Eletrobras (ELET3; ELET6): veja como a ofensiva do governo na Justiça preocupa investidores no mercado

Ações da empresa caíram após União recorrer ao STF para ampliar poder na empresa

Empresas citadas na reportagem:

As ações com direito a voto da Eletrobras (ELET3) recuaram na segunda-feira 1,71%, a R$ 33,38, depois que o governo entrou, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para ampliar seu poder na empresa.

Uma das regras da privatização da companhia foi limitar a participação de voto dos acionistas a 10%, já que ela se tornou uma corporation, uma companhia sem controlador definido.

O atual governo, porém, quer ter peso proporcional à fatia de mais de 40% das ações que detém na Eletrobras (incluindo participações diretas e via BNDES). Durante o pregão, os papéis da empresa chegaram a cair mais de 3%.

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) requer a declaração parcial de inconstitucionalidade de um artigo da lei que prevê a restrição de voto aos acionistas que detenham, individual ou coletivamente, mais de 10% do capital votante da empresa.

Contraria premissa legal

A Eletrobras informou, por meio de fato relevante, que tomou conhecimento da ação por meio de notícia publicada no site da AGU. No comunicado, a empresa reforça que a finalidade da ação do governo não seria a reestatização da companhia nem a alteração de seu regime jurídico vigente, mas afirma que, caso o pedido seja aceito, “a União e seu grupo potencialmente recuperariam a preponderância nas deliberações da assembleia geral.”

De acordo com a companhia, isso contraria as “premissas legais e econômicas que embasaram as decisões de investimento do mercado”, inclusive de milhares de trabalhadores que compraram ações da Eletrobras com recursos do FGTS, a partir da modelagem de privatização desenvolvida pela União.

A empresa acrescenta que o processo de privatização foi conduzido em conformidade com a Constituição e que avaliará as medidas que eventualmente devam ser adotadas para manter um ambiente confiável para a realização de investimentos pela Eletrobras no país e a segurança jurídica de todos os acionistas e do mercado.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de questionar a privatização da Eletrobras causa “preocupação muito forte”.

“Essas questões de rever privatização preocupam. Você pode até não privatizar mais, não propor nenhuma privatização, mas mudar um quadro que já está jogado e definido, e com muitas pessoas, muitos grupos e muitos países investindo, realmente causa ao Brasil uma preocupação muito forte”, afirmou em entrevista à CNN Brasil.

De acordo com Lira, antes da privatização, no ano passado, a Eletrobras não tinha capital suficiente para investimento e prestava serviço “de péssima qualidade”. Em visita a Londres durante a coroação do Rei Charles III, Lula voltou a criticar o processo de privatização da empresa e disse que pretende entrar com nova ação questionando a capitalização.

Efeito a outras empresas

No mercado financeiro, analistas mostraram preocupação com as incertezas adiante para a companhia após a decisão do governo de recorrer ao STF.

“A privatização é vista com bons olhos pelo mercado, o que explica a reação negativa. A pauta econômica do governo é obscura em vários temas, mas em relação às estatais é nítida a vontade de retomar mesmo, que em parte, esse controle”, afirmou o CEO da Box Asset Management, Fabrício Gonçalvez.

No ano, os papéis ordinários (com voto) da Eletrobras caem 20,23%, e os preferenciais (sem voto), 11,81%. Na avaliação do BTG Pactual, remover o limite de 10% dos votos que a União possui na Eletrobras seria o oposto do motivo que levou investidores a participarem da oferta de ações.

“Os investidores participaram da oferta porque ela deu a oportunidade de investir em uma empresa muito melhor administrada, com grande espaço para crescimento, com disciplina de capital e influência limitada do governo (ou de qualquer acionista individual). Por isso, o limite de 10% dos votos foi fundamental para o sucesso da operação”, destacam os analistas do banco, ressaltando que a privatização foi aprovada pelo Congresso, tendo parecer positivo do Tribunal de Contas da União (TCU).

“Tentar burlar essas instituições e decisões já aprovadas por meio de processos democráticos é um precedente preocupante não só para o setor, mas para outras empresas privadas e reguladas”, acrescentam.

Segundo Romário Batista, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), se o pedido do governo for aceito, isso pode afetar as modelagens de privatização de Copel, Sabesp e Cemig, que estão em estudo.

“Isso traria também prejuízo aos investimentos em infraestrutura no país, nas diversas modalidades, pela insegurança jurídica e pelo abalo na confiança governamental quanto ao cumprimento de contratos.”

‘Ambiente negativo’

O ministro Kássio Nunes Marques, do STF, foi escolhido relator da ação apresentada pela AGU. A distribuição do processo ocorreu na noite de segunda-feira. O ministro já analisa outros processos sobre a empresa.

Nunes Marques foi indicado para a Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo fontes, com a escolha de Nunes Marques para a relatoria, a chance de o processo avançar é considerada pequena.

A privatização foi aprovada no governo Bolsonaro, com aval do Congresso.

Na avaliação do líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), a ação da AGU é inoportuna, porque o STF já se posicionou a favor da privatização.

“A ação da AGU preocupa porque cria ambiente negativo para o investimento”, disse.

“O governo tem todo o direito de paralisar as privatizações, mas não de mexer no que já está feito. O governo recorre à seara do Judiciário porque não tem apoio do Congresso para fazer esse tipo de mudança.”

Por Vitor da Costa, Manoel Ventura, Renan Monteiro, Bruno Rosa e Geralda Doca

Leia a seguir

Leia a seguir