Tecnologia é caminho para pessoas trans

Projetos buscam reduzir preconceitos, baixa escolaridade e falta de qualificação

O mercado de tecnologia, que hoje enfrenta carência de profissionais qualificados, é um caminho de geração de empregos para a comunidade trans no Brasil. Projetos de formação em tecnologia, cadastro de vagas e incentivo a empresas na contratação de pessoas trans buscam reduzir barreiras de empregabilidade como preconceitos, baixa escolaridade e falta de qualificação profissional.

De acordo com o “Mapeamento das Pessoas Trans no Município de São Paulo”, com 1.788 entrevistados entre dezembro de 2019 e novembro de 2020, há um percentual elevado de travestis (46%) e de mulheres trans (34%) que se declararam profissionais do sexo, acompanhantes e garotas de programa como principal ocupação. O estudo foi feito pelo Centro de Estudo de Cultura Contemporânea (Cedec) e pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo.

“A escolaridade é impactada porque a primeira coisa que você perde é a sua família e a sua escola”, nota Pri Bertucci, CEO da Diversity Bbox, consultoria especializada em diversidade e equidade, e do Instituto Ssex Bbox. “O que sobra para essa pessoa semum prato de comida, sem um teto, sem um apoio emocional, é um mundo de violência e exploração.”

A atriz americana Angelica Ross, fundadora da Trans Tech Social Enterprises, organização dedicada a formação e recolocação de pessoas trans para o setor de tecnologia, conhece essa realidade. “Eu tive que passar pela experiência do desemprego, de ser expulsa de casa, de ser demitida de diversos empregos quando descobriam que eu era trans e ter que trabalhar na indústria de entretenimento adulto”, contou Ross ao Valor.

Ross é uma das atrizes trans protagonistas da série “Pose”, de 2018, que retrata os desafios de pessoas expulsas de casa ao assumirem sua identidade de gênero e a ascensão da cultura do luxo nos bailes, em Nova York (EUA), no final da década de 1980. A música e a coreografia de “Vogue”, sucesso de 1990 da cantora Madonna, são referências aos chamados ‘ballrooms’.

Foi em um website para adultos que a atriz encontrou a oportunidade de desenvolver suas habilidades em tecnologia. “Quando estava para me tornar uma das estrelas, a dona do site viu que eu era rápida com o computador e me convidou para trabalhar como ‘webmaster’, atualizando fotos e mudando o layout do site”, relata a criadora daTrans Tech Social.

A série, segundo Ross, ajudou a divulgar o trabalho da organização criada em 2014. Hoje, além de empresas, a TransTech tem o apoio de celebridades como as cantoras Cristina Aguilera e Mariah Carey, que doam parte da receita com merchandising à organização.

A atriz esteve no Brasil na semana passada, participando da primeira Feira Trans de Empreendedorismo e da 5ª Marcha do Orgulho Trans de São Paulo, realizadas nacapital paulista. Durante a feira, a SSex BBox iniciou cadastros para 100 bolsas de estudo em tecnologia para pessoas trans, em parceria com a rede social TikTok.

“Além de informações sobre inteligência emocional e como se portar em uma entrevista, os bolsistas aprenderão a usar o básico de tecnologia, incluindo uso de ferramentas de produtividade como editor de textos e planilha, seguindo para habilidades básicas desoftware como experiência de usuário (UX, na sigla em inglês) e linguagem Java de programação”, explica Bertucci.

Os treinamentos serão promovidos exclusivamente por professores trans que atuam no mercado de tecnologia na Califórnia (EUA), incluindo integrantes da TransTech Social. “A ideia é que as pessoas se sintam seguras no curso e que isso minimize as desistências no processo”, diz Bertucci, que tem a missão de atrair mais investimentos para ampliar a oferta de bolsas, no valor de US$ 3 mil por pessoa.

Na Feira Trans, o LinkedIn ofereceu um serviço de inclusão de pessoas trans na rede social. “Os perfis criados foram inseridos no banco de talentos on-line Diversity BboxJobs para contratação pelas empresas que apoiaram o evento”, disse Bertucci.

No site, que reúne currículos de pessoas LGBTQIAP+, negras e com deficiência, bem como anúncios de vagas de trabalho, também é possível baixar a cartilha gratuita “Inclusão de Pessoas Transgêneras e Não Binárias no Local de Trabalho Brasileiro”.

O alto índice de demissões de pessoas trans levou a empresária e advogada Marcia Rocha a criar o projeto Transempregos, em 2013, dedicado à inserção de pessoas trans no mercado de trabalho. “Víamos muitas pessoas qualificadas que faziam a transição, eram demitidas e nunca mais conseguiam trabalho”, diz Marcia, que é integrante da Comissão Especial da Diversidade Sexual da OAB/SP.

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