Análise: Por que mesmo devo me preocupar com ESG?
Maioria dos brasileiros desconhece a sigla, mas apoia ações relacionadas à pauta social, ambiental e de governança, escreve Sheila d'Amorim no JOTA
A pergunta veio de uma amiga após ver colegas comentando comigo, há algumas semanas, a estreia desta coluna aqui no JOTA. O questionamento dela é o mesmo de centenas de outros profissionais que desconhecem o assunto ou simplesmente o encaram como aquele fundo desfocado da fotografia no modo retrato do celular: você sabe que há algo ali, mas se concentra mesmo na nitidez do que está mais à frente e deixa o resto de lado.
Pesquisa feita pelo Google com 3.000 brasileiros maiores de 18 anos de idade, no início deste ano, aponta que 4 em cada 5 nunca tinham ouvido falar sobre ESG. No entanto, quando questionados sobre as ações relacionadas à pauta que envolve essas três letras, 87% afirmam que consideram importante que as empresas deem atenção ao tema. Ainda assim, menos da metade soube citar o nome de uma empresa que identificasse como referência dessa prática.
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Com isso, acredito que a melhor forma de responder ao questionamento da minha amiga (aqui representando um grupo grande de brasileiros) é aproveitar este espaço e tentar tangibilizar um pouco o significado da ESG nas nossas vidas. A partir daí, deixo a reflexão sobre se preocupar, ou não, livre para cada um dos leitores.
Então, vamos lá. Primeiro, gosto de enxergar ESG como um modo de pensar e agir. A sigla engloba ações de governança nas áreas ambiental, social e corporativa (do inglês Environmental, Social and Corporate Governance). Exatamente três frentes que, durante décadas, foram tratadas de forma isolada (ou nem isso) e que, como ninguém conseguia mensurar os ganhos na hora de calcular o lucro das empresas, iam ficando sempre de lado. Isso, mesmo sabendo que atuar em prol do tema atacaria problemas que minam a sustentabilidade do negócio.
Meio ambiente
Talvez, a questão ambiental seja a ponta mais antiga da sigla a gerar algum tipo de movimentação dentro das empresas e sensibilização coletiva. Desmatamento, a preservação da Amazônia, o buraco na camada de ozônio e crise hídrica, por exemplo, são temas que, com certeza, você e boa parte dos brasileiros já ouviram falar e até discutiram um dia. Mesmo que não tenham dado a devida atenção.
A frente ambiental dentro do conceito ESG foca em práticas que pensam como um negócio pode ser desenvolvido e, ao mesmo tempo, ajudar na preservação do meio ambiente, no uso dos recursos naturais de forma sustentável, na recuperação de áreas degradadas, entre outras. E as ações são as mais diversas: vão de redução de uso de poluentes, a reciclagem e reaproveitamento de materiais, proteção de fauna e flora, a medidas simples, como diminuição do uso de impressoras, de copos descartáveis e de sacolas plásticas (para evitar que elas acabem jogadas ao mar provocando a morte das tartarugas, símbolos de projetos de proteção ambiental). E, nesses casos, você pode ajudar adotando as práticas e, sobretudo, induzindo seus colaboradores, parceiros e público com o qual se relaciona a fazerem o mesmo.
Se a preservação do meio ambiente é motivo de polêmica, a desigualdade social também levanta debates acalorados. E, aqui, dois pontos ilustram bem o pilar social na sigla ESG: a diferença nos salários de grupos minorizados e a dificuldade de inserção de muitos deles no mercado de trabalho. Por isso, gênero, raça, pessoas com alguma necessidade especial (PcD), classe social, idade são temáticas que ganham cada vez mais destaque e estão ligadas diretamente ao relacionamento das empresas com a comunidade aonde estão inseridas.
Saber cuidar
Esse pilar concentra ações práticas que visam a melhoria de renda, saúde e bem-estar e respeito aos direitos humanos e trabalhistas. Trata-se de criar equipes diversas, com representatividade e atuação de diferentes perfis além de garantir que o reconhecimento da competência na forma de remuneração desconsidere gênero, raça, religião, nível social ou o que seja. Ao mesmo tempo, é preciso assegurar que todos tenham acesso às oportunidades. Outro dia li um protesto nas redes sociais de uma menina de baixa renda contra a exigência de vários cursos básicos na área de tecnologia para uma vaga de estágio. Afinal, se a pessoa mal tem acesso a um computador como poderia ter feito esses cursos? Muitas vezes, o estágio é a forma de viabilizar esse conhecimento.
E, aqui, vale destacar a importância da disseminação dessa visão dentro das empresas. Os antigos departamentos de Recursos Humanos, até então muito focados em gestão de processos que visavam apenas o “controle” (do ponto à folha de pagamento, passando por imposições de regras e mais regras) precisam se modernizar para focar em “cuidar”.
Engajamento, sensação de pertencimento, desenvolvimento de competências e comportamentos, acesso e distribuição de conhecimento, além da preocupação com a comunidade local (com iniciativas de voluntariado e de mobilização em campanhas de interesse social) são priorizados.
Uma prática que começa a ganhar espaço é o “recrutamento às cegas”, onde a primeira fase da seleção de um profissional não expõe informações como nome, idade, gênero, a faculdade onde ele se formou ou nome de empresas onde trabalhou. O foco é mapear as habilidades e competências das pessoas sem se preocupar com outras características. Uma tentativa de eliminar vieses inconscientes. Nesse pilar, o olhar deve ser para dentro e para fora das empresas.
Corrupção e transparência
Na sequência, fraudes e corrupção invadiram a casa dos brasileiros de uma forma avassaladora, já que dificilmente esses temas estão fora dos noticiários diários. E a transparência na atuação se firmou como um instrumento importante para se diferenciar no mercado.
As práticas, neste caso, estão empacotadas em normas e processos que visam a prestar contas e deixar claro que a estratégia do negócio está alinhada com um ativo essencial: ética. E, nessa frente, toda uma estrutura que viabiliza o debate, a prestação de contas e a fiscalização é adotada com a instituição de conselhos que supervisionam a gestão do negócio, mostram compromisso com a estratégia, geram confiança e ajudam a construir credibilidade.
Assim, o modo de pensar e agir ESG agrupa três frentes que, isoladamente, passaram décadas enfraquecidas e esquecidas, mas que, juntas, se fortalecem como a base para a conquista de novos mercados, crescimento dos atuais, atração e retenção de talentos, de investidores e entrega de melhores resultados. Há alguma dúvida, ainda, se você deve se preocupar com isso? Até daqui a 15 dias.