Ativos locais são vulneráveis, mas preço baixo ajuda, diz Bram

Para Philipe Biolchini, mudança na postura do Fed gera ambiente de reprecificação global

Empresas citadas na reportagem:

Com a mudança de tom do Federal Reserve (Fed) e a indicação de que irá partir para um aperto da política monetária nos Estados Unidos, está em vigor uma mudança de regime “e a discussão, agora, é sobre a intensidade desse processo”. Na visão do diretor de investimentos (CIO) da Bradesco Asset Management (Bram), Philipe Biolchini, há um processo de reprecificação dos ativos e aqueles que sustentavam preços muito altos se tornam mais vulneráveis. “O cenário é de redução de risco para poder acompanhar o ambiente que ganhou contornos de maior volatilidade”, afirma o diretor.

No Brasil, porém, os mercados “não estão sentindo tanto quanto os ativos globais porque tiveram um ano de 2021 muito, muito ruim”. Em entrevista ao Valor, Biolchini observa que os preços baratos dos ativos brasileiros têm ajudado no curto prazo. Ele, contudo, lembra que o Brasil continua bastante vulnerável e, ao observar o formato invertido da curva de juros, onde as taxas mais longas estão abaixo das mais curtas, avalia que “o mercado está precificando que não haverá uma ruptura de política econômica no futuro”.

Valor: Como fica o cenário global após a mudança de postura do Fed?

Philipe Biolchini: Estamos vendo uma mudança de regime e a discussão agora é sobre a intensidade desse processo. O que não dá mais para discutir é que o regime de liquidez abundante está mudando. Quando há essas mudanças de regime, o mercado demora um certo tempo para entender. Por isso, nós achamos que vamos ter bastante volatilidade. E o cenário fica mais difuso para todo mundo, fica mais difícil. Dá para dizer que fica um pouco mais pessimista, porque, mal ou bem, a liquidez abundante mantém o preço dos ativos em um nível muito elevado, então você pode ter uma reprecificação. Dentro desse ambiente, aumentou o risco de mercado. Obviamente, a liquidez continua muito abundante, a economia está muito forte e há sinais de resultados das empresas indo bem. E também ninguém espera que o mercado corrija de uma vez só.

Valor: Como o processo de redução do balanço do Fed pode influenciar os mercados globais?

Biolchini: Estamos bastante focados na composição do balanço e no que vai começar a ser vendido primeiro. Se o Fed for mexer nos papéis de curto prazo, pode gerar certo impacto e algumas distorções, mas seria algo muito mais moderado do que se o Fed virasse um grande vendedor de Mortgages Backed Securities [MBS – títulos lastreados em hipotecas] ou mesmo de títulos longos da dívida. A discussão relevante hoje é: qual é o nível de estresse do mercado que faria o Fed suspender o processo? Porque, claramente, se o mercado estressar muito, as condições financeiras também ficam constrangidas. A gente já viu no passado que o Fed tinha uma certa intenção, o mercado se desarrumou e ele acabou se segurando um pouco. O mercado vai ter que encontrar ao longo do tempo as informações. Estamos só no início do ciclo.

Valor: A alta dos juros reais nos EUA pode pesar nos ativos de risco?

Biolchini: Depois do estresse com o Fed, o juro real de dez anos chegou a 0,5% negativo. Se olharmos cinco anos atrás, esse juro estava um pouco abaixo de 1% positivo. Com a pandemia, ele afundou e foi buscar o nível de -1%. O discurso que o banco central americano está colocando é o de que a atividade econômica está voltando para o nível pré-crise e isso em um cenário positivo, que é o que chamamos de normalização. Se a economia ficar mais saudável, ele tenderia a normalizar. Mas, sim, com um juro real negativo, você tem uma tendência a investir em ativos de mais risco. Então existe aí uma relação de reprecificação de ativos e os ativos que estavam com preços muito altos ficam mais vulneráveis.

Valor: Os ativos brasileiros têm se mostrado resilientes…

Biolchini: Os ativos brasileiros não estão sentindo tanto porque tiveram um ano de 2021 muito, muito ruim. A moeda foi das piores e a bolsa foi muito mal. E, mal ou bem, essa boca de jacaré entre os ativos internacionais e os ativos brasileiros estava nas máximas de muito tempo e só neste ano começou a dar uma corrigida porque lá fora o processo está mais no início. A gente lembra do processo no Brasil, onde o Banco Central teve de ir subindo os juros e aumentando o ritmo de alta e o mercado ainda está reprecificando um ciclo que fica em torno de 12%. Estamos mais no fim e eles estão bem no início e isso dá um pouco da percepção de que os ativos lá talvez estejam um pouco mais vulneráveis que os daqui.

Valor: Esse fluxo para a bolsa local pode ser sustentado ou o processo de alta de juros nos Estados Unidos acabará atraindo novamente o capital global para lá?

Biolchini: Acho que a gente não foge da discussão da qualidade da sua política econômica. Se você tem qualidade, fica menos vulnerável. E a gente fez um trabalho de gerar incertezas. A questão fiscal, estouro de teto de gastos, inflação muito alta… Isso tudo atrapalha o Brasil. Estamos dentro do grupo dos vulneráveis. Dito isso, acho que tem a história da precificação, que é muito relevante. Se você olhar os índices que levam em consideração o retorno esperado ou o preço sobre lucro, os ativos brasileiros, depois da desvalorização cambial, ficaram realmente muito descontados. No curto prazo, o fator precificação está ajudando. E outro vetor que a gente tem aqui também é a percepção dos emergentes serem economias mais expostas a commodities, que estão muito fortes neste início de ano.

Valor: O real também tem se recuperado em 2022…

Biolchini: Temos posição otimista com o real, mas com cautela, porque um dos fatores mais importantes que determinam a posição relativa das moedas é o de atividade. Mas existem outros fatores que, de vez em quando, ganham peso, como é o caso do carrego. A volatilidade do real deu uma acalmada recentemente por esse fator das commodities e do fluxo que estamos vendo. Os problemas fiscais e o diferencial de crescimento estavam pesando muito contra o real e não compensavam o carrego. Embora o Fed também esteja perto de começar a subir juros, as magnitudes não se comparam. A gente sobe um ciclo de juros nos EUA em uma reunião do Copom… O real tem um espaço para valorização e gostamos do ‘momentum’, mas não acho que é uma coisa que vá muito longe. Chegando perto de R$ 5 ou R$ 5,20, acho que já estaríamos em um cenário otimista.

Valor: A curva de juros do Brasil segue invertida. Qual sua avaliação sobre esse fenômeno?

Biolchini: É um formato curioso. O mercado tem essa convicção da redução dos juros logo adiante. Acho que tem a ver com o fato da expectativa de crescimento econômico estar muito deprimida. A inflação está queimando por dentro. Temos uma expectativa de que a inflação vai ceder, mas para um patamar ainda muito acima da meta. Os dados que estão se apresentando têm vindo no sentido oposto. As surpresas inflacionárias, que, se viessem do lado mais positivo, poderiam aliviar a pressão [sobre os juros curtos], estão fazendo a curva ficar invertida. Não concordamos muito com esse formato da curva no sentido de que não apostamos que a inclinação deva ser muito negativa. O mercado antecipa com uma certa razão. É razoável imaginar que tem uma queda da inflação, mas me surpreende um pouco. São apostas que não corroboramos.

Valor: O mercado não está subestimando o risco fiscal e dando mais peso para a atividade econômica?

Biolchini: Acho que o mercado está precificando que não haverá uma ruptura de política econômica no futuro. Os males fiscais são mais ou menos conhecidos, mas o mercado acredita que existe um incentivo para o próximo governante não sair jogando lenha na fogueira fiscal, pressionando a inflação e dificultando o trabalho do BC, porque isso vai comprometer a atividade econômica. A tendência política dos governos tem sido a de fazer o ajuste e depois, eventualmente, ir gastando mais. Acho que o mercado precifica que, independentemente da vertente política que vai estar comandando o Brasil no ano que vem, ela vai ter uma razoabilidade fiscal. Hoje vemos a NTN-B para 2050 com juro real perto de 6%. É muito juro real para uma economia que está sofrendo para conseguir crescer. Se você ficar tomado [aposta na alta das taxas] na curva longa, de certa forma é apostar que o juro real tem que ser muito mais alto. Para ter uma curva muito mais empinada, o mercado precisaria ter uma hipótese fiscal de que a condução econômica do próximo governante seria uma condução muito agressiva.

Valor: Qual a sua visão para a alocação de ativos de forma geral?

Biolchini: A diversificação de risco é primordial por conta do aumento do nível de incerteza. Então o que a gente fez foi uma alocação maior em ativos de menos risco. Acho que a indústria como um todo está fazendo esse movimento. É preciso manter uma diversificação bem feita entre ativos locais, internacionais e uma combinação com proteção de inflação, a despeito de todas essas dinâmicas de combate à inflação pelos principais bancos centrais. Já teve um momento que você tinha que estar muito exposto a título de inflação, agora, talvez um pouco menos, mas é preciso continuar. O cenário é de redução de risco para poder acompanhar o ambiente que ganhou contornos de maior volatilidade, em função desse novo ciclo de liquidez que o mundo pode passar a observar.

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