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Meta fiscal, eleições nos EUA e até bets: o que explica maior valor do dólar em quatro anos?
O valor do dólar hoje frente ao real chega ao pior patamar para o câmbio em mais de quatro anos. Desde maio de 2020, em plena pandemia da covid-19, a moeda americana não atingia a valorização de R$ 5,86, que por sua vez foi ultrapassada no pregão desta sexta-feira (01).
A valorização do dólar está, principalmente, ligada a dois fatores. Isso segundo analistas e gestores ouvidos pela Inteligência Financeira.
O primeiro e que mais vem pesando sobre o valor do câmbio é a desconfiança do mercado sobre o cumprimento da meta fiscal. Além disso, há redução do fluxo financeiro no Brasil e queda em saldo comercial. O segundo é o famoso Trump trade.
Choque entre mercado e governo leva dólar à máxima
A relação entre mercado financeiro e governo está abalada. Os economistas e agentes não acreditam que o governo conseguirá cumprir a meta fiscal de déficit zero para 2025 se não entregar medidas de corte de despesas ao invés de focar na arrecadação extraordinária.
Mas o mercado compra o choque com o governo porque cedeu um voto de confiança para o cumprimento da meta até o fim deste ano, na visão do gestor da MAG Investimentos, Sérgio Machado.
Até agora, a trajetória da dívida vem piorando para economistas consultados pelo Boletim Focus, do Banco Central. Em 2024, o consenso é de déficit primário de 0,60% do PIB, enquanto o teto da meta do ministério da Fazenda é 0,25% negativo.
Para o ano seguinte, a projeção piora: resultado primário negativo de 0,70% do PIB.
“O mercado estava dando voto de confiança pro governo”, comenta Machado, que gere um fundo de dólar de curto prazo. “Mas tinha data certa: até o final deste ano. Os números não pioraram tanto, mas o estresse está pior porque o prazo está chegando”, diz ele sobre a alta no valor do dólar
Também é o choque entre mercado e governo que impacta mais no dólar do que outros fatores, diz André Leite, CIO da TAG Investimentos.
Ao comparar outros mercados emergentes afetados pelas eleições dos Estados Unidos, o gestor explica que o Brasil se descolou. “Estamos pior. Temos nossas misérias fiscais que influenciam mais”, diz Leite.
O peso mexicano, frequentemente comparado com o real entre emergentes, teve queda de 3,20% contra o dólar nos últimos 30 dias. O câmbio no Brasil registrou queda de valor de 7,44% no mesmo período. Os dados são do Valor Pro.
Eleições nos EUA são gatilho para disparada do dólar
O aumento de chances de vitória do candidato do partido Republicano e ex-presidente, Donald Trump, nas eleições para a presidência dos Estados Unidos levam o dólar a se fortalecer. Não apenas contra o real, mas contra moedas de todo o mundo.
A volatilidade em divisas contra o dólar ficou conhecida como Trump Trade.
Como o Brasil está na cesta de emergentes, os investidores adotam posturas contra o risco de investir em países de economias e moedas mais frágeis, aponta Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank.
“Eleições nos EUA traz volatilidade para o mercado financeiro e gera aversão a risco. A forma de proteção é via o ativo mais seguro, que é o dólar.”
Assim, o BTG Pactual revisou a previsão para uma alta ainda maior do dólar contra moedas de economias importantes no mundo em 2024, medida pelo índice DXY. Em relatório, o banco diz que a política tarifária sob Trump favorece o dólar.
O BTG também revisou a projeção para o valor do câmbio: de R$ 5,30 para R$ 5,50 até o final de 2024.
Alexandre Viotto, chefe da mesa de câmbio da EQI, concorda.
“Um eventual governo Trump tende a ser mais restritivo a importações. O plano prevê um aumento de 20% em média nas taxas para produtos estrangeiros e 60% para os trazidos da China. Isto tende a encarecer o custo das mercadorias para o consumidor final, gerando inflação.”
A consequência da inflação mais alta é a política de juros mais restritiva. O banco central dos Estados Unidos, segundo Viotto, pode “ficar sem margem para reduzir os juros”.
BC ‘ausente’ e fluxo de câmbio piorado por bets
Para Machado, o Banco Central interrompeu comunicações sobre juros e câmbio, o que deixa investidores ainda mais inquietos. E isso interfere no valor do dólar.
“Cada dia que o mercado se estressa, temos uma ausência do Banco Central”, diz o gestor ao se referir a medidas de venda de dólar que podem ser adotadas pela autarquia. Isso inclui contratos de venda de moeda e de swap cambial. “Tem um processo de estresse retroalimentado: mercado inseguro, governo protela e BC se mostra ausente tanto na taxa de juros quanto no câmbio”, complementa o gestor da MAG Investimentos.
Gestores ainda comentam que o fluxo cambial do Brasil em 2024, negativo em US$ 45,8 bilhões, sofre com a febre das bets.
“Está tendo bastante saída”, diz Leite, da TAG Investimentos.
“As bets jogam dinheiro para fora. Além disso, as stablecoins e criptomoedas também contribuem para a vazão do dinheiro. Então existe uma deterioração da nossa conta corrente”, conclui.
Segundo dados do Banco Central, brasileiros transferiram R$ 20 bilhões para sites de apostas esportivas em setembro. Sérgio Machado lembra que a quantia não pode ser desconsiderada quando se analisa o fluxo cambial do país.
Para onde vai o valor do dólar?
Por fim, analistas divergem sobre o futuro do valor do dólar.
Quartaroli, do Ouribank, lembra que o Boletim Focus espera uma taxa de câmbio terminal em 2024 de R$ 5,50, mesma projeção do BTG.
A economista diz que o fim das eleições americanas deve contribuir para uma valorização do câmbio, com o fim da especulação mais acentuada sobre o dólar.
Mas o chefe de mesa de câmbio da EQI discorda. Para Viotti, o valor do dólar deve seguir em alta “até que aconteça alguma novidade no fiscal”.
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