Americanas avalia caminhos para manter operação de pé
A Americanas precisa manter a operação rodando nas próximas semanas, enquanto começa a montar o seu plano de recuperação judicial. E há algumas soluções emergenciais na mesa, apurou o Valor. Com estoques em queda, especialmente de alimentos e bebidas, e linhas de financiamento de bancos e fornecedores muito reduzidas ou fechadas há mais de dez dias, passa a ser fundamental montar alguma estrutura de crédito para a operação.
O varejo é um dos negócios mais dependentes desse fluxo porque ele financia os seus clientes. Pelo seu modelo no Brasil, redes vendem a prazo em longas parcelas, mas pagam fornecedores em períodos mais curtos, o que torna intensa a demanda por capital de giro. Quando esse sistema deixa de rodar, há poucos caminhos possíveis para tentar dar fôlego novo, pela alta dependência das linhas de bancos e da indústria.
Fontes afirmam ao Valor que os acionistas de referência varejista – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – teriam sondado grupos de investidores e bancos não afetados pela atual crise. A ideia seria montar um fundo de crédito com os recebíveis da empresa. “Há uma discussão, mas ainda não está claro um apoio de investidores a essa ideia”, reforça uma pessoa a par do tema. Nessa operação, o banco ficaria com as contas a receber de cartões de crédito e anteciparia os recursos à Americanas. O banco receberia no fluxo do pagamento dos cartões, com desconto em cima do montante antecipado.
Trata-se de uma operação tradicional, feita diretamente pelas varejistas com os bancos. Mas no caso da Americanas, as antecipações de recebíveis encolheram ou foram canceladas nas últimas duas semanas. Em setembro, a Americanas registrava R$ 5,2 bilhões em contas a receber desse tipo de operação.
“A questão é que, pelo risco da rede, não há garantias que isso não vá parar na recuperação judicial, mesmo que os recebíveis sejam de propriedade da empresa numa recuperação. Deve pesar o nível de pressão dos bancos sobre eventuais créditos que ela poderá dispor”, diz uma segunda fonte.
Outro caminho – nos últimos anos, bem recebido pelo mercado em recentes recuperações judiciais -, envolve o “DIP Financing” (“devedor em posse”), apurou o Valor. Essa operação de financiamento ocorre apenas nas recuperações judiciais e pode ser feita junto a fundos de investimento.
Incluída na reforma de Lei de Falências de 2020, essa modalidade de financiamento permite o recebimento dos valores fora do concurso de credores, o que pode ser um motivador ao financiador.
Mas para avançar, dependeria da aprovação dos credores e do juiz do caso – e a empresa ainda está na fase de definir o seu plano de
recuperação judicial no intervalo de 60 dias. A Americanas teve o pedido de recuperação aceito há uma semana. O fundo investidor da DIP ainda pode ter benefícios numa negociação com ativos – a varejista estuda a venda de negócios para pagar credores como a Hortifruti Natural da Terra.
Ainda circulam informações no mercado sobre a possibilidade de a rede negociar operações de “bridge financing” (empréstimo-ponte), com financiamentos de prazos mais curtos, mas taxas altas, com bancos de investimento ou investidores de risco, cuja garantia seriam as unidades ou os ativos da Lojas Americanas, diz uma terceira fonte. “O problema é que, como os prazos são muito curtos, os juros são bem elevados no mês, e teria que ter outra solução rápida ao fim do prazo do empréstimo”, diz um gestor de fundo imobiliário. Procurada, a Americanas não se manifestou.
Hoje, cerca de R$ 1,65 bilhão em dívidas da rede com os bancos BTG, BV, Safra e Bradesco estão bloqueados em conta do processo da recuperação judicial. Em setembro de 2022, em caixa e equivalentes, a Americanas tinha cerca de R$ 4,3 bilhões. Esse montante chegou a R$ 7,8 bilhões em 12 janeiro, logo após a rede comunicar a investigação a respeito de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões em seus balanços. Apenas seis dias depois, a soma já havia caído para R$ 800 milhões – equivalente a quase a metade das obrigações trabalhistas em setembro de 2022. Bancos compensaram suas linhas em aberto e o caixa diminuiu.
“Ainda houve pagamentos à indústria e aluguel de lojas. Isso tudo foi drenando o caixa. O que acontece é que, o varejo vive de recebíveis de cartão, porque o dinheiro mesmo que entra direto no caixa é pouco, via Pix, basicamente. Então se há uma ‘seca’ no caixa de repente, você não consegue equilibrar isso rápido”, diz uma pessoa a par da situação da empresa.
Antes da crise, a empresa tinha cerca de 15% a 20% de sua receita de vendas oriunda do Pix, apurou o Valor, o que pode ser um aspecto positivo neste momento.
Para manter uma rede varejista oxigenada, no dia a dia do negócio, há, em linhas gerais, quatro possibilidades: usar recursos do caixa para pagamentos à vista, acessar linhas do risco sacado (antecipação de recursos junto a bancos), financiar produtos diretamente com a indústria e fechar compras de fornecedores por meio de linhas de seguradoras de crédito. Todas as condições estão comprometidas para a Americanas em diferentes níveis.
O risco sacado, centro da crise na empresa, foi interrompido nos bancos credores. E a soma no caixa é limitada para pagamentos à vista – o Valor apurou que pedidos têm sido colocados para os fabricantes de alimentos e bebidas em casos específicos. Essas mercadorias têm de 30 a 40 dias de estoques, em média, menos que eletrônicos. Portanto, a Americanas tem hoje um curto período para tentar reforçar as linhas, e evitar desabastecimento. “O que eles têm feito é chamado o comercial de uma conta grande, e tentado negociar alguma coisa. Praticamente não há seguradora de crédito em alimentos e bebidas. Se não pagar, quem dança nessas horas é a indústria”, diz o vice-presidente comercial de uma rede de varejo.
As seguradoras de crédito internacionais, como Coface, Allianz Trade e AIG, cortaram a linha para a empresa há mais de dez dias, apurou o Valor. As companhias não se manifestam e estão acompanhando o caso.
Por Adriana Mattos, do Valor Econômico
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