco Central, a moeda brasileira deverá se manter depreciada neste ano e no próximo”, dizem os economistas do Bradesco.

O Bradesco espera que o dólar termine este ano em R$ 5,50 e que encerre 2022 em R$ 5,70. E, com a pressão do câmbio e a persistência da inflação corrente somadas, o banco passou a esperar que o IPCA encerre este ano em 9,4% e 2022 em 4,5%, em um cenário que demandará juros mais elevados. “Prevemos, agora, que os juros encerrem este ano em 9,25% e 2022 em 10,25% – atingindo, porém, o pico de 11,75% no primeiro trimestre do ano que vem. Os riscos seguem assimétricos para cima, mas nada nos parece suficiente para justificar uma aceleração do passo no aperto monetário”, diz.

Para os economistas do banco, o aumento da Selic e a deterioração das condições financeiras devem afetar, em especial, as atividades ligadas ao ciclo econômico, mas setores como indústria extrativa e agronegócio devem compensar parte da perda de dinamismo do restante da economia. Assim, o Bradesco cortou sua projeção para o PIB de 2022 de 1,6% para 0,75%.

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