‘Ajustes acabaram e XP está superpreparada’, diz CEO
Após anos de crescimento acelerado, a XP perdeu ritmo em 2022. A concorrência aumentou, e os juros altos deixaram o investidor pouco disposto a se aventurar além da renda fixa. A mudança de cenário cobrou seu preço nas ações da empresa, que caem mais de 63% em 12 meses.
A companhia, entretanto, se mexeu. Fez ajustes na equipe, cortou custos e continua investindo na diversificação das linhas de negócios. O foco ainda é o cliente investidor, mas em volta dele a XP vem construindo serviços adicionais, como crédito, seguros e outros. É com eles que pretende tornar as receitas mais resilientes às oscilações econômicas.
A expansão no crédito será gradual e com pouca tomada de risco. “O nosso [cliente] pode levantar, ir embora e procurar outro player. Daí o capricho, a qualidade, ir fazendo aos poucos”, diz José Berenguer, CEO do Banco XP. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelos executivos:
Valor: A XP veio de alguns anos de crescimento forte e perdeu o ritmo em 2022. O que aconteceu?
Thiago Maffra: A XP nasceu da educação financeira de as pessoas investirem na bolsa e veio virando o que vocês conhecem. De 2017, 2018 para cá, vivemos cinco anos de ‘bull market’. Foram anos de crescimento exponencial e a gente dobrou lucro ano contra ano. Desde 2019, a gente vem investindo em novas linas de negócio. Começou com a criação do Banco XP, a vinda do Zé [José Berenguer]. Essas verticais faziam zero de receita e representaram 8,5% ano passado. Neste ano, devem ir a 11%, 12%. São complementares ao negócio de investimento, trazem muita resiliência. Quando a gente olha 2022, é óbvio que não foi um ano incrível. Dado todo o cenário macro, nosso ‘core business’ sofreu muito mais. Algumas linhas chegaram a cair mais de 20%, e ainda assim a XP conseguiu crescer a receita em 10% e manter o lucro.
Valor: Foi um ano pior do que previam?
Maffra: No começo de 22, vimos que ia ser um ano difícil do lado macro, com juros subindo rápido e inflação alta no mundo inteiro. Teve pandemia, guerra na Ucrânia, eleição, Copa do Mundo. Nosso business é de relacionamento, de confiança, as pessoas precisam ter clareza do que está acontecendo para diversificar os investimentos. A gente segurou muito custo, só que ao longo do ano vimos que o cenário ia ser pior do que prevíamos e mais longo. Em outubro, fizemos novos ajustes. Acabamos em janeiro, e 2023 vai ser um ano difícil de novo. Estamos com a empresa superpreparada.
Valor: Os resultados da XP no quarto trimestre decepcionaram. O que esperam para este ano?
Maffra: Nosso business é de relacionamento. A gente tem 12,3 mil agentes autônomos e mais 1,5 mil internos. As pessoas precisam falar com cliente, estar com confiança, trabalhando. Quando pega dois turnos de eleição, um cenário de incerteza altíssimo, o agente autônomo se esconde, não quer ligar para o cliente. Na Copa do Mundo, foram 20 dias que pararam. Tivemos um trimestre prejudicado. Na nossa visão, algo sazonal, e já vemos um primeiro trimestre [de 2023] com uma recuperação forte.
Valor: Há uma revisão de estratégia da empresa?
Maffra: A estratégia continua sendo foco no cliente investidor, não queremos ir para a base da pirâmide. A XP recebe vários prêmios de melhor casa de investimentos. É questão de tempo ser a maior. Essa indústria tem R$ 13 trilhões, R$ 14 trilhões de investimentos se pega pessoa física e jurídica, e a XP está chegando perto de R$ 1 trilhão. Tem um market share muito pequeno, principalmente nas pontas, o varejo até R$ 100 mil, e os clientes ‘ultrahigh’, os multimilionários. Temos algo como 2% em baixo e 5% no topo. Nosso diferencial é vender um serviço de ‘asset allocation’ [alocação de ativos] mais qualificado e humanizado. Investimento é um business de confiança. Ele confia a poupança dele na XP, os sonhos dele. A partir daí, fazer o cross-sell, se fizer sentido, vender seguro, cartão de crédito fica muito mais fácil. E tem a vertical de atacado, o mundo novo. A XP entrou nela porque precisava criar produtos, tão simples quanto isso, originar, estruturar e criar produtos para vender aos clientes. Daí nasce o banco de atacado.
José Berenguer: Tinha demanda dos clientes corporativos. À medida que vai criando produtos, começa a ter um atendimento mais próximo. Tem pessoa jurídica aqui com R$ 5 milhões de faturamento e com dezenas de bilhões. O mesmo raciocínio vale para o institucional, que queria acessar nosso balcão para distribuir o produto dele. Beleza, mas vem conhecer meus produtos também. Tenho corretagem, research, execução. Com isso a XP desenvolve esse ecossistema que foi baseado na força do varejo lá de trás.
Fez todo esse crescimento construindo tudo com o máximo de eficiência? Acho que não, está aqui a prova
José Berenguer, CEO do Banco XP
Valor: Esse ecossistema está pronto agora?
Maffra: Tem duas diferenças da XP para os bancos. Uma é crédito. A gente tem um balanço muito pequeno. A XP vem criando novas iniciativas de crédito, imobiliário, colateralizado, o próprio cartão de crédito. Mas tem um risco de crédito muito baixo aqui dentro. O segundo ponto é que os bancos têm 50 anos, 70 anos, 80 anos. A gente virou banco em 2019, construir uma oferta de produtos demora. Hoje, para pessoa física, tem uma oferta bem mais ampla, conta, cartão, seguro de vida, previdência própria, câmbio, conta internacional. Quando se olha a nossa parte de custos, tudo que veio aumentando nos últimos anos foi para colocar essas linhas de pé. Esses produtos estão começando a ‘rampar’ [escalar], estão num período de maturação, de aperfeiçoamento de experiência. A gente vai criar uma ou outra coisa. Um exemplo, nossa conta não tem cheque especial ainda. Sai agora em abril. Mas a grande base para pessoa física já foi feita, agora é penetrar. Para dar uma ideia, cartão, que é o mais antigo, tem 16% de penetração [adesão entre clientes da própria XP]. Quando pega seguros, tem 1%. Câmbio, vai para 1,5%, conta internacional, 1,5%, em crédito é 0,8%. Olha o tamanho da oportunidade de cross-sell, é um processo.
Berenguer: A gente tem senso de urgência, mas o cliente investidor é diferente do que toma crédito, que depende do banco. O nosso pode levantar, ir embora e procurar outro player. Daí o capricho, a qualidade, ir fazendo aos poucos. Sabemos que temos que entregar um produto de muita qualidade, precificar da forma correta e impecável, porque senão vai gerar atrito na relação dele de investimento.
Maffra: Quando você pensa com cabeça de dono, todo mundo aqui é sócio, pensa com um mindset mais alongado, de dez anos, 20, 30 anos. Ninguém está preocupado com o bônus do semestre ou o resultado só do trimestre. Óbvio que se preocupa com preço da ação, mas nosso mindset é muito mais longo, só não pode fazer bobagem pelo caminho. Se continuar crescendo, é um jogo de juros compostos ao longo do tempo. Então, quando pensa em crédito, a gente vai com essa cabeça de começar pequeno e ir escalando de um jeito muito seguro. Vários bancos, quando tentam ir muito rápido em crédito, o tropeço é grande.
Valor: As ações da XP caíram muito desde o IPO. O investidor não tem tido dias felizes?
Maffra: No IPO, a ação saiu a US$ 27, chegou a bater US$ 52 no fim de 2021, e em 22, com todo o cenário macro e compressão de múltiplos de empresas de ‘high growth’ [alto crescimento] pelo mundo, está no preço em que está hoje, US$ 11. Quando se olham as métricas que demos no IPO, mais do que entregamos. Tivemos que revisar o guidance para cima porque estávamos entregando muito mais do que colocamos. Captamos nesses anos R$ 150, R$ 180 bilhões por ano de dinheiro novo. Nossa rede saiu de 2 mil assessores pra 12,3 mil. Os principais indicadores da empresa foram bem.
Valor: Por que o investidor não está refletindo isso nas ações?
Maffra: Teve uma mudança global de ratings, de múltiplos. A XP chegou a ser negociada a 44 vezes o lucro, hoje está a nove. Talvez 44 estivesse errado e exagerado, nove também. Para uma empresa que continua crescendo, talvez seja uma das que estão com o valuation mais descontado no mercado.
Valor: A empresa está com dificuldade de mostrar essa evolução?
Maffra: Tem muito do momento. No ano passado a gente fez até alguns ajustes de comunicação com o mercado, teve uma distância maior minha, do Guilherme [Benchimol, presidente do conselho], do top management, que estava muito focado para dentro, em colocar essas verticais de pé. A gente corrigiu isso, está conversando com vocês, fez eventos com ‘sell side’ muito com ‘buy side’, eu e o Guilherme, o Zé tem falado com investidores. Acho que teve, talvez, erros de comunicação que a gente vem ajustando. Seguramos muito custo em 2022. Viemos de anos de bull market, de muito crescimento, contratamos 4 mil pessoas na pandemia, é difícil. Falar que fez todo esse crescimento construindo tudo com o máximo de eficiência? Acho que não, está aqui a prova, a XP reduziu bastante o custo, deu um novo guidance, em que assume o compromisso de reduzir algo como quase R$ 600 milhões de custo e já fez. Tem um mix dessas três coisas: mercado, comunicação e percepção de não ter feito ajustes na velocidade que deveria.
Berenguer: A gente vai errar. Agora, a gente corrige rápido. A empresa ainda é muito ágil e fácil de se corrigir. É duro, não é agradável, mas é rápida na correção. Esperamos que erre cada vez menos, mas vamos cometer erros.
Valor: Nos últimos anos, a competição aumentou, surgiram outras plataformas e até os grandes bancos mudaram. Ficou mais difícil?
Maffra: Não vou ser arrogante de falar que os bancos não evoluíram. Abriram a plataforma, fizeram a reprecificação de serviços. Só que a XP também evoluiu. Se olhar o nível de serviço, esse é o grande diferencial. É uma empresa especialista em investimentos. Temos quase 15 mil pessoas entre assessores e advisors internos, 100% focados em prestar um serviço de asset allocation, entender os objetivos, a necessidade das pessoas no detalhe. Foi a primeira empresa a lançar um fundo de private equity de varejo. Nossa plataforma colocou acesso a Wellington, Fidelity, BlackRock, Pimco. Chegamos a bater R$ 60 bilhões offshore. A XP lançou a conta internacional, agora 100% integrada. Eles avançam, mas a gente também está sempre inovando. O nível de serviço e nossa vantagem competitiva ainda estão aqui.
Valor: O que mudou então?
Maffra: O nível de juros alto, com uma incerteza atrelada, aí esse cara fica acomodado. Ele fala, e aqui não é minha opinião, ‘não sei se o Brasil vai virar um país de terceiro mundo ou se vai dar certo, então deixa ficar quieto aqui no CDI’. Aí compra um CDB com liquidez, muitas vezes um produto isento que rende 13,75%. Isso não é investimento, é só um produto. Investimento é muito mais, é entender as necessidades do cliente, buscar uma carteira adequada. No ano passado, os bancos captaram R$ 500 bilhões em títulos curtos, uma loucura. Isso vai durar para sempre? Não, porque tenho produtos na minha prateleira melhores que aqueles a 100% do CDI. Consigo um banco médio com FGC a 115%,120% [do CDI], crédito privado com juro real de 9%. Isso é investir. Só que o cliente, dado o cenário de incerteza com juros altos, está acomodado. Quando olha os agentes autônomos, temos 70% de market share. Mas tem 80% do dinheiro dentro dos bancos. Então, como é que acelera essa saída do dinheiro dos bancos? Essa rede de disttribuição é a ponta de lança que traz o dinheiro para cá.
Valor: A XP construiu a maior rede de assessorias, mas não ficou muito dependente desse canal?
Maffra: A gente se vê como um ‘hub’ de serviços financeiros. A XP é uma casa pronta para plugar diferentes agentes do sistema. Atende consultores, gestoras, agentes autônomos. Temos advisors internos. E atendemos muitos grupos familiares. Há uma estratégia de diversificação. Não é um ou outro, o canal A ou o B. O canal de agentes autônomos pode crescer muito. São 700 mil nos Estados Unidos. O Brasil tem 18 mil. Se considerar os equivalentes nos bancos, são 45 mil. Esse número pode triplicar.
Valor: Com a nova regra da CVM, como a XP vai lidar com eles?
Maffra: A CVM acertou nesse movimento. A profissão de agente autônomo não era bem vista. Todo mundo falava dos riscos trabalhistas ou do conflito de interesses. Quando sai a regulação, é uma chancela boa. Vai trazer mais luz a essa profissão e o crescimento vai acelerar. Aquelas pessoas que têm medo de sair do banco agora vão entender e se sentir mais seguras.
Valor: Lá atrás a XP se posicionou contra o fim da regra de exclusividade na oferta de valores mobiliários sem as devidas contrapartidas. A regulação veio a contento?
Maffra: A regulação permite um acordo entre as partes de exclusividade. Era o nosso pleito, senão fica difícil. Nos Estados Unidos não existe exclusividade e mais de 90% dos IFAs [assessores] são exclusivos porque a experiência para o cliente de ter multivínculos não é simples. E a própria regulação, agora, para o agente autônomo, não é tão simples, porque coloca um custo de observância alto. Ele começa a ter que separar as ordens do cliente, o que fala com um e outro, tem que controlar o suitability [enquadramento de perfil de risco] de um lado e outro. Na prática, e a gente vê isso nos Estados Unidos, mesmo não tendo exclusividade, tem essa relação. Já acontece um afunilamento. E aí tem a relação contratual. A XP, hoje, diria que tem acordos que cobrem mais ou menos 90% da base. Fica superclaro que pode continuar existindo? Pode.
Valor: À medida que esses contratos evoluírem no tempo, como a XP pretende reter essa base?
Maffra: A gente tem contratos de dez anos com vários parceiros. Tem ‘equity in’ em algumas operações, no modelo de DTVM, o permitido antes da regulamentação. Com a mudança, agora usa as cascas, as estruturas de agente autônomo. Elas podem ter sócios investidores. Pode ser que tenha equity em algumas casas, pode ser que não, mas a regulação ficou flexível e favorável a acordos bilaterais.
Valor: Se 2022 foi um ano mais duro que o esperado, por que a carta do Benchimol para os assessores?
Maffra: Guilherme sempre foi de dar muitos chacoalhões. É mais nessa linha, não tinha nada diferente, pior naquele momento. Ele é bem presente na rede, é um símbolo para a empresa, obviamente. Ele criou o agente autônomo, tem uma proximidade grande.
Valor: Quais os planos para a XP Empresas?
Berenguer: A gente tem 55 mil CNPJ ativos. Esse cliente entrou na XP porque tinha superávit de caixa, e investiu porque aqui tinha bons produtos. O ecossistema vai se retroalimentando e a gente vai criando produtos. Estamos uns dois anos atrás, comparado com a pessoa física, que tem um grau de completude maior. Por exemplo, a conta corrente PJ ainda é muito inferior à conta PF. Durante este ano, vamos fazer um bom ‘catch up’.
Valor: Empresas são mais dependentes de crédito. Nessa carteira, a XP também vai crescer devagar?
Berenguer: A gente tem uma cabeça de reter muito pouco risco de crédito no balanço. Aliás, risco de mercado e de crédito.
Maffra: A gente sempre preza por ter um modelo mais asset light, não quer concorrer com um balanço de trilhões dos bancos, não é assim que nós somos.
Berenguer: Daqui a três, cinco anos, a vida do cliente vai ser muito diferente do que é hoje. A tecnologia vai acelerar a possibilidade de ele comprar produtos de diversos provedores de forma muito mais fácil do que hoje. Essa questão de portabilidade de crédito está avançando, você transfere a operação, transfere as garantias, o mundo vai ser outro. O que a gente tem que ter é a melhor experiência na ponta, a melhor precificação. E de repente, vou oferecer um produto meu, um produto de terceiro, não tem problema. O que vai fazer a diferença é a qualidade do atendimento, da entrega e a precificação. Posso te dar cashback, toma aqui R$ 9 mil, R$ 10 mil para portar essa operação. A abertura de dados vai fazer muita diferença. É para isso que a gente está se preparando.
Valor: Este ano, como disseram, também parece que será difícil, com baixo crescimento e juros altos. O que estão vislumbrando?
Berenguer: Primeiro, a propensão dos agentes financeiros a emprestar dinheiro hoje é inferior do que era 90 dias atrás. Isso vale para banco europeu, americano e vale para a gente aqui também, em função dos eventos de crédito. O crédito vai ser mais restritivo, mais caro, ou os dois. A segunda coisa é a expectativa. O que a gente sente com os clientes na ponta é que os agentes econômicos estão dando uma segurada. Vamos ver o que vai acontecer com o arcabouço fiscal, esse ruído de Banco Central etc. Lá fora tem tido muita volatilidade, um clima de menor atividade econômica. Então, o PIB vai ser meio para cima, zero a zero, um pouquinho mais, um pouquinho menos. E vai ser um ano de taxas de juros ainda elevadas, mesmo que o BC, em algum momento, comece a cortar. O primeiro ano desse governo que está tomando posse das cadeiras e começando a fazer as peças se movimentarem. Talvez o que a gente precisa é um pouco menos de ruído para que as decisões de investimento comecem a acontecer. É para isso que a gente fez um ajuste na companhia. É um ano de acomodação, para acertar a questão fiscal e entrar em 2024 com uma perspectiva melhor.
Valor: O cenário não favorece uma queda rápida dos juros. Qual a estratégia da XP, já que taxas altas levam o investidor a evitar risco?
Maffra: No ano passado, o juro já estava alto e captamos R$ 155 bilhões. A gente ganhou 0,4 ponto percentual de market share em investimentos, só que, em anos com cenário mais favorável, cresce 2 pontos. Ainda cresce num cenário mais adverso, só que mais devagar. Todos os ajustes na empresa são para entregar crescimento em 2023, independentemente do cenário. Se nada mudar, entrega x. Se ventar a favor entrega muito mais, porque tem uma empresa com uma alavancagem operacional gigantesca e não precisa fazer investimentos faraônicos.
Valor: Os cortes de pessoal anunciados em janeiro já contemplam toda a arrumação?
Maffra: 100% feitos.
Por Adriana Cotias e Talita Moreira
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