5G já começa a rodar no país em ‘faixa coringa’; o que traz a nova tecnologia?
Empresas citadas na reportagem:
Após anos de preparação, e com a conclusão do leilão do 5G em novembro de 2021, as empresas vencedoras do certame começam a fase de implementação da nova tecnologia no país. Algar, Claro e Vivo, marca da Telefônica, começaram a utilizar uma das frequências leiloadas, a de 2,3 Ghz, para oferecer o 5G em lugares específicos. A TIM aguarda a liberação da faixa de 3,5 GHz pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para iniciar a operação da nova tecnologia.
Por enquanto, o 5G está sendo oferecido em uma faixa considerada “coringa”, que pode servir tanto para o 5G como para a expansão do 4G, a de 2,3 Ghz. A Claro lançou o 5G nessa frequência em áreas de São Paulo e Brasília e a Algar, em localidades de Uberlândia (MG), Uberaba (MG) e Franca (SP). A Algar informou que por meio da rede 5G 2,3 GHz oferece aos clientes uma melhor experiência em navegação de dados. Seria possível fazer o download de um vídeo de 20 gigas em cerca de 40 segundos.
Quando o 5G puro, mais potente, chamado de “stand alone”, estiver disponível, baixar um filme, um vídeo ou uma música será mais rápido e fácil. Testes feitos no laboratório de 5G da Claro, no Rio, mostram que baixar um vídeo do YouTube, com 10 horas, em alta definição, levaria apenas um minuto e 30 segundos. Na Netflix, um vídeo de 500 megas poderá ser baixado em 30 segundos, enquanto no Spotfy 24 horas de música serão descarregadas em dois minutos. O download do jogo Free Fire vai levar apenas 25 segundos.
As faixas funcionam como “avenidas” por onde o sinal chega até o consumidor: a “avenida de 3,5 GHz” é a mais rápida e eficiente de todas, na qual as grandes operadoras vão concentrar esforços. O cronograma do edital prevê que o 5G “stand alone” esteja funcionando na faixa de 3,5 GHz em todas as capitais do país até 31 de julho deste ano. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, tem dito que pode haver atraso em algumas localidades para setembro, prazo máximo previsto no edital da Anatel.
Apesar da fala do ministro, operadoras, entidades do setor e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ainda negociam uma possível antecipação de uso da faixa de 3,5 GHz em determinados centros urbano, onde o sinal via parabólica é menos usado. Do ponto de vista operacional, teles e seus fornecedores vêm afirmando que o 5G está pronto para ser acionado. A Vivo, por exemplo, diz que manterá o cronograma de entrega nas capitais em 31 de julho.
Transmitido por ondas de rádio, a nova tecnologia precisará de frequências exclusivas. A faixa de 3,5 GHz, no entanto, precisa ser limpa, pois parte dela, principalmente no interior do país, é usada para transmissão de TV via parabólica, cujo sinal será jogado para uma “avenida” superior.
A liberação da faixa também envolve questões burocráticas. Uma das etapas para o sinal verde de utilização da frequência só foi cumprida no dia 23 de fevereiro: a oficialização da constituição da Entidade Administradora da Faixa (EAF), empresa privada que atuará sob coordenação do Grupo de Acompanhamento da Implantação das Soluções para os Problemas de Interferência (Gaispi), órgão ligado à Anatel. A antecipação do cronograma só é possível com autorização da agência, além das duas entidades.
A Vivo afirma que segue adequando sua rede e, desde o início de 2021, clientes já podem experimentar o 5G na frequência de 2,3 GHz em algumas localidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A empresa está em fase final de garantia de qualidade do serviço e planeja fazer em breve um lançamento comercial. No leilão, os lotes adquiridos na frequência de 3,5 GHz foram de 100 Mhz, já a de 2,3 GHz foi dividida em lotes 40 Mhz e 50 Mhz – o que significa uma capacidade cerca de duas vezes menor, apta a oferecer um 5G menos robusto – chamado NSA (“non stand alone”).
Apesar de seu potencial menor, embora mais veloz do que o 4G, algumas operadoras optaram por largar na frente e usar a faixa de 2,3 GHz. A Algar tem como foco regionalizar a expansão da conectividade no país. “Fomos a primeira operadora do país a lançar o serviço 5G, em janeiro, para clientes nas frequências leiloadas pela Anatel, no padrão NSA. Desde 15 de dezembro, 21 bairros em Uberlândia, 12 em Uberaba e sete em Franca passaram a contar com a nova tecnologia de quinta geração”, diz Márcio de Jesus, vice-presidente de negócios de varejo da operadora.
O presidente da Claro, Paulo Cesar Teixeira, afirma que o lançamento do 5G em 2,3 GHz em pontos específicos atendeu a uma grande demanda de tráfego de dados. O executivo afirma ainda que a operadora foi “pioneira” ao oferecer, em julho de 2020, o chamado 5G DSS, que utiliza o espectro do 4G com algumas características do 5G, uma espécie de 4,5G. Sua capacidade, no entanto, é menor do que a do 5G NSA e do 5G puro (SA). A TIM e a Vivo também oferecem a tecnologia a seus clientes.
“A partir daí passamos a fomentar a indústria de aparelhos. É fundamental que os clientes tenham a possibilidade de uso imediato, não adianta lançar uma rede e não ter como entrar nela pois o celular não está capacitado”, afirma Teixeira. O executivo diz que a Claro está conversando com os fabricantes para lançar aparelhos intermediários e populares, e aposta que os preços dos celulares vão cair conforme o 5G for se consolidando no país. “A tecnologia vai permear rapidamente outras camadas sociais”, afirma.
No momento, as operadoras não estão cobrando pacotes diferenciados para que o cliente tenha acesso ao 5G lançado na faixa de 2,3 Ghz. Por outro lado, para conseguir se conectar à internet, é preciso ter um aparelho compatível às novas frequências. Para a frequência de 2,3 GHz, existem alguns smartphones compatíveis. Já para a faixa de 3,5 Ghz, a oferta ainda é baixa.
Em evento recente promovido pelo BTG Pactual, a Huawei defendeu a elaboração de um plano para comercialização de telefones com tecnologia 5G a preços acessíveis. Segundo especialistas, uma das possibilidades que as operadoras podem adotar é vender aparelhos subsidiados aos clientes, com preços menores, mas com fidelização.
A previsão é de que, com a liberação da faixa de 3,5 GHz, os pacotes de uso de dados com tecnologia 5G fiquem mais caros em um primeiro momento. Marcos Ferrari, presidente da Conexis, entidade que reúne as grandes operadoras de telefonia do país, diz que é difícil saber em quanto tempo a nova tecnologia será dominante e superará o 4G. Para que isso ocorra é preciso promover a competitividade e enfrentar desafios: modernizar as leis municipais para instalação de estações rádio-base (ERBs), reduzir a carga tributária do setor e combater o roubo de cabos.
O vice-presidente de tecnologia da TIM, Leonardo Capdeville, diz que, no futuro, a rede 5G pura vai conviver com a DSS e a NSA. A estratégia da operadora é aguardar a liberação da faixa de 3,5 GHz, que, apesar da capacidade maior, tem cobertura menor, exigindo mais antenas. A empresa acaba de concluir o núcleo central (core) de sua rede 5G puro, passo essencial para ofertar serviços a partir da faixa de 3,5 GHz – o core da rede é onde ficam os equipamentos de maior porte da rede. “Nossa escolha não é se preocupar em ser o primeiro, mas sim os melhores. E para ser os melhores vamos ter que usar a frequência de 3,5 Ghz”, diz. segundo o executivo, o custo do investimento nas faixas de 2,3 Ghz e 3,5 Ghz é praticamente o mesmo, por isso é melhor concentrar recursos naquilo que oferece a melhor tecnologia.
De acordo com dados da Anatel, a cobertura existente na faixa de 2,3 Ghz ainda é incipiente. No início de fevereiro, havia apenas 90 estações rádio-base licenciadas no país. O Brasil conta atualmente com cerca de 100 mil antenas instaladas. O 5G, por sua vez, precisará de um número pelo menos cinco vezes maior.
A Copel, que por meio da Sercomtel e do Consórcio 5G, arrematou lotes regionais na frequência de 3,5 Ghz nas regiões Sul e Norte e em São Paulo, tem plano de investimento inicial mínimo de R$ 1 bilhão. A empresa diz ainda que terá um fundo de US$ 200 milhões, que será usado para levar o 5G à região da Amazônia. O presidente da Copel, Wendell Oliveira, diz que o objetivo é levar a tecnologia para as cidades ainda em 2022, antes do prazo determinado no edital para cidades maiores de 500 mil habitantes, que é 2025. No Paraná, sede do grupo, a meta é ter a nova tecnologia funcionando no primeiro semestre deste ano.
“A ideia é levar o 5G a quem mais precisa, em especial regiões e atividades em que nem mesmo a internet ainda é uma realidade. Para São Paulo, o grupo vai olhar de perto o setor comercial, levando a nova internet para empresas, portos, aeroportos, empresas de logística e o setor agro”, afirma.
A Cloud2U, que comprou lote regional na faixa de 3,5 Ghz, abrangendo localidades do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, diz que o cronograma da empresa obedecerá aos prazos estipulados pela Anatel.
A Winity, que arrematou o lote de 700 Mhz, que será usado para conectar estradas e expandir o 4G, diz que os compromissos assumidos com a concessão se iniciam a partir de 2023, e que a empresa será a primeira operadora de atacado do país. “Durante o ano de 2022, iremos desenvolver acordos comerciais com nossos clientes, operadoras nacionais e regionais, e implantar nosso modelo de negócio de operação de atacado, onde construímos a rede para disponibilizar cobertura e capacidade para nossos clientes”, afirma a companhia.
Há, porém, riscos com a piora do cenário em razão da guerra na Ucrânia. Especialistas em telecomunicações e em relações internacionais não enxergam sanções contra a China em virtude de seu apoio a Moscou, o que poderia afetar a Huawei, importante fornecedora de infraestrutura de telecomunicações. Mas a guerra aumenta a pressão inflacionária e traz a possibilidade de interrupções da cadeia de suprimentos. Ferrari, da Conexis, diz que não há risco elevado para o setor. “Até agora as sanções que vimos não atingem a implantação do 5G no país, e o que esperamos é que não tenhamos nenhum tipo de problema para ligar o 5G nas capitais neste ano de 2022, como está previsto no edital”, disse.
O que traz a nova tecnologia, na prática
Para o consumidor, o 5G significará, basicamente, maior velocidade de conexão. Baixar grandes arquivos será muito mais rápido, assim como rodar aplicativos no celular. A interrupção na transmissão de filmes em plataformas de streaming será coisa do passado.
O 5G DSS (do inglês, compartilhamento dinâmico de espectro), que permite o uso do espectro do 4G com algumas características do 5G, atinge, em média, conexões até 12 vezes mais velozes do que o 4G convencional, com velocidade de até 400 Mbps (abreviatura de megabit por segundo).
De acordo com a Claro, em Brasília, onde a operadora já lançou o 5G na faixa de 2,3 GHz em setores da Asa Norte, Asa Sul e Setor Comercial, a velocidade da rede chegou a 700 Mbps.
Em testes realizados pelas operadoras, o 5G “stand alone”, o mais potente, que será transmitido na faixa de 3,5 GHz, atinge velocidades acima de 1 Gbps (giga por segundo). Um gigabyte é composto por 1.024 megabytes; enquanto um megabyte é composto por 1.024 kilobytes.
Uma velocidade de 1,5 Gbps do 5G “stand alone”, também chamado de 5G puro, possibilitaria, de acordo com testes feitos em laboratório da Claro, no Rio, baixar um vídeo de 500 megas em 30 segundos. O 5G mais potente será ofertado por meio da faixa de 3,5 GHz, que, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), deverá estar disponível nas capitais brasileiras em 31 de julho.
Segundo a Ookla, criadora de serviço de análise de desempenho de rede, a velocidade média de download da Claro em internet móvel, no quarto trimestre de 2021, foi de 48 Mbps. A média da Vivo foi de 31,9 Mbps; da TIM, de 28,2 Mbps; e, da Oi, de 21,6 Mbps.
Se para o usuário o grande diferencial é a velocidade de conexão, as características que farão dele uma tecnologia disruptiva para a economia são outras. Uma delas é a baixa latência, que quer dizer o tempo entre o envio de um comando e sua resposta. Testes com o 5G puro mostraram uma latência na casa de 10ms (milissegundos).
Esse tempo reduzido de resposta é que permitirá o uso do 5G para uma série de aplicações, como automação de veículos e em fábricas e cirurgia à distância. A nova tecnologia também trará avanços na chamada internet das coisas (IoT), que conectará objetos a uma central de dados, por exemplo, possibilitando aplicações de cidades inteligentes, como semáforos inteligentes, assim como monitoramento de cultivos e animais na agropecuária.
As operadoras afirmam que vêm trabalhando no desenvolvimento de aplicações para o 5G ao lado de fornecedores, universidades, empresas e institutos de pesquisa. O vice-presidente de tecnologia da TIM, Leonardo Capdeville, diz que a preparação da operadora começou em 2019, e envolve a criação de um ecossistema de desenvolvimento para as oportunidades do 5G. “Fizemos testes em São Paulo com a Enel [distribuidora de energia]. O 5G poderá ajudar na eficiência e gestão da rede elétrica. Com fabricantes de automóveis, instalamos redes de 5G e fizemos testes para capturar imagens da linha de montagem, que tratadas por inteligência artificial, ajudam no controle de qualidade e eficiência”, diz.
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