Caso Americanas dá munição a processo e Alberto Safra obtém vitória na Justiça em disputa com irmãos
O litígio entre os irmãos Safra ganhou um novo capítulo com uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo para que os conselheiros André Franco de Moraes e Ricardo Cholbi Tepedino, indicados por Alberto Safra, tenham acesso a informações financeiras detalhadas do banco da família. O juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi concedeu liminar ontem e deu cinco dias úteis para o banco fornecer os dados. Ele também levantou o sigilo da ação.
Segundo a petição inicial, datada em 3 de fevereiro, os representantes do segundo filho de Joseph Safra, morto em 2020, alegam que não têm tido acesso a informações como a exposição de crédito do Banco Safra. Nos últimos 14 meses, enquanto observaram a carteira de crédito crescer rapidamente e viram a inadimplência crescer, teriam pedido reiteradamente um detalhamento e foram ignorados pela administração do grupo.
O caso Americanas deu munição para o processo, com informações na imprensa sobre a exposição do Banco Safra à varejista, que revelou em janeiro inconsistências contábeis bilionárias e entrou com pedido de recuperação judicial. O Safra tem um valor a receber de cerca de R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 15% do seu patrimônio líquido. “Sob qualquer ângulo de análise, não se tem dúvida em afirmar que um nível tão elevado de concentração de risco em um único devedor, envolvendo valor tão elevado em relação ao patrimônio líquido, jamais poderia ocorrer sem qualquer conhecimento do conselho de administração”, escrevem na petição.
Os conselheiros alegam que só ficaram sabendo do tamanho da exposição do Safra por meio da imprensa. “O conselho de administração não tinha absolutamente nenhuma informação anterior a respeito das operações com a Americanas S.A. (nem com ninguém mais, não custa lembrar), apesar dos insistentes pedidos anteriores dos requerentes a respeito da matéria e de envolverem elevadíssimo risco, em virtude de seu valor desproporcionalmente alto em relação ao patrimônio líquido do banco”, afirmam Moraes e Tepedino na ação.
Eles comparam ainda a exposição relativa de outras instituições financeiras à varejista, com Bradesco, Itaú e Santander com fatias equivalentes a 2,87%, 1,74% e 4,43%, respectivamente.
Segundo os conselheiros, só em 18 de janeiro, o presidente do conselho de administração convocou reunião para supostamente falar a respeito da matéria. Na mesma convocação, foi informado que David Safra, irmão caçula de Alberto, havia renunciado ao cargo de conselheiro. David e os irmãos não exerciam funções executivas no banco. “Chamou atenção o fato de que, juntamente com essa convocação, veio a informação de que o conselheiro David Safra, havido como comandante da administração do banco, havia renunciado ao cargo”, diz a petição.
Na ação, Franco e Tepedino observam, ainda, que ao longo de todo o período em que exerceram suas funções de conselheiro, David não compareceu a nenhuma reunião do conselho.
Além de Americanas, o Safra teria exposição elevada a outras nove empresas, segundo a ação, e os conselheiros dizem que não conseguem saber quais são. Para ilustrar o caso, comentam que, em 12 meses até setembro de 2022, os dez maiores créditos do banco passaram de R$ 16,9 bilhões para R$ 28,8 bilhões. A carteira total do banco, por sua vez, teve uma expansão de 55% desde 2019, chegando a R$ 166 bilhões. O índice de Basileia, medida de capital bancário, caiu de 14,4% para 13% entre 2018 e 2022. A expansão levou a um aumento da inadimplência de 0,5% para 0,8% e a rentabilidade sobre o patrimônio passou de 20,3% para 14,9% nesse mesmo intervalo.
Os conselheiros também argumentam que o plano de capital do banco aprovado anteriormente pelo colegiado e entregue ao Banco Central (BC) foi violado. A previsão era que a carteira poderia crescer 9,6% em 2022, um incremento de R$ 14,8 bilhões em 12 meses. Contudo, somente nos segundo e terceiro trimestres o aumento foi de R$ 22 bilhões, alta de 14%.
O Valor já noticiou que o Safra fez um aumento de capital de R$ 7,4 bilhões em novembro — antes, portanto, de o caso Americanas estourar e de o banco anunciar a compra do Alfa. Do lado de Alberto Safra, há desconfiança se a expansão acelerada do crédito e a capitalização subsequente teriam como intuito diluir a participação do herdeiro no banco da família.
Como acionista, Alberto Safra conseguiu convocar assembleia e nomear dois conselheiros, com Tepedino substituindo o advogado Mauro Guizeline, em novembro. Moraes, ex-diretor do Citi e do BankBoston está no posto há 14 meses. O conselho de administração como um todo tem oito integrantes, todos indicados pela família. Mesmo sendo uma companhia de capital fechado, por ser um banco a legislação determina a existência de um colegiado para assegurar a sustentabilidade de um negócio ligado à economia pública e ao sistema financeiro nacional.
Alberto Safra tem travado uma série de disputas jurídicas contra a família. Nos Estados Unidos, moveu uma ação em que pede os prontuários médicos de Joseph Safra sob alegação que um planejamento sucessório já acertado anteriormente foi modificado quando o patriarca já estava em condições debilitadas de saúde. Em outro processo, mais recente, ele aciona a mãe Vicky e os irmãos Jacob e David por “atos de improbidade corporativa” que teriam levado à diluição de participação dele no Safra National Bank of New York, a holding que controla o Safra National Bank, que tem sede na Quinta Avenida e reúne mais de US$ 9 bilhões em ativos.
Em nota, o Banco Safra respondeu ser “uma instituição absolutamente ética, que adota as melhores práticas de governança do mercado. Essa ação é movida por dois conselheiros indicados por um acionista dissidente. O Banco Safra refuta todas as alegações e apresentará manifestação em juízo”.
Procurados, Tepedino e Franco responderam, por meio de nota, que “diante da reiterada recusa por parte da direção do Banco Safra em fornecer mínimas informações para que os conselheiros de administração Ricardo Tepedino e André Franco pudessem cumprir seus deveres fiduciários perante este último, ingressaram com ação judicial para assegurar este acesso. Seguirão com firmeza na defesa dos interesses da instituição”. Alberto Safra não se pronunciou.
Por Adriana Cotias e Talita Moreira
Leia a seguir