Para os jovens, “melhor investimento é fugir dos juros”, diz especialista em envelhecimento

Em entrevista exclusiva à IF, o pesquisador da USP Jorge Felix fala sobre dinheiro e velhice

Jorge Felix é jornalista, professor e pesquisador da USP. Desde 2007, ele estuda o envelhecimento da população do Brasil (e do mundo). Sobre o assunto, publicou os livros Viver muito (Leya) e Economia da longevidade (Aller). Também faz comentários a respeito de envelhecimento para o programa Bem-Estar, da TV Globo.

Em entrevista à Inteligência Financeira, ele explicou por que a sociedade como um todo deve se preocupar com o fato de que vários países, como o Brasil, estão ficando mais velhos.

Esse fato, há diversos impactos sociais e econômicos, e afeta até a maneira pela qual as pessoas investem seu dinheiro.

Veja, a seguir, os destaques da conversa:

O que é economia da longevidade?

“A economia da longevidade é um termo que passou a ser um conceito. O termo original é ‘silver market’, surgido no Japão, na década de 70. O país é o que primeiro começou o processo de envelhecimento da sua população. Até hoje é o mais é envelhecido do mundo.”

“Depois da crise de 2007 e 2008, a crise financeira do subprime, os países, principalmente da Europa, perceberam que você não podia responder à dinâmica demográfica apenas com políticas de austeridade fiscal.”

“Então, a economia da longevidade passou a ser mais ligada a uma política industrial que tem como concepção o fato de que, com famílias com menos crianças e mais idosos, você muda a cesta de consumo delas. Ou seja, uma sociedade envelhecida vai demandar por outros bens e serviços.”

Países não estão preparados para o envelhecimento

“Os países não estão preparados para isso, porque hoje ainda tem uma hegemonia de uma visão de austeridade fiscal. Isso fez com que os países é reduzissem bastante o provimento de proteção social, o estado de bem-estar social. Mais agravante ainda para a América do Sul, para o hemisfério sul, porque nós nunca tivemos um estado de bem-estar social como teve a Europa, então tudo isso passa a ser mercantilizado: serviços de saúde, de cuidado, educação. As pessoas vão ter que pagar por isso. E isso limita bastante a capacidade de poupança, que é tão necessária se você vai ter uma vida mais longa.”

“Hoje, o que eu e a professora Guita Grin Debert, da Unicamp, estamos observando, é o que chamamos de financeirização da velhice. Ela acontece em três dimensões: na saúde, no cuidado e no endividamento. Na saúde, por meio dos planos de saúde. Você vêm ano após, os ano, aumentos sempre acima da inflação. Isso faz com que a despesa com o plano de saúde não seja uma compra de serviço simplesmente. Ela passa a ser um endividamento, principalmente para a pessoa idosa, porque as pesquisas mostram que ela prioriza aquela despesa porque ela precisa.”

Financeirização da velhice

“Na parte de cuidados, você tem também uma financeirização, sobretudo por parte de idosos que vivem em instituições. É uma parcela muito pequena da população, mas isso vem crescendo no mundo. Fazemos esse alerta, porque o Brasil pode ficar na situação que em estão França, Alemanha, mesmo os Estados Unidos. E qual a situação? De ter aquela aquele custo de cuidado no seu orçamento familiar que vira uma dívida.”

“A terceira dimensão, que talvez seja mais evidente, é o crédito consignado. Ele se tornou um instrumento no mercado que vai sendo renegociado de um crédito para o outro e você nunca sai daquela situação de endividamento. E os idosos estão muito sujeitos a essa situação.”

“Essa financeirização da velhice a gente tem que reverter de algum modo, porque isso é uma grande ameaça às próximas gerações. Em vez de você estar poupando para ter bem-estar e uma poupança que possa suprir algumas necessidades suas na velhice, desde muito cedo, antes dos 60, você já está caminhando para esse processo de financeirização.”

“Como fazer isso? O estado deve prover saúde de melhor qualidade e em quantidade, que é o problema aqui no Brasil. Nós temos um serviço público de saúde bom, mas ele tem um problema grave de acesso. E o mesmo ocorre nas questões de cuidado. Se houver uma política nacional de cuidados, um serviço de cuidadores domiciliares que vão na sua casa para ver se você está tomando os remédios, se precisa de ajuda para tomar banho, etc., você já retiraria uma grande parte desse custo das famílias.”

“É importante dizer que isso é revertido em aquecimento da economia. Porque você libera pessoas para o trabalho, vai aumentar o consumo dessas pessoas em outros produtos e serviços. Hoje tudo isso é visto por grandes pesquisadores em economia como um investimento em infraestrutura. Igual a você construir uma ponte, uma estrada. O retorno que esses investimentos em saúde e cuidado dão para a sociedade é muito grande e muito importante para o crescimento o desenvolvimento econômico.”

Gastos permanentes com o cuidado de pessoas idosas

“Hoje, temos no Brasil 80% das famílias endividadas, 30% das famílias com dívidas em atraso, segundo os dados oficiais. Então, como essa pessoa vai fazer um plano para sua longevidade? E, dentro das novas despesas, você vai ter as despesas de cuidado. Qual família hoje não tem despesas de cuidado com os pais, os avós ou com as crianças?”

“Vemos nas duas pontas: não há creche suficiente para liberar as mães para trabalhar, então é preciso pagar. Isso já é um mordidinha no que poderia ir para a poupança. Você tem um gasto permanente. E um gasto com as pessoas idosas, porque o estado poderia oferecer muita coisa, mas não o faz, devido às políticas de austeridade fiscal, então as famílias têm que absorver muitos gastos com o cuidado ou mesmo deixar de trabalhar em tempo integral para cuidar de pais e avós. Isso tudo limita as possibilidades para a nova geração, de que ela possa ser promissora em termos financeiros.”

“A diferença de como a geração atual e a anterior se prepararam para a velhice é, sobretudo, o que a passada tinha de proteção por parte do estado, de proteção social. Se você pensar na Europa, principalmente no pós-guerra, os europeus ganharam a casa. A casa deles foi destruída na guerra e uma grande quantidade de pessoas, em vários países, simplesmente ganharam a casa. Elas não tiveram que pagar os juros que a geração de hoje tem que pagar, principalmente nos grandes centros urbanos.”

“A urbanização é um fenômeno do nosso século que fez encarecer a terra urbana, portanto, encarecer os apartamentos, as casas. Esse é um grande exemplo de como é limitada a capacidade de poupança das gerações atuais, pensando na velhice delas.”

“E também limita muito a cesta de consumo dessa geração: o investimento que pode fazer em educação, na saúde, em diversão. Isso tudo faz com que os jovens de hoje não vejam a possibilidade de reproduzir o mesmo status financeiro das gerações passadas. Isso as pesquisas mostram em todas as classes sociais, mesmo as classes mais pobres. Isso é devido a não haver hoje o provimento desses serviços por parte do estado.”

Com o que os jovens deveriam se preocupar?

“Primeiro vejo que as pessoas mais jovens deveriam se preocupar mais com a sua saúde. Com o que ela come, como está a pele, o dente. Isso parece óbvio, simples, mas muitas pessoas descuidam, mesmo as pessoas que podem fazer, elas descuidam de algumas questões básicas de saúde e isso vai estourar lá na frente e vai ser um peso para ela financeiramente.”

“A segunda coisa é evitar pagar juros, eu sempre digo isso. A melhor poupança, o melhor investimento é você fugir dos juros.”

“Por último, a educação. Nós vivemos numa sociedade que cada vez mais se sofistica em termos de conhecimento. Essa vida longa também é mais longa de estudo, de educação. É a educação continuada. Claro que isso não garante que você vai ter o seu lugar no mercado de trabalho, que vai ganhar bem, etc. Mas se você não tiver essa preparo, aí é não tem chance. O mercado te exige um conhecimento cada vez mais complexo.”