Bradesco (BBDC4) reformula varejo e vê melhora no segundo semestre
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Depois de um 2022 com resultados fracos, o Bradesco (BBDC3; BBDC4) começa a adotar uma série de iniciativas para reformular a área de varejo, castigada pela inflação e pela alta da inadimplência. As mudanças vão desde o modelo de atendimento aos clientes até uma reviravolta na estratégia digital.
O foco numa clientela ampla, que começa na baixa renda e nos rincões do país, se mantém, apesar da conjuntura macroeconômica desfavorável a esse perfil. “Somos a cara do Brasil e não vamos mudar esse posicionamento”, afirma Marcelo Noronha, que assumiu a vice-presidência de varejo no começo deste ano. O executivo, com quase 20 anos de casa, trocou de lugar com Eurico Fabri, que foi para o atacado, no rodízio que o banco da Cidade de Deus costuma promover.
Na primeira entrevista no novo cargo, Noronha diz ao Valor que o Bradesco passa por uma revisão de processos para proporcionar aos clientes uma experiência mais “fluida”, seja no ambiente físico, seja no digital, mas com um “custo de servir” adequado. O objetivo é que a operação continue crescendo, mas de forma rentável e eficiente. A expectativa, segundo ele, é que a base de correntistas – hoje com 30 milhões de contas – aumente 5% neste ano.
O desafio é relevante, dado que o Bradesco gerou um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) de apenas 13,1% no ano passado e o varejo é parte crucial da operação.
A ideia é que haja uma integração cada vez maior entre os mundos físico e digital, já que as transações migraram para o “mobile” (esse canal cresceu 466% desde o início da pandemia). Não há uma reinvenção da roda. O banco deve acelerar a transição das agências por unidades de negócios, estruturas sem caixa voltadas ao assessoramento de clientes e à oferta de produtos.
Esse processo já está em curso há alguns anos, e em 2023 devem ser fechadas cerca de 300 agências. Parte será incorporada por outras na mesma região geográfica, parte será convertida em unidades de negócio, estratégia que também é adotada pelos principais concorrentes.
O Bradesco tem atualmente 2.864 agências e 4.421 postos de atendimento (incluindo unidades de negócio), o que constitui a maior rede bancária do país. Segundo Noronha, em 1,6 mil municípios, é o único banco presente.
Mesmo com a digitalização, não há planos de reduzir essa capilaridade agora. Ao contrário, o banco aposta em novas frentes de expansão da rede física, mas por caminhos alternativos.
Um deles é o Bradesco Expresso, operação oriunda do antigo Banco Postal, que passou a ser vista como estratégica nos últimos anos. Trata-se de uma rede de correspondentes bancários que já soma 40,4 mil pontos. Nela, os parceiros – em geral, pequenos lojistas – recebem treinamento e um tablet para oferecer uma série de transações e produtos do banco, como cartões, empréstimos e abertura de conta.
Antes voltado a pagamentos de contas e serviços mais simples, o modelo evoluiu e se tornou importante para atender um público de renda mais baixa e em regiões mais distantes, e hoje já é responsável por cerca de um terço das aberturas de conta no segmento de varejo do Bradesco.
De acordo com Noronha, a ideia é que o Bradesco Expresso alcance 46 mil pontos de venda até o fim deste ano.
A outra frente de expansão da rede se dará com a criação de postos para atender empresas de pequeno porte, com faturamento anual de R$ 3 milhões a R$ 50 milhões, que ficam sob a alçada do varejo. O plano é terminar o ano com 73 unidades dessas, chegando a 100 mil grupos econômicos.
De acordo com Noronha, o objetivo é dar um tratamento mais direcionado a esse público, que até agora era atendido junto com os clientes pessoa física, sem muita especialização. “Ao tirar do gerente da agência esse atendimento de pessoa jurídica, ele fica mais livre para atender melhor a pessoa física. E, ao mesmo tempo, esse gerente especial de PJ presta um atendimento mais especializado. Tudo isso ajuda a fidelizar e rentabilizar melhor o cliente, gerando mais eficiência”, diz.
Os canais digitais também passam por uma revisão significativa. Para os clientes que dispensam os canais físicos, mas não querem ser atendidos por robôs, o Bradesco está montando “hubs” com gerentes que atuam remotamente. Já existem quatro e a meta é criar mais sete até o fim do ano.
A principal mudança, porém, se dará no next, banco digital criado pelo Bradesco em 2017. O plano de torná-lo uma operação apartada, com vida própria, ficou para trás em meio à grande concorrência que se estabeleceu nesse setor e à revisão dos “valuations” das fintechs. “Não faz mais sentido”, diz Noronha.
O Bradesco chegou a planejar o IPO (oferta inicial de ações) ou a venda de parte do next. O banco digital chegou a ser cindido em uma nova empresa em 2020, embora tenha continuado a usar a estrutura e a licença bancária do controlador. Agora, a busca é por uma integração maior. A partir de setembro, o banco digital deve adicionar quase 150 produtos à sua prateleira, incluindo mais produtos de investimento da corretora do grupo, a Ágora.
O next será um segmento do Bradesco para clientes mais jovens e puramente digitais. “O next tem quase 5 milhões de clientes ativos, que gostam dessa experiência digital, e queremos preservar isso. O desafio lá era a rentabilização da base. Com ele dentro do Bradesco, usando a sinergia do backoffice, ganhamos mais eficiência. Ao mesmo tempo, nossos algoritmos podem identificar alguns clientes do Bradesco e oferecer a experiência do next para ele”, diz.
Apesar disso, a instituição financeira ainda manterá o Digio, um banco digital popular, como operação com vida própria. Depois de comprar a parte do Banco do Brasil (BB), em 2021, o Bradesco vem fazendo mudanças no negócio, que inicialmente era voltado apenas a cartões. Desde então, crédito pessoal e outros produtos passaram a ser oferecidos.
Os clientes da carteira digital Bitz, que era uma terceira aposta do Bradesco e será descontinuada, estão sendo convidados a migrar para o Digio. As duas operações vão se unir em junho. Assim, o Digio passará a ser o banco digital do Bradesco da porta para fora e com foco num público menos bancarizado. Com uma prateleira de produtos mais completa, a expectativa é que a operação deve ajudar a rentabilizar melhor essa base.
A revisão no varejo também atinge o Prime, segmento de alta renda do Bradesco, que conta com cerca de mil pontos de atendimento e 1,5 milhão de clientes. É nessa faixa que tem se dado boa parte da competição entre os bancos nos últimos anos. Uma das apostas, afirma Noronha, é oferecer um serviço mais especializado ao topo desse público, aqueles que têm pelo menos R$ 1 milhão investido, ampliando esse atendimento.
Também está prevista a ampliação da equipe de assessores de investimento que atendem esses clientes. Atualmente são 1,4 mil assessores e o banco deve contratar mais 600.
O Bradesco prevê ainda o lançamento, no segundo semestre, de um marketplace, movimento já feito por outros bancos. Noronha diz que a instituição está trabalhando nas parcerias com varejistas e indústria. Segundo ele, a operação pode ter algum ponto de contato com o marketplace da Livelo, companhia de fidelidade controlada em conjunto com o BB.
“Além do marketplace em si, o volume potencial de informação que isso traz para a gente é muito grande”, afirma.
A reformulação do varejo, segundo o executivo, não contempla um enxugamento do quadro de funcionários. Noronha afirma, porém, que há uma rotatividade “natural” num banco com 88,4 mil pessoas.
“Estamos promovendo uma evolução no modelo de atendimento. Mesmo com a incorporação de algumas agências, estamos abrindo outras. Devemos terminar o ano com cerca de 7 mil pontos de atendimento”, diz. “Vamos passar por um processo de transformação, levando em conta a lógica econômica, sem descuidar da experiência do cliente.”
Nos últimos trimestres, o Bradesco sentiu mais que os rivais a alta da inadimplência, e analistas apontam que um dos motivos é que a maior exposição do banco a clientes de baixa renda, que sofreram com a inflação. Noronha reconhece o cenário, mas diz que é possível trabalhar de maneira rentável com essa clientela.
“Tem 1,6 mil municípios onde o Bradesco é o único banco. O desafio é saber ganhar dinheiro com esse público, que é emergente e em uma economia mais fraca sofre um pouco mais. Porém, depois que a economia começa a retomar, a gente sente a pujança disso aqui”, diz.
Na visão do executivo, a inadimplência de pessoas físicas e empresas ainda pode subir nos próximos meses, mas deve se estabilizar na metade do ano. Com isso, o segundo semestre tende a ser melhor.
Na divulgação dos resultados do quarto trimestre, o CEO do Bradesco, Octavio de Lazari Jr.., fez um “mea culpa”, afirmando que talvez o banco devesse ter restringido as políticas de crédito e o apetite de risco nas carteiras de varejo mais cedo em 2022. Noronha corrobora essa visão, mas diz que o banco sabe trabalhar com o público de renda mais baixa. Nos últimos meses, segundo ele, a instituição apertou mais as concessões. “Temos sido mais conservadores, assim como o mercado como um todo, mas não deixamos de atuar. Isso é parte natural do ciclo. A enorme maioria dos clientes é adimplente.”
Por Álvaro Campos e Talita Moreira
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