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Faz sentido a bolsa de valores bater recorde em agosto motivada pela possível alta da Selic?
O Ibovespa, principal índice de ações da bolsa de valores, teve seu melhor desempenho de 2024 em agosto. Além disso, no mesmo mês, o Ibovespa atingiu sua máxima histórica nominal superando os 137 mil pontos.
Diversos fatores contribuíram para isso, como a sinalização do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, que iniciaria seu processo de corte de juros já na sua próxima reunião.
Até aí, tudo certo, de acordo com os livros-texto de finanças e economia. Mas um outro fator chamou muito a atenção: parte desta alta histórica foi atribuída ao comportamento do Banco Central do Brasil, o qual sinalizou uma possível alta (e não baixa) na taxa Selic.
Mas não é a baixa da taxa de juros que faz a bolsa subir?
Normalmente a sinalização de baixa de taxa de juros faz as bolsas subirem, como foi no caso do FED. Isto está embasado tanto na teoria econômica quanto na própria lógica.
De forma geral, juros mais baixos deixam as aplicações de renda fixa menos atrativas, pois pagam menos e parte dos recursos investidos tende a migrar para a bolsa de valores, em busca de retornos mais altos, ainda que com risco maior. Maior fluxo para bolsa de valores faz com que as compras de ações aumentem, o que leva a bolsa a subir.
Mais tecnicamente, o valor das ações é explicado como o fluxo de caixa de seus retornos esperados futuros, trazido a valor presente por uma taxa de desconto, que reflete o custo do dinheiro e o risco do negócio.
Com juros menores, o custo do dinheiro se reduz, o que diminui a taxa de desconto e, portanto, aumenta o valor presente, ou seja, o valor das ações. Com ações valendo mais, a bolsa sobe.
Um aumento na taxa de juros deveria ter um efeito contrário, deixar a renda fixa mais atraente, tirando recursos da bolsa, fazendo-a cair. O custo do dinheiro subiria, aumentando a taxa de desconto, deixando as ações menos valorizadas. Contudo, no caso específico, não foi o que aconteceu.
Os pensamentos linear e complexo
Para entender essa aparente contradição é muito importante diferenciar o pensamento linear do pensamento complexo.
O pensamento linear é aquele que observa apenas os efeitos diretos dos acontecimentos, supondo que não há outras interações ocorrendo. Também é chamado de efeito de primeira ordem. Fomos treinados desde pequenos na escola a utilizar esse tipo de pensamento como se fosse o único existente, mas não é o caso.
O pensamento complexo, por outro lado, observa além dos efeitos diretos, dá valor às interações de efeitos ocorrendo. George Soros atribui a este tipo de pensamento o seu grande sucesso no mercado financeiro, que ele chama de processos reflexivos. Estes são os pensamentos de ordem superior (segunda, terceira, quarta…), que vão além apenas do efeito imediato, de primeira ordem.
O que aconteceu no recorde da bolsa
Só é possível entender o recorde da bolsa com o pensamento complexo. Para o pensamento linear não faz o menor sentido, alta dos juros levaria a queda da bolsa, efeito direto de primeira ordem. Mas há efeitos complexos, de ordens superiores nisso.
Na reunião de maio de 2024 o Copom decidiu pela redução da Taxa Selic em 0,25% a.a. Mas o que chamou a atenção foi a divisão dos votos.
Foram 5 votos para uma redução de 0,25% a.a. e 4 votos para uma redução de 0,50% a.a.
O problema é que os 5 votos foram dos membros nomeados pelo antigo governo enquanto os 4 votos foram dos nomeados pelo atual governo.
Isto deu a impressão de um viés político no Banco Central: os nomeados pelo atual governo teriam uma agenda política de reduzir os juros, pressionados pelo presidente da república, abandonado as decisões técnicas, o que levaria a uma inflação mais alta e mais risco.
Assim, quando na reunião seguinte, o Copom votou de forma unânime pela manutenção da taxa Selic, ao contrário do que publicamente o presidente da república desejava, foi um sinal importante para o mercado.
Mais do que isso, os diretores do Banco Central nomeados pelo atual governo, especialmente Gabriel Galípolo, indicado para ser o próximo presidente do BC, declarou que se fosse necessário a Selic poderia subir para ancorar as expectativas do mercado, o que foi muito bem-visto e afastou o risco da indevida interferência política.
Juros curtos, juros longos e seus efeitos na bolsa
Ao sinalizar um possível aumento da Taxa Selic, as taxas de juros futuras mais próximas, para alguns meses, subiram.
Contudo, as taxas futuras longas, para alguns anos, caíram, devido justamente a redução do risco de interferência política em longo prazo, sugerindo menos inflação no futuro.
Ao fazer o fluxo de caixa descontado das ações, os juros curtos subiram, aumentando a taxa de desconto em curto prazo, mas os juros longos caíram, reduzindo a taxa de desconto em longo prazo, que acabou prevalecendo. Na média, entre curto e longo prazo, a taxa de desconto caiu.
Logo as ações subiram e bolsa bateu recorde.
Pensamento complexo é Inteligência Financeira
Essa situação do recorde de bolsa ilustra perfeitamente a importância do pensamento complexo. Essa alta só pode ser compreendida por meio da interação entre a decisão do Copom, os seus efeitos nos juros curto e longo e seu impacto conjunto e ponderado no Ibovespa.
Apenas o efeito de primeira ordem é insuficiente para entender o recorde, precisamos dos efeitos indiretos, de ordem superior.
Os investidores precisam dominar e aplicar o pensamento complexo a fim de conseguir entender em mais profundidade o mercado financeiro, reduzindo seus riscos e ampliando seus retornos potenciais: isto é Inteligência Financeira.
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