Analistas mantêm aposta em Petrobras apesar de riscos

Ações da companhia são negociadas com desconto em relação a pares internacionais

Empresas citadas na reportagem:

A ação da Petrobras é negociada com desconto em relação a seus pares internacionais, fruto do risco político que historicamente assombra a estatal, mas analistas que acompanham a companhia não deram sinais que vão desistir do papel, apesar do aumento do risco de intervenção pelo controlador.

O indicador de preço/lucro (P/L) da Petrobras estava por volta de 4,3 vezes ontem, um dos menores entre as petroleiras. A Saudi Aramco, maior empresa do mundo em valor de mercado, tem um múltiplo de 17,2. Na americana Exxon, o P/L está em 11. Também estatal, a norueguesa Equinor tem um indicador de 7,2.

Num levantamento com 34 empresas do setor, a Petrobras fica na parte de baixo da lista, onde as russas Gazprom e Rosneft, a chinesa PetroChina, a colombiana Ecopetrol e a argentina YPF.

A relação P/L é um dos múltiplos mais tradicionais usados pelo mercado para identificar se uma ação está cara ou barata. O indicador mede a relação entre o preço da ação e seu lucro por ação projetado. Um número baixo sinaliza uma empresa que tem lucros altos comparados com sua avaliação pelo mercado e pode ser uma oportunidade de compra.

Os bancos e corretoras brasileiros não se baseiam só no P/L, mas sabem que há valor na Petrobras além do que está expresso no seu preço atual – especialmente depois dos avanços operacionais e financeiros dos últimos anos. No entanto, o risco político sempre pesou na companhia e esse fator é “descontado” das ações. Num momento de combinação de crise internacional e eleições no Brasil, a atenção tem de ser redobrada. Na terça-feira, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou um novo presidente para a estatal, apenas 40 dias depois da posse de José Mauro Ferreira Coelho. Caio Mário Paes de Andrade, o indicado, será o terceiro no comando só neste ano e o 41º executivo-chefe em 68 anos da companhia, casos eu nome seja confirmado em assembleia de acionistas.

Nos relatórios divulgados desde terça-feira, os analistas não falam em rebaixamento de suas recomendações para os papéis. Para isso, dizem confiar nos mecanismos – como a Lei da Estatais e o estatuto da companhia – que impediriam mudanças drásticas na política de preços da Petrobras no curto prazo.

A maioria dos bancos e corretoras aumentou recentemente seus preços-alvo para os papéis da estatal. De dez casas compiladas pelo Valor, nove recomendam compra das ações. Os preços para o papel preferencial vão de R$ 38, do Banco Safra, a R$ 47,80, da XP. Depois do tombo de terça-feira, a ação fechou cotada ontem em R$ 31,94, alta de 1,08%. Em 12 meses, a PN da Petrobras subiu 58%, enquanto o Ibovespa encolheu 10,81%.

As companhias do setor tiveram alta nos últimos meses diante da valorização do petróleo provocada pela guerra na Ucrânia. Os papéis da Saudi Aramco avançaram 31% em um ano, enquanto os da Equinor tiveram alta de 100%. Os ADRs da Petrobras, com referência em dólar, apresentaram ganho de 54%.

Agora, diante da nova troca no comando da Petrobras, os analistas vão esperar para ver antes de mexer nas planilhas, embora tenham deixado claro que não gostaram de mais essa surpresa.

O Citi falou sobre sobre um “loop infinito” no comando da empresa e de como isso põe em risco a manutenção da estratégia de longo prazo. “Apesar de vermos a mudança como um sinal negativo, a estatal ainda possui uma governança forte e leis que protegem o acionista minoritário contra possíveis intervenções externas”, escreveram Gabriel Barra, Andrés Cardona e Joaquim Alves Atie.

Para o BTG Pactual, a mudança reforça a dificuldade de encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses da União e o estatuto da companhia. O banco destacou que novos reajustes dificilmente serão tolerados pelo governo. Segundo os analistas Pedro Soares e Thiago Duarte, o novo indicado para o cargo de presidente, apesar de ser ligado ao mercado, vai encontrar um dilema: como preservar seu emprego ao mesmo tempo em que obedece as normas internas da Petrobras sem causar uma situação de desabastecimento de combustíveis.

As mudanças estatutárias desde dos escândalos envolvendo a empresa, assim como o reforço da Lei das Estatais, “blindam a empresa de subsidiar combustíveis como no passado, independentemente de quem ocupa a posição de presidente”, disse a XP. A rotatividade na cadeira da presidência da Petrobras é negativa, afirmou o analista André Vidal, pois não é saudável para nenhuma empresa. Porém, a troca em si não é uma mudança na política de preços de combustíveis.

A chegada do executivo, entretanto, pode significar a aplicação de política de preços de derivados ainda mais espaçada, para o analista Ilan Abertman, da Ativa Investimentos, abrindo espaço para uma vigência mais perene de preços defasados frente aos praticados no mercado internacional.

O UBS BB afirmou que a mudança na presidência da Petrobras foi uma decisão eminentemente política, que não deve gerar alterações na estratégia de preços, para sinalizar à população que o “governo está trabalhando” na questão dos combustíveis. O fato de o mandato de Paes de Andrade ser potencialmente curto, com as eleições presidenciais em outubro, deve impedir mudanças drásticas nas políticas da estatal, afirmaram os analistas Luiz Carvalho, Matheus Enfeldt e Tasso Vasconcellos.

O Credit Suisse reforçou o caráter político da mudança. “Além de enviar uma mensagem à população, mostrando o compromisso com a mudança da narrativa do preço alto do combustível, nos perguntamos o que outro presidente poderia fazer diferente das estratégias anteriores”, escreveram os analistas Bruno Montari e Guilherme Levy, do Morgan Stanley.

A indicação de Paes de Andrade pode encontrar resistência nos comitês internos da Petrobras, afirmaram os analistas do Itaú BBA, por não cumprir os requisitos mínimos para assumir o cargo. Os analistas Monique Greco e Eric de Mello lembraram que a companhia exige pelo menos dez anos de experiência com liderança, preferencialmente no setor.

“Por melhor que ele seja, alinhado com o Ministério da Economia, aparentemente não cumpre os requisitos mínimos, o que vai dar problema”, afirmou Carlos Daltozo, diretor de renda variável da Eleven. Ele comparou as sucessivas mudanças no comando da Petrobras a um “clube de futebol que troca de técnico a cada derrota”.

Ontem, a agência de classificação de riscos Moody’s informou que mudanças constantes no comando da Petrobras podem enfraquecer as métricas de crédito da companhia e exigem uma vigilância constante sobre os atos do seu conselho de administração. Os analistas Nymia Almeida e Marcos Schmidt escreveram que, mesmo sem chances de mudanças nas políticas, é necessário monitorar a independência do conselho.

O Goldman Sachs disse menter uma visão positiva sobre a Petrobras, apesar das notícias. “Vemos a tese atrativa, com um rendimento de dividendos de 35% em 2022, com espaço limitado para intervenções”, afirmaram os analistas Bruno Amorim, João Frizo e Guilherme Costa Martins.

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