Bancos e fintechs apostam no setor de benefícios
Empresas citadas na reportagem:
A abertura do segmento de vale-refeição e alimentação, que ocorrerá a partir de maio de 2023, deve aumentar a competição no setor, mas também trará mais oportunidades para bancos e outras instituições financeiras reforçarem sua atuação no setor de benefícios. Com um volume estimado de R$ 150 bilhões após essa mudança regulatória, o segmento por si só já é interessante, mas para os bancos também representa uma forma de aumentar o relacionamento com empresas – incluindo de pequeno porte – e potencializar as vendas cruzadas de produtos e serviços.
Bradesco e Banco do Brasil (BB) atuam nesse nicho através da Alelo, que faz parte da EloPar, e agora a Elo também começará a operar no arranjo aberto. O Santander criou a Ben em 2019 e o Itaú Unibanco comprou uma fatia na Ticket no mesmo ano.
Assim já como ocorre com cartões de crédito, o mundo dos vales de benefício será dividido entre arranjo aberto e fechado. No arranjo fechado, que é o modelo tradicional desse mercado, emissão, credenciamento e a bandeira do cartão são todos feitos pela mesma empresa. Os valores, por sua vez, são usados na rede credenciada. Hoje, esse mercado é dominado por Alelo, Sodexo e Ticket, que detêm uma fatia de quase 80%. O restante é pulverizado em quase 180 empresas locais e regionais.
A partir de maio, o arranjo aberto poderá oferecer para as empresas o mesmo benefício fiscal no PAT que o fechado
O grosso do mercado está nos serviços de alimentação e refeição, que podem ser oferecidos ao trabalhador com benefício fiscal para as empresas, por meio do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), ou sem. Há, porém, diversos outros tipos de benefícios que podem ser ofertados, como vale-cultura, farmácia, combustível, entre outros.
No arranjo aberto, emissão, credenciamento e bandeira são feitos por instituições diferentes. Mais recentemente, startups de benefícios começaram a atuar por meio desse modelo “bandeirado”, que expande a rede de aceitação. A partir de maio, o arranjo aberto poderá oferecer para as empresas o mesmo benefício fiscal que o fechado no âmbito do PAT.
Márcio Alencar, diretor de estratégia digital, marketing e negócios da Alelo, afirma que hoje a companhia tem uma fatia de 30% no PAT, ou R$ 40 bilhões, e mais R$ 6 bilhões no seu ecossistema em outros benefícios, que já operam em um modelo de arranjo aberto. Ele diz que, com as mudanças regulatórias, essa relação 85%/15% entre arranjo fechado e aberto tende a mudar e chegar a um equilíbrio no médio a longo prazo.
“Não é porque em maio começa o arranjo aberto no PAT que vai haver uma migração em massa. Será algo gradual. Temos relacionamentos de longo prazo com os RHs das empresas, para nossos mais de 1 milhão de lojistas já oferecemos uma série de outros serviços financeiros, e o cliente final já é muito bem atendido aqui. Ele não vai simplesmente mudar da noite para o dia”, afirma.
De qualquer forma, a Alelo já testa um modelo de benefício flexível, em parceria com a Elo, e deve lançá-lo no início de 2023. Pedro Cardoso, diretor de novos negócios da Elo, diz que desde o decreto 10.854, editado em novembro de 2021 e que previa um prazo de 18 meses para a entrada em vigor do arranjo aberto no PAT, a companhia vinha estudando entrar nesse segmento. “Temos um dos maiores arranjos de pagamentos do Brasil, com mais de 8 milhões de estabelecimentos credenciados e 45 milhões de cartões emitidos. Então começamos a estudar como usar essa rede para estruturar um produto de benefícios, endereçando uma oportunidade de mercado bastante interessante.”
Como no arranjo aberto a Elo é a bandeira e a Alelo é a emissora, elas estarão juntas e não competindo diretamente entre si. No entanto, uma eventual expansão dessa parceria pode acabar canibalizando o mercado de arranjo fechado da Alelo. “Não há conflito, há espaço para colaboração. Vai ficar a critério da empresa contratar o que é melhor para seu funcionário, o arranjo fechado ou o aberto”, diz Alencar.
O Mercado Pago entrou em benefícios há pouco mais de três meses. O diretor sênior de banco digital da companhia, Ignacio Estivariz, diz que, assim como fez com a conta digital, a companhia percebeu que poderia modernizar esse segmento. Em parceria com a Visa, o mesmo cartão é utilizado para a função débito e benefícios. No aplicativo, há espécies de subcontas, já que o benefício de refeição, por exemplo, só pode ser utilizado em restaurantes. “Para a empresa, facilita ter a gestão de todos os benefícios em um só cartão, e o cliente ainda tem todos os benefícios da conta gratuita do Mercado Pago.”
Estivariz afirma que o Mercado Pago tem atualmente 35 milhões de usuários no Brasil e avalia que, em tese, esse é o mercado potencial do produto de benefícios. Segundo ele, o interesse principal da fintech no serviço não é a tarifa de intercâmbio do cartão, mas as oportunidades que o segmento oferece. “Estamos sempre analisando onde a tecnologia pode trazer um diferencial, onde a experiência atual não é muito boa. Agora, estamos nesse processo de falar com os RHs, trazer as empresas. Isso sem falar nos benefícios de inclusão financeira, já que muitas vezes o cartão de benefícios é o primeiro passo nesse caminho.”
O executivo cita o exemplo de da empresa de embalagens Rubberon, de Manaus (AM), cujos funcionários ainda recebiam vales de papel, que eram aceitos em um único restaurante. Após o acordo com o Mercado Pago, diz, o processo foi digitalizado.
Marco Garcia, dono da Rubberon, afirma que muitos dos seus colaboradores tiveram acesso a um cartão de débito ou crédito pela primeira vez por meio do Mercado Pago. A reação positiva dos funcionários se espalhou pela região, e despertou o interesse de outros empresários, que procuraram Garcia para saber mais detalhes.
A Ticket, marca da Edenred Brasil, possui um portfólio amplo de benefícios. Além dos vales-alimentação e refeição, trabalha com soluções para transporte, cultura, incentivos e recompensas, antecipação salarial, saúde, bem-estar, educação e home office. No fim de 2021, a marca lançou a Ticket Vantagens, que oferece uma série de benefícios aos usuários, como um marketplace com produtos selecionados, clube de descontos com cashbacks e acesso a uma plataforma de educação corporativa.
“Os constantes incrementos no portfólio fazem parte da estratégia da marca de investir em relacionamento e digitalização. As soluções reforçam a transformação digital da marca, respeitando a legislação trabalhista e acordos sindicais”, afirma a empresa em resposta a questionamentos do Valor.
Em 2019, o Itaú adquiriu uma participação de 11% na Ticket, que segue independente, tendo a Edenred como sua controladora e gestora. De acordo com a empresa, a parceria possibilitou que o banco ampliasse seu portfólio de soluções de RH oferecidas a clientes corporativos. “Ao mesmo tempo, o novo canal de distribuição fortalece a organização de vendas já existente da Ticket e chega para apoiar no constante crescimento da marca no mercado brasileiro.”
A entrada do modelo de arranjo aberto no PAT será importante para que as novatas no mercado consigam acessar também os RHs de grandes companhias. Isso porque o benefício fiscal do programa é aplicável às empresas que apuram os seus tributos com base no chamado lucro real. “Com a abertura do mercado, empresas maiores podem passar a considerar novas ofertantes”, diz Karen Fletcher, líder do departamento jurídico da Caju, startup fundada em 2020 que concentra benefícios em um cartão de crédito de bandeira Visa. Hoje, 13 mil empresas, com cerca de 400 mil usuários, utilizam o cartão da Caju.
Outras mudanças que devem aumentar a competição no setor são a proibição do bônus dado aos RHs das empresas contratantes pelas emissoras dos cartões alimentação (o chamado “rebate”), que acaba aumentando a taxa cobrada de restaurantes e supermercados, e do pós-pagamento (prazo para que os RHs quitem o valor do benefício contratado), diz Fletcher. “Paras as entrantes, era muito difícil competir em pé de igualdade com empresas que tinham condições para oferecer tanto no prazo para pagamento quanto em descontos agressivos.”
As mudanças nas regras dos vales foram feitas por meio de um decreto do final de 2021 e de uma medida provisória aprovada neste ano. As discussões não foram simples. Houve muito debate, por exemplo, sobre a liberdade para o usuário trocar a gestora do seu cartão de benefícios. Essa portabilidade, inclusive, pode precisar se adiada, já que enfrenta resistência. Fontes do setor comentam que a operacionalização do procedimento não é simples e há dúvidas regulatórias sobre como isso será feito.
Para que a portabilidade funcione, será necessária regulamentação do governo para definir, por exemplo, qual será o órgão gestor desse cadastro, se o Banco Central, o Ministério da Economia ou o Ministério do Trabalho. A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) tem atuado nas discussões com o governo, assim como a Zetta, associação fundada por Mercado Pago e Nubank e que representa também outras fintechs. A transição para o governo Lula, no entanto, atrasa um pouco as conversas.
Com a chegada do arranjo aberto, é provável ainda que haja uma consolidação no mercado e empresas locais acabem sendo compradas ou mesmo fechadas se não conseguirem se adaptar às novidades, que exigem investimentos em tecnologia. Um obstáculo é que as líderes de mercado já possuem participação muito grande e, entre as companhias menores, muitas não têm os padrões de governança exigidos pelos grandes grupos, o que torna uma eventual operação de aquisição mais complexa.
Procurados, BB e Bradesco preferiram se manifestar somente via Alelo. Itaú, Sodexo e Santander não se pronunciaram.
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