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Análise: Igualdade de gênero no ESG
A igualdade de gênero em um mundo em turbulência, depois da pandemia, sofreu um retrocesso, segundo relatórios da ONU, que apontam um recrudescimento da pobreza, falta de emprego, menos saúde e mais violência voltada às mulheres em todo o mundo. E, embora pesquisas — como a do International Centre for Economic Analysis — apontem que a presença de mais mulheres em cargos de liderança traz benefícios financeiros e de sustentabilidade para as organizações, ainda não se pode afirmar que a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) tenha uma pauta consistente voltada às questões de gênero.
As mulheres brasileiras apresentaram importantes conquistas nas últimas décadas em decorrência da promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou a igualdade entre os sexos e, consequentemente, direitos civis e políticos, corroborados, inclusive, pelo advento do Código Civil de 2002. Com efeito, houve certa ruptura com parte do ordenamento jurídico patriarcal. Ressalte-se a importância da participação ativa das mulheres no processo de redemocratização do país, principalmente através da elaboração da “Carta das Mulheres Brasileiras” aos constituintes, que buscava a garantia formal de diversos direitos, como a proibição de discriminação e a proteção especial do sexo feminino, mediante incentivos específicos, no âmbito do mercado de trabalho, de acordo com Flávia Piovesan.
Contudo, o que pode ser observado é que, apesar de as mulheres representarem 52% da população brasileira e de possuírem maior média de anos de estudos em comparação aos homens, o que as possibilitou uma maior participação no mercado de trabalho nos últimos anos, os estereótipos de gênero ainda estão impregnados na estrutura social, segundo análise realizada no artigo “IBGE: mulheres somavam 52,2% da população no Brasil em 2019”, por Alana Granda.
Tanto é verdade que as mulheres ocupam com maior prevalência setores considerados tradicionalmente femininos, ligados diretamente às funções de cuidado e, consequentemente, à feminilidade, como enfermagem, educação, limpeza e serviços sociais. Isto é, embora tenha havido grandes avanços no que tange, principalmente, à legislação, as mulheres ainda recebem salários menores, além das possibilidades de crescimento na carreira serem escassas. Não obstante, na maioria das vezes, desempenham dupla ou tripla jornada, já que também são responsáveis pelos cuidados dos filhos e pelas tarefas domésticas.
Como efeito da construção social do gênero, que estabelece os papéis e comportamentos sociais esperados para cada um dos sexos, em muitos dos casos as mulheres acabam absolutamente sobrecarregadas, o que faz com que tenham menos disponibilidade de tempo para desempenharem outras funções fora dos espaços domésticos e/ou que se submetam a trabalhos precários e desvalorizados. Há, por exemplo, a feminização do emprego doméstico, haja vista que as mulheres correspondem a 90% dos trabalhadores do ramo no Brasil, sendo que a grande maioria não tem os direitos trabalhistas respeitados, conforme apontou Maria Cristina Aranha Bruschini em “Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos”.
O Brasil já vivia uma crise econômica desde 2014. Houve queda do PIB, aumento do desemprego, segundo análise de Fernando de Holanda Filho Barbosa em “A crise econômica de 2014/2017” para a Revista Estudos Avançados. Em março de 2020, o mundo foi surpreendido com a decretação do estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), gerando uma crise sanitária, econômica, social e, também, humanitária.
Além das mortes em decorrência da Covid-19 e dos impactos no âmbito da saúde, diversos estabelecimentos e instituições de ensino precisaram suspender as atividades presenciais como uma tentativa do poder público de conter a taxa de transmissão do vírus. À vista disso, o número de pessoas desempregadas aumentou no Brasil, fazendo com que o poder de compra fosse prejudicado, levando, por conseguinte, muitos indivíduos à situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica.
Não foi à toa que a desigualdade atingiu o patamar mais alto da história brasileira no primeiro trimestre de 2021, conforme reportagem da revista Veja intitulada “Desigualdade social aumenta e felicidade do brasileiro cai na pandemia”. Em relação especificamente às mulheres, o desemprego passou de 14,5% no primeiro trimestre de 2020 para 16,4% no quarto trimestre de 2020, consoante reportagem de Daniel Silveira e Darlan Alvarenga para o portal g1.
Com a suspensão das atividades escolares presenciais, as mulheres mães certamente ficaram ainda mais sobrecarregadas, haja vista que o colégio funciona como principal rede de apoio na maioria dos casos. Isto é, foi necessário que conciliassem o teletrabalho, os cuidados da prole durante o dia e noite, o acompanhamento da rotina escolar que passou a ser online, as tarefas domésticas, além de toda carga mental advinda das inseguranças em razão da Covid-19.
Há aquelas que tiveram que afastar-se do mercado de trabalho por exercerem atividades que não podiam ser realizadas à distância, justamente por não poder contar com a usual rede de apoio. E ainda aquelas que continuaram a expor a si e à sua família, diariamente, pois o teletrabalho ou o afastamento do mercado de trabalho não era uma opção – caso das mulheres de baixa renda, como as diaristas e empregadas domésticas. Apesar de o governo ter editado a MP 936/2020, que englobava a categoria das empregadas domésticas, a medida não pôde ser aplicada de forma majoritária, já que a maioria destas mulheres continuam atuando na informalidade.
Aqui traçamos o histórico de alguns dos direitos das mulheres conquistados no Brasil, desde o advento da Constituição Federal Cidadã, mas o fenômeno da desigualdade de gêneros ultrapassa as nossas fronteiras. Segundo o Fórum Econômico Mundial, a paridade de gênero, por conta do coronavírus, foi adiada por mais uma geração, e o Brasil ocupa a 93ª posição entre os 156 países que integram a lista, o que reforça a urgência de estudos/medidas que busquem encurtar o caminho no que tange às mudanças estruturais na sociedade.
Em 2015, no septuagésimo aniversário da ONU, foi desenvolvido um plano de ação universal com o objetivo de que ocorra um desenvolvimento global e sustentável, a Agenda 2030. Para tanto foram criados 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas, sendo que os objetivos 5 e 10 são, respectivamente, igualdade de gênero e redução das desigualdades.
É incontestável a necessidade de criação de políticas públicas que objetivem a redução da desigualdade de gêneros, mas será que essa é uma responsabilidade apenas dos governantes? Do Poder Legislativo?
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU são ações que envolvem a sociedade civil, os entes públicos, as empresas e os legisladores na busca por um mundo diverso, incluso e sustentável. É preciso que cada um tenha uma visão global sobre os acontecimentos e entenda qual o seu papel neste contexto.
A sigla ESG surgiu em 2005 durante conferência da ONU e resultou no relatório “Who Cares Win”, em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas[5], mas somente nos três últimos anos o tema se transformou em pilar relevante no meio empresarial — apesar de muitas empresas já atuarem em conformidade com a sigla.
Em suma, ESG é um conjunto de práticas empresariais voltadas para os eixos ambiental, social e de governança. Cada empresa pode estruturar uma área interna ou contratar uma assessoria para realizar um mapeamento e identificar se seus projetos/procedimentos estão em conformidade com estes temas que são de extrema relevância globalmente.
Nessa ordem de ideias, chama-nos atenção aqui o eixo social, diretamente ligado à questão da igualdade de gênero. Com a paridade de gênero adiada por mais uma geração em razão da pandemia da Covid-19, qual a contribuição das empresas na diminuição dessa desigualdade? Qual sua responsabilidade e função social diante de um tema tão delicado e relevante?
A paridade de gênero é um fenômeno que tem sido buscado há mais de um século e que vem sendo construído de forma lenta e gradual no decorrer das décadas. Quando uma empresa se propõe a implementar as práticas ESG, ela adquire uma melhora reputacional perante seus clientes, fornecedores, parceiros e investidores. Ocorre a consolidação da sua atuação no mercado e o aumento de lucro devido à chegada de novos clientes, diminui o risco de fiscalizações, já que atua em compliance com as legislações, entre outros benefícios.
Mas além de todas as vantagens aqui citadas, é preciso que essas empresas tenham consciência da função social que exercem e implementem práticas que contribuam, por exemplo, para o aumento do quadro de mulheres nos cargos de liderança, e ofereça ações sociais visando atingir mulheres de baixa renda, contribuindo para a localidade onde atuam.
Mas fato é que as mulheres, certamente, gostariam que o pilar “G” do ESG correspondesse a “gênero” e não a “governança”, para que a igualdade de gênero ganhasse mais peso, permitindo que os investimentos nos talentos femininos sofressem um crescimento significativo dentro das corporações, embora reconheçamos que tem evoluído.
Podemos constatar que o pilar “S” como um todo tem tratado da diversidade, inclusão e equidade da força de trabalho, mas a revolução da igualdade de gênero ainda não chegou às empresas pelo percentual de mulheres em cargos de liderança. Segundo pesquisa da B3, 61% das empresas não têm uma única mulher no seu corpo executivo, enquanto elas são metade da população mundial. A demanda pela mudança continua. Na discussão sobre a diversidade de gênero não podemos perder o foco de que as mulheres constituem o maior grupo vulnerável a enfrentar desigualdade e discriminação quando tratamos da sustentabilidade corporativa.
(Por Yun Ki Lee e Tereza Cristina Oliveira Ribeiro Vilardo, sócios do escritório de advocacia Lee, Brock, Camargo Advogados)
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