Barreira para dividendos está na própria Petrobras

Desde que não fira Lei das S/A, menor distribuição depende de aval da diretoria, conselho e acionistas da empresa

Empresas citadas na reportagem:

A era de dividendos recordes da Petrobras tende a ficar para trás caso o plano de mudar a remuneração aos acionistas seja implementado. Defendida pelo presidente da empresa, Jean Paul Prates, a proposta não é ilegal, mas a Petrobras precisará da aprovação dos acionistas em assembleia, do apoio do conselho de administração e de parte do próprio governo que, eventualmente, pode ser contra a medida uma vez que a União é uma das maiores beneficiadas com os recursos. O Estado brasileiro detém cerca de 37% de participação no capital total da estatal.

Especialistas ouvidos pelo Valor avaliam que a estatal não está impedida de pagar menos dividendos desde que acionistas, diretoria e conselho aprovem mudanças na atual regra estabelecida pela empresa e desde que não fira a Lei das S.A., que prevê pagamento mínimo de 25% do lucro líquido.

Em relatório, Luiz Carvalho, analista de petróleo e gás do UBS BB, afirma que o anúncio dos dividendos do quarto trimestre “surpreendeu fortemente”, tendo em vista que o pagamento elevado deve ser “uma das últimas surpresas positivas nos próximos trimestres”.

Fontes jurídicas apontam que o próprio estatuto da Petrobras fixa o pagamento mínimo de 25% do lucro líquido em dividendos, em linha com a Lei das S.A. Segundo a lei, nos casos em que o estatuto social de uma empresa seja omisso, o dividendo não pode ser inferior a esse patamar. A diretoria pode propor ao conselho de administração e aos acionistas qualquer mudança acima dos 25% obrigatórios. A redução no pagamento, no entanto, deve ter o propósito de formar reserva ou orçamento para investimentos, avaliam as fontes.

Na visão de Prates, o retorno aos investidores deveria ter uma regra “um pouco solta”: “Quanto mais flexibilidade, melhor”, disse na semana passada. Aprovada em 2020, a atual política de dividendos da Petrobras prevê que, quando a estatal tiver dívida bruta inferior a US$ 65 bilhões, pode distribuir aos acionistas 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e os investimentos. Prevê também o pagamento de dividendos extraordinários, desde que não afete a sustentabilidade financeira da companhia. Essa é a política que o governo quer alterar. Ao aprovar a distribuição de R$ 35,8 bilhões no quarto trimestre, a Petrobras deu aval à distribuição de R$ 215,7 bilhões aos investidores relativos a 2022. O montante, disse Prates na semana passada, correspondente a 114% do lucro líquido e a 105% do fluxo de caixa livre da empresa.

Prates advoga pela aplicação de parte dos recursos ora destinados aos acionistas no aumento de aportes em projetos de energias renováveis, tendo em vista a sobrevivência da empresa a longo prazo. Disse, porém, que a Petrobras analisará a possibilidade de voltar a investir em fertilizantes e petroquímica, dois setores dos quais saiu nos últimos anos e sem investimentos previstos no plano de negócios atual. Também acenou para contratar plataformas fabricadas nos estaleiros nacionais e para projetos de refino. “Para uma eventual mudança desse tipo, é de se esperar uma proposta bem fundamentada da administração para a criação de uma reserva ou orçamento de capital, a ser deliberada em assembleia geral. A retenção do lucro por uma companhia é exceção”, diz Carlos Martins Neto, sócio do Moreira Menezes Martins Advogados.

Na visão do sócio do i2a Advogados Marcos Sader, a assembleia pode rever a política de pagamentos, mas o mínimo previsto na lei somente poderia ser alterado se nenhum acionista discordar, o que é um cenário improvável, diz. Ele ressalva, porém, que mudanças desse tipo tendem a minar a confiança de investidores e podem, inclusive, dificultar o acesso ao mercado de capitais no futuro. “Essa regra é uma proteção dos acionistas contra a administração das empresas, para que não fiquem retendo recursos, como também uma proteção para os acionistas minoritários. A assembleia, por maioria de votos, pode deliberar de forma diferente, mas a mudança do mínimo de 25% do lucro não poderia ser alterada pelo controlador”, diz.

Leonardo Ugatti Peres, sócio-fundador da A&P Advogados Associados, salientou que a empresa vinha seguindo uma política de valorizar mais o acionista e menos o crescimento ao destinar os recursos de suas atividades para o pagamento de dividendos. “Agora, tudo indica que vai ser o contrário”, disse Peres. Nessa linha, os analistas da Bloomberg Intelligence, Fernando Valle e Brett Gibbs, afirmaram: “O novo CEO indicou planos para reduzir as distribuições e aumentar os gastos com energia eólica offshore [marítima], hidrogênio e refinarias, que têm retornos significativamente mais baixos”.

Para analistas, um dos principais riscos, na recomendação de investimento na Petrobras, é a incerteza sobre o pagamento futuro de dividendos. A análise das petroleiras em todo o mundo foca o retorno via dividendos, devido às dúvidas sobre temas como a transição energética, por exemplo. “O dividendo é um ponto de atenção para os investidores nesse setor”, diz Gabriel Barra, analista do Citi. Para ele, o pior cenário possível é a Petrobras passar a distribuir apenas o mínimo previsto hoje no estatuto, de 25% do lucro líquido, “muito abaixo do que se espera para uma companhia gera tanto caixa”. Na visão dele, os investidores vão considerar o retorno dos projetos renováveis nos quais a companhia sinaliza que vai investir. “Se a Petrobras conseguir mostrar para o mercado que os projetos renováveis têm retorno atrativo frente ao custo de capital, isso é positivo”, afirmou Barra.

Para Elena Landau, economista e advogada, a redução dos dividendos tem de ser analisada pela ótica do investimento, até pelo histórico recente da Petrobras. “Se for para investir em refinarias e na indústria naval, é melhor continuar distribuindo dividendos.” Para Landau, porém, energias renováveis e projetos de transição energética, são áreas que

podem ser discutidas entre diretoria e conselho, por serem mais ligadas ao negócio da companhia. O problema, disse um ex-executivo da companhia, é que a superação dos danos reputacionais da Lava-Jato pela Petrobras não significa que “as feridas estão totalmente cicatrizadas”. “A empresa ainda precisa ser preservada com iniciativas que demonstrem higidez”, diz.

Apesar das críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva às elevadas distribuições, o governo pode querer usar os recursos, como em 2022, ano eleitoral, quando Jair Bolsonaro optou pelos dividendos de estatais (Petrobras, inclusive) para compensar despesas como aumento do Auxílio Brasil para R$ 600. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad poderia

pedir, por exemplo, que se mantenha a atual política de dividendos, pela necessidade de fechar as contas públicas, de sinalizar compromisso de ajuste fiscal e para financiar políticas públicas. “Isso tem acontecido em outras partes do mundo porque as petroleiras passaram a ter lucros adicionais, não por maior eficiência, mas por questões geopolíticas”, disse o ex-executivo da estatal. “Até porque o dinheiro dos dividendos vai para o superávit primário”, concluiu Landau.

Por Gabriela Ruddy e Fábio Couto, do Valor Econômico

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