‘Bradesco sempre foi um banco comprador’, diz Octavio de Lazari Jr.

Depois de anunciar duas aquisições na semana passada, banco não descarta ir às compras novamente, segundo o CEO

Empresas citadas na reportagem:

O Bradesco surpreendeu ao anunciar duas aquisições na semana passada. Uma delas foi uma instituição financeira no México, que servirá de base para criar um banco digital em complemento à operação de cartões de crédito que tem no país. A outra foi o controle da BV DTVM, que resultará na criação de uma nova asset com o BV. Mas os planos não param por aí. O segundo maior banco privado do país está de olho em outras oportunidades. Mais especificamente, em empresas de tecnologia que o ajudem a usar dados de forma eficiente e em corretoras. “Todos esses ativos sofreram uma reprecificação e estão muito mais atrativos”, afirma o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., em entrevista ao Valor.

Essa reprecificação é fruto do aperto monetário promovido pelos bancos centrais para debelar a inflação, tema que mais preocupa o executivo agora. Para ele, conviver com esse nível de inflação e juros é “catastrófico” para a economia e para as pessoas. Sem clareza do que virá pela frente, Lazari diz que 2023 é uma incógnita e, na dúvida, os bancos já começam a desacelerar a oferta de crédito.

Valor: O Bradesco anunciou duas aquisições. Uma para montar um banco digital no México e outra para criar uma asset com o BV. Qual o objetivo dessas operações?

Octavio de Lazari Jr.: O Bradesco sempre foi um banco comprador. A gente está sempre olhando o mercado. O primeiro caso, da sofipo [sociedade financeira popular] que a gente comprou no México [a Ictineo Plataforma], foi por conta de uma curva de aprendizado que a gente teve lá. Quando assumimos o ibi, há mais de 12 anos, veio junto uma operação de cartão de crédito, que atendia nas lojas da C&A. Isso foi evoluindo, fizemos parcerias com varejistas importantes. Vamos fechar o ano com mais de 750 lojas. Aí a gente olhou as oportunidades. Hoje com 3 milhões de cartões e um faturamento de R$ 2 bilhões, entendemos que seria bom ter um banco digital e operar produtos que não temos [lá], conta corrente, seguros, crédito pessoal consignado… É mais uma vertical que para fortalecer as linhas de negócio do banco.

Valor: É o mesmo que o banco pretende fazer no BAC Flórida?

Lazari: No BAC, a gente basicamente vai operar com brasileiros que querem ter conta em dólar e com clientes que estejam nos Estados Unidos. Mas a ideia do BAC não é ser banco de varejo, diferentemente do que vamos fazer no México. Nos EUA, é mais para atender wealth management.

Valor: O senhor pretende ter banco digital em outros países ou foi um movimento pontual?

Lazari: Não, foi pontual no México. Já estava no nosso radar. Mas expandir nossos negócios para outros países da América Latina, não. Não existe nenhuma estratégia nesse sentido.

Valor: Na outra operação anunciada, o banco vai criar uma nova gestora com o BV. Por que fazer isso já tendo a Bram?

Lazari: A Bram é muito estruturada, uma das cinco maiores do mercado. Foi reforçada com a vinda do Bruno Funchal como CEO, o Philipe Biolchini é o CIO, o Ricardo Eleutério, que já estava lá. Mas o mercado cresceu muito, dada a diversidade de produtos de investimento que se tem hoje. Vamos continuar expandindo a Bram. Mas surgiu a oportunidade de fazer negócio com pessoas sérias, a família Ermírio de Moraes, o Banco do Brasil, e é uma asset bem estruturada, a oitava colocada. Nos pareceu uma boa oportunidade de ter outra asset. Não precisamos ter só a Bram. Elas serão sempre independentes, cada qual com sua estratégia, e vão disputar mercado com outras assets e entre si. É mais uma vertical que abrimos para essa gama de investidores que procura novos investimentos, que saiu dos fundos tradicionais, dos CDBs.

Valor: O objetivo é atender outro perfil de investidor?

Lazari: Elas [as assets] não são exatamente complementares, vão disputar um mercado que está recheado, vão buscar clientes no mar aberto. O que queremos é aumentar os ativos sob gestão nas duas. A BV tem um perfil de ativos mais alternativos, wealth management, produtos mais estruturados. Mas a Bram tem que entrar nesse mercado e disputar os mesmos clientes.

Valor: É a mesma estratégia que o Bradesco adota para os bancos digitais de ter vários cavalos na mesma corrida?

Lazari: É um pouco disso. As pessoas buscam a variedade dos investimentos, dos bancos digitais, é importante que a gente tenha alternativas. O importante é trazer para dentro da corporação Bradesco, independentemente dos canais pelos quais eles entrem, e ter a principalidade do cliente.

Valor: O senhor falou antes que havia chance de unir as três operações de banco digital: next, Digio, bitz. Esse plano ficou para trás?

Lazari: Sim. Com a reprecificação dos ativos, vamos continuar apostando em todas essas iniciativas digitais e cuidar para que tenham independência do Bradesco, coisa que praticamente já acontece. Na hora em que você soma quantos clientes tem cada, são 13 milhões do next, quase 5 milhões do bitz e 4 milhões do Digio. Tirando um pouco de sobreposição, são de 18 a 20 milhões, e 85% não vieram do banco Bradesco.

Valor: Tem outras áreas em que o banco pode fazer aquisições?

Lazari: Sim. Todos esses ativos sofreram uma reprecificação e estão muito mais atrativos. As oportunidades que surgirem de empresas de alta tecnologia, inteligência de ciência de dados, melhorias para nossa tecnologia embarcada… Posso citar especificamente empresas que trabalham com crédito rural, imobiliário, identificação de clientes, monetização. Tudo isso envolve pessoas de alto conhecimento técnico para trabalhar os bilhões de dados que temos no grupo. Na área de corretoras também podemos ter boas oportunidades. A Ágora está indo muito bem, mas a gente vai olhar boas alternativas. E tem um outro braço nosso, de private equity, onde olhamos investimentos em que não sejamos controladores, como aconteceu com a Semantix.

Valor: A ideia, então, é comprar tecnologia e não base de clientes?

Lazari: É comprar inteligência. Pode ser empresas que nem atendam o cliente final, só de inteligência de dados, de modelos. Se a gente conseguir trabalhar essa base enorme de pessoas que transitam no banco todos os dias para conquistar novos clientes com custos menores, é muito vantajoso. No Brasil, ficou fácil abrir conta em qualquer banco digital. Essa facilidade nos impõe o desafio de como adquirir essa conta e não ter “churn” [cancelamento], porque o custo é muito alto. Para isso precisa de inteligência de dados.

Valor: Essa também é a lógica na área de corretoras?

Lazari: Em corretoras, são as duas coisas. Trazer clientes, capturar uma base de clientes já instalada, fiel, que opera com aquela corretora, é algo que também nos interessa. Estamos olhando algumas oportunidades.

Valor: Os bancos digitais passaram por uma reprecificação. O sr. acredita que haverá uma convergência com os bancos tradicionais?

Lazari: O preço dos bancos tradicionais, não só do Bradesco, está bem “amassado”, aquém do que se poderia para quem entrega R$ 25 bilhões, R$ 28 bilhões, R$ 30 bilhões de lucro por ano, paga dividendos, cresce todo ano apesar da concorrência, cria novas linhas de receita, novos “profit pools” para compensar os que estão sendo atacados. Então, no médio e longo prazo vai ser observado pelos analistas, pelos investidores, que é importante ter seus investimentos também nos incumbentes. Obviamente, a gente não vai atingir múltiplos dos neobancos, mas em um momento eles também não conseguem mais dobrar de resultado ano após ano. Acaba vindo para um valor mais coerente com aquela capacidade de geração de riqueza. Tudo depende também da economia. Os ciclos econômicos não foram revogados. Na medida em que a inflação for controlada, que os países conseguirem ajustar suas economias, e se volte para juros de 2%, 3%, volta a haver um apetite para ativos de mais risco. É o que vai acontecer, e a gente espera que seja em breve, porque conviver com inflação e esse juro é muito difícil não só para as companhias, que não criam riqueza, o país não cresce, mas também para as famílias, e as mais vulneráveis sofrem mais.

Valor: O crédito continua crescendo muito apesar do aperto na política monetária. Por quê?

Lazari: Todos os bancos já deram uma apertada na concessão de crédito. Quando você olha onde está crescendo, é no consignado, que tem garantia, e as pessoas estão precisando de dinheiro por conta da inflação, o poder aquisitivo diminuiu demais, então acabam tomando consignado. Outra operação que cresce é o cartão de crédito, que tem três razões. Primeiro, a partir do momento em que temos um controle um pouco melhor da pandemia, as pessoas voltaram a trabalhar na rua, ter que almoçar, vão mais para shopping, acabam consumindo. O segundo é quase um efeito matemático. Com a inflação do tamanho que está, os preços subiram e os gastos acabam subindo quase naturalmente. O terceiro é a disponibilidade que as pessoas, sejam de classe média ou mais baixa, têm hoje de ter cartão. Mas o nível de produção já diminuiu nos últimos meses e vai diminuir mais até o fim do ano. Dezembro tem um aumento natural, a entrada do décimo terceiro, mas quando se compara o último trimestre de 2022 com o de 2021, vai ser menor. A projeção de 17,8% [crescimento do crédito em 12 meses até junho] vai ser menor no fechamento do ano.

Valor: E o próximo ano?

Lazari: Para 2023, é uma incógnita, mas acho que o crédito não consegue crescer na mesma velocidade, a não ser que haja um recuo mais rápido dos juros, a inflação seja controlada, o Banco Central consiga diminuir a força do instrumento de política monetária.

Valor: Mas as projeções de inflação em 2023 estão fora da meta. Qual o cenário-base?

Lazari: O cenário básico, segundo a pesquisa Focus, é inflação de 5,25% no ano que vem, muito alta ainda. Precisamos reduzir, não diria nem para o centro da meta, que é 3,25%, mas para algo perto de 4%, 4,5%, para que a gente possa começar a recuperar a capacidade de investimento, o BC começar a reduzir a taxa de juros, e aí entrar numa dinâmica de crescimento do PIB.

Valor: O Bradesco freou a oferta de cartões para não correntistas…

Lazari: Pela quantidade de cliente que temos no próprio Bradesco, na seguradora, na corretora, no next, no Digio, todas as empresas do grupo, que a gente concentre esforços de venda nos clientes que já conhece. Obviamente, os canais estão abertos e as pessoas entram e nos procuram. Mas a seleção está muito mais rigorosa, porque o risco também está muito mais elevado, os salários foram corroídos, o poder de compra foi corroído, as pessoas estão mais endividadas. Até que a gente tenha o controle absoluto da inflação e a taxa de juros volte para níveis adequados, a tendência de todos os bancos é ser mais rigorosos na concessão de crédito, até porque a inadimplência está descolando.

Valor: A inadimplência sobe, mas de forma gradual. Por quê?

Lazari: Temos dois efeitos. O primeiro é que a inadimplência das grandes empresas está no menor nível histórico, praticamente zero. Isso é o principal fator que faz com que a inadimplência esteja mais baixa que em anos anteriores. O outro é que chegamos a uma inadimplência muito baixa na pandemia, até pelos aportes do governo para ajudar as pessoas mais vulneráveis. Foram R$ 300 bilhões colocados no mercado, e os bancos prorrogaram as operações, então chegamos a um nível de 2,2%, metade do nível histórico. Agora, as pessoas começam a ter dificuldades de pagar. A inadimplência da pessoa física praticamente está a níveis já de antes da pandemia, e a da micro e pequena empresa, também. Em 2017, 2018, a inadimplência era por volta de 5,5% e estamos com 3,5%, ainda abaixo.

Valor: No segundo trimestre, analistas apontaram que o banco vendeu carteira, e sem isso a inadimplência teria subido 0,6 ponto, e não só 0,3 ponto, o que é bastante…

Lazari: Sim, é bastante. Mas toda venda de carteira é estudada. Se o valor que está sendo ofertado no mercado é maior que aquilo que consigo recuperar historicamente, é natural vender. Esse aumento da inadimplência teve muito a ver com o crescimento rápido do cartão de crédito. E, quando a gente olha a margem líquida, ela está crescendo, ou seja, a gente continua emprestando, com uma inadimplência mais alta, mas agregando um spread melhor. Esse é o nosso negócio. Tenho que emprestar a uma taxa que seja capaz de cobrir a inadimplência e crescer minha margem líquida.

Valor: Os bancos reforçaram provisões para devedores duvidosos no segundo trimestre. Há risco de uma piora mais forte da inadimplência?

Lazari: Até o fim deste ano a inadimplência vai continuar crescendo. Menos, mas vai. Então, vai exigir níveis de provisão maiores. Mas a PDD não é necessariamente por perda. Pelas regras do BC, temos de fazer provisão quando o cliente toma [o crédito]. Como o cartão de crédito cresceu 46%, isso exige uma PDD maior, mesmo que não tenha perda. Para o ano que vem, vejo estabilidade, mas vai depender de a gente de fato controlar a inflação. Se estiver controlada, não esses movimentos de inflação, deflação, inflação, deflação, se conseguir um controle normal, que não seja motivado por um fato exógeno, como ICMS, preço do petróleo, aí vejo um cenário mais calmo.

Valor: A inadimplência deve voltar para o pré-pandemia, perto de 4,5%, ou para os 5,5% de 2017/18?

Lazari: Volta para o pré-pandemia, porque acreditamos que, com a inflação controlada, o BC começa a entrar em um processo de redução de taxa de juros. Me parece que [a Selic] já bateu num teto, de 13,75%, então começa a entrar em um processo de redução.

Valor: Os dois principais candidatos à Presidência prometem estender o Auxílio Brasil de R$ 600. É possível controlar a inflação quando a política fiscal continua a estimular a economia?

Lazari: Acho que sim, porque o Auxílio Brasil está muito direcionado para pessoas em condição de fragilidade total. A gente vê o que está acontecendo no país e tem de reconhecer, o nível de empobrecimento é muito maior, o nível de emprego está melhorando, mas o salário está corroído. Não é esse o grande vilão da inflação. Dá para controlar mesmo que continue havendo esse estímulo, até porque é para menos pessoas, um volume muito menor do que no passado.

Valor: O sr. trabalha com um cenário de recessão global em 2023?

Lazari: Ainda não está claro. Todos os sinais levam a crer, a gente vê o que está acontecendo com a inflação, elevação de juros nos Estados Unidos, na Europa, Inglaterra. E, se for verdade, o crescimento de PIB fica muito comprometido. Mas a gente deve lembrar que, no fim do ano passado, estava se falando que o PIB brasileiro reduziria 1,5% em 2022 e vamos ter crescimento de 2%. Até pelo efeito de carrego, se a gente conseguir logo no primeiro trimestre, semestre, trancar o fantasma da inflação e trazer taxa de juros para baixo, ainda tem espaço para conseguir no restante do ano um crescimento, mesmo que modesto. Por enquanto, nossa previsão é crescimento zero.

Valor: O que falta para controlar a inflação? É só tempo para a política monetária fazer efeito?

Lazari: É sim, o efeito da política monetária. Todos os outros ingredientes, como petróleo, serviços, estão mais ou menos comportados. O que ainda está fora é o preço de alimentos. Se tiver uma boa safra, como a gente acredita, dá para controlar a inflação de alimentos também.

Valor: Para ter clareza sobre o controle da inflação não é preciso saber como será a política econômica do próximo governo?

Lazari: Independentemente de um novo governo ou da continuidade do atual, o remédio não é outro. Não existe fórmula mágica. O BC agora é independente e os instrumentos de política monetária têm de ser adotados. Tanto este governo quanto um novo que surja, pelo aprendizado do passado, sabem quais são os instrumentos que a gente tem de usar para controlar a inflação. A gente conviveu tantos anos com inflação alta, que para nós, brasileiros, é quase uma coisa normal, mas o efeito nas pessoas vulneráveis é catastrófico, na economia é catastrófico.

Valor: Há alguma preocupação com o que tem sido sinalizado pelos candidatos do ponto de vista fiscal?

Lazari: Fala-se de remodelar o teto de gastos, criar um novo parâmetro. Para mim, todas as alternativas são válidas, desde que a gente tenha a responsabilidade de não gastar mais do que é capaz de arrecadar. Se você trabalha no vermelho, uma hora isso tem um custo para a população, em mais desemprego, perda de renda, aumento de impostos, e por aí vai.

Valor: E o sr. acredita que isso vai ser cumprido por qualquer um dos candidatos?

Lazari: Sim, não é uma preocupação para nós. Porque todos sabem o custo disso.

Valor: O sr. tem alguma preocupação com o processo eleitoral?

Lazari: Zero. Ele vai ser legítimo, a democracia está consolidada. Independentemente do resultado da eleição, a passagem vai ser hipertranquila, não vejo qualquer ameaça, longe disso.

Valor: O senhor preside o conselho da Febraban, que aderiu ao manifesto em defesa da democracia. Há algum risco de tensionamento institucional no 7 de Setembro?

Lazari: Não acredito nesse risco, a gente tem instituições do Executivo, Legislativo e Judiciário muito bem sedimentadas. Somos uma democracia jovem, mas isso está muito sedimentado no país. Tenho convicção que o risco disso é zero.

Valor: Então por que manifestos desse tipo são necessários?

Lazari: Foi um desejo transmitido pela sociedade de reiterarmos os valores da democracia. É uma coisa absolutamente natural. Isso a gente precisa falar todo dia.

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