Quem foi Liliane Bettencourt, a bilionária herdeira da L’Oréal que se envolveu em vários escândalos

Briga familiar, relacionamentos abusivos e suspeita de corrupção são retratados em série da Netflix

Liliane Bettencourt era a mulher mais rica do mundo quando virou protagonista de um escândalo que abalou a sociedade francesa. Françoise Bettencourt-Meyers, filha da bilionária, registrou em 2007 uma queixa contra o fotógrafo François-Marie Banier por abusar de uma suposta fragilidade psicológica de Liliane para extorqui-la em presentes que somavam quase 1 bilhão de euros à época.

Para ser mais precisa, 917 milhões de euros, entre obras de arte, apólices de seguro e muito dinheiro vivo. Anos depois, Banier foi condenado, considerado pela Justiça francesa como culpado da acusação apresentada por Françoise.

O caso tomou grandes proporções a partir de uma mistura explosiva que expôs as entranhas de uma das famílias mais ricas do mundo. Uma combinação entre brigas familiares, evasão fiscal, posses nababescas e um escândalo político de grandes proporções, que envolveu até o então presidente francês, Nicolas Sarkozy. O escândalo foi tamanho que desmembrou até em evasão fiscal. Foi escândalo em cima de escândalo.

Tudo isso está em “A Bilionária, o Mordomo e o Namorado“, nova série documental lançada pela Netflix.

Quem foi Liliane Bettencourt?

Liliane Henriette Charlotte Schueller nasceu em Paris em outubro de 1922, filha do químico Eugène Schueller. De acordo com o site oficial da L’Oréal, Eugène começou a carreira em 1909, quando formulou tintas para cabelo que vendeu a cabeleireiros da capital francesa. Foi o ponto de partida para a construção de uma das maiores empresas de cosméticos do mundo.

O sobrenome pelo qual Liliane ficou conhecida veio do marido, André Bettencourt, com quem se casou aos 28 anos, em 1950. André ocupou cargos na política, sendo deputado, senador e ministro em quatro governos diferentes.

Liliane Bettencourt
Liliane herdou a L’Oréal do pai, Eugène Schueller, que era químico e começou fabricando tintas. Foto: Foundation Bettencourt Schueler / Divulgação

Muito o que hoje se sabe sobre Liliane veio a partir do escândalo deflagrado pela queixa da filha. A produção da Netflix ouviu diversas fontes, entre amigos e jornalistas, que tratam a empresária como uma figura presente nas rodas da alta sociedade francesa, mas muito reservada sobre sua vida pessoal.

André Bettencourt morreu em 2007, pouco tempo antes do início do conflito familiar. Hoje, se sabe que ele e Liliane não eram próximos e viveram décadas morando em quartos separados e tendo vidas pessoais distintas.

Qual era a fortuna de Liliane Bettencourt? E da filha, Françoise?

Em 2016, no último ano em que ela apareceu na lista da revista Forbes, a fortuna de Liliane Bettencourt foi estimada US$ 36,1 bilhões. No entanto, como a série retrata, o patrimônio da dona da L’Oréal ia além da participação na empresa e incluía contas em diferentes países e posses valiosas como uma ilha em Seychelles.

Ao que tudo indica, o patrimônio se multiplicou — e muito. Única herdeira da empresária, a sua filha Françoise Bettencourt-Meyers possui uma fortuna hoje estimada em US$ 91,4 bilhões, de acordo com a última atualização da Forbes.

Assim como a mãe um dia no passado, Françoise também ostenta o título de a mulher mais rica do mundo. Considerando homens e mulheres, ela fica no 14º lugar da lista.

Para você entender essa conta, reportagens da Inteligência Financeira explicam como empresas como Forbes e Bloomberg calculam as fortunas e de onde vem as fortunas dos dez mais ricos do mundo. A relação atualmente é liderada por Elon Musk, Bernard Arnault e Jeff Bezos.

Quem é François-Marie Banier, condenado por se aproveitar de Liliane?

Contam as pessoas próximas que Liliane Bettencourt desenvolveu uma amizade intensa com François-Marie Banier quando o fotógrafo foi à casa dela fazer um ensaio para a revista Egoíste, publicação francesa para a alta sociedade, em 1987. Á época ela tinha 65 anos e ele, 40 anos de idade.

Ao longo de 20 anos, Banier foi frequentador assíduo da casa de Liliane. Eles foram juntos a compromissos sociais de todo tipo e viajaram o mundo. De acordo com os relatos, sempre às custas da dona da L’Oréal.

Em uma das gravações, Liliane chega a dizer que o amigo era alguém com quem ela até se casaria se fosse possível. Além de ela já ser casada, o fotógrafo é abertamente homossexual.

Em 2007, Banier propôs que Liliane o adotasse. Esse teria sido o gatilho para que a filha da empresária decidisse denunciar o fotógrafo à revelia da vontade da mãe, com quem rompeu relações naquele momento.

Liliane Bettencourt
Mulher mais rica do mundo à sua época, Liliane Bettencourt viveu o centro de um escândalo. Foto: Foundation Bettencourt Schueller / Divulgação

O plano não foi adiante, mas a empresária chegou a fazer um testamento em que o elegia seu único herdeiro, um documento posteriormente revogado. Os depoimentos dão conta que a influência de Banier sobre Liliane Bettencourt avançou conforme a empresária ficava mais velha e com mais problemas de saúde, explorando uma relação distante que a mãe e a filha Françoise sempre tiveram.

“A cronologia [dos presentes dados por Liliane a Banier] é impressionante. Especialmente a partir de setembro de 2006, quando a saúde da Liliane começou a piorar”, relatou a jornalista especializada no sistema judiciário francês Corinne Audoin, que teve acesso ao processo contra o fotógrafo e concedeu entrevista à Netflix.

Condenação e recurso

Ao longo dos anos de briga judicial, uma avaliação psicológica concluiu que Liliane Bettencourt era incapaz de administrar seu patrimônio. “Imediatamente, nós detectamos problemas de comunicação, de compreensão e de audição”, afirma o psicólogo Bruno Danizeu, que conduziu o exame, à série documental.

Em 2010, mãe e filha fecharam um acordo. Françoise reconheceu como legítima parte das doações de obras de arte que a mãe fez para Banier e houve retirada mútua de processos que moviam uma contra a outra.

Por outro lado, Liliane aceitou a tutela e passou a ter toda a vida e finanças gerenciadas diretamente por Françoise, pelo genro Jean-Pierre Meyers e pelos netos Jean-Victor Meyers e Nicolas Meyers. Na sequência, a empresária foi diagosticada com Alzheimer e demência senil.

Em 2015, François-Marie Banier foi condeado por se aproveitar de Liliane Bettencourt. A pena inicial era de 2 anos e meio de prisão, uma multa de 350 mil euros e uma indenização gigante, de 158 milhões de euros, que deveria pagar a Françoise.

O fotógrafo recorreu e se livrou da cadeia e da indenização, que passou de 158 milhões a apenas 1 euro. No entanto, o tribunal superior manteve a condenação de que Banier se beneficiou de forma criminosa da saúde mental de Liliane.

‘A Bilionária, o Mordomo e o Namorado’ explora gravações e escândalo político

A série documental recém-lançada pela Netflix tem como fio-condutor as gravações da sala de reuniões de Liliane Bettencourt. Mordomo que trabalhava na casa da dona da L’Oréal, Pascal Bonnefoy gravou durante meses os encontros que a empresária tinha em seu escritório. Para tanto, ele usava um gravador escondido na mesa onde levava café para Liliane e seus convidados.

As gravações são essenciais para “A Bilionária, o Mordomo e o Namorado” existir. A produção da Netflix não conseguiu ouvir com dois personagens-chaves, Françoise Bettencourt-Meyers e François-Marie Banier. A produção entrevistou o ex-gestor de patrimônio Patrice de Maistre, alguns amigos da família, advogados e jornalistas que cobriram o caso.

Os áudios gravados por Bonnefoy vieram à público depois de serem usados por Françoise contra o fotógrafo. No entanto, eles geraram outros problemas para a família e para a classe política francesa. As gravações incluíam conversas de Liliane com Maistre que denunciavam evasão fiscal e menções a doações não declaradas a políticos.

O caso gerou uma suspeita de corrupção que recaiu principalmente contra o então ministro do Orçamento, Éric Woerth, e o próprio presidente Nicolas Sarkozy. Os diálogos abriram a desconfiança de que Liliane Bettencourt teria repassado milhões em dinheiro aos políticos para financiar campanhas. Em um trecho de uma conversa, Patrice de Maistre disse a empresária que Woerth era quem “cuidava dos seus impostos”.

Outros trechos denunciaram ao fisco francês que a dona da L’Oréal ocultava a posse de uma ilha e uma fortuna em espécie guardada na Suíça.

Gestor condenado, políticos inocentados

De Maistre foi condenado a 18 meses de prisão e uma indenização de 12 milhões de euros. Ele também foi considerado culpado de se aproveitar da herdeira da L’Oréal o que nega. “Ela era idosa, as vezes ficava cansada e esquecia coisas, mas Bettencourt era perfeitamente capaz de tomar suas decisões e foi assim até o fim”, alega à Netflix.

Sarkozy, Woerth e Liliane sempre negaram todas as acusações. Ao final do processo, os políticos foram inocentados pela Justiça francesa, que disse não ter encontrado provas que os pagamentos de fato ocorreram.