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Nova lei proíbe celular nas escolas, mas desafios para a educação e saúde mental das crianças permanecem
A proibição dos celulares nas escolas se tornou uma realidade no Brasil. Debatido por especialistas de diversas áreas, o veto ao uso dos aparelhos foi aprovado pelo Congresso no final do ano passado e sancionado pelo presidente Lula (PT) na última terça-feira (14).
A nova regra não inclui apenas os momentos de aula, mas também o recreio e intervalo entre as aulas. De acordo com a justificativa parlamentar, o objetivo é proteger a saúde mental, física e psíquica. Vício em telas, dificuldade de concentração e cyberbullying são as ameaças.
Para especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira, a norma é bem-vinda. Contudo, a nova lei, por si só, não resolve completamente os problemas e pode agravar as diferenças entre os sistemas público e particular.
“No primeiro momento, vi a nova lei com bons olhos, tanto por que há essa queda de concentração quanto pelo impacto socioemocional. Mas no dia a dia as instituições escolares e as referências que esses jovens terão vão mostrar o quão funcional e saudável a norma será na prática”, avalia Lucas Duarte, psicólogo e especialista em linguagens da infância.
Victor Alves é gerente executivo de tecnologia educacional do grupo Inspired Education / Escola Eleva. A instituição proibiu os celulares no início de 2024, buscando maior concentração e a socialização. A medida foi bem-sucedida, diz Alves, muito porque a tecnologia foi incluída de outras maneiras.
“Nós proibimos os celulares em 2024, nos antecipando à lei e também contando com o fato de que nós temos outros equipamentos, como tablets e computadores, que dispensam o uso do celular”.
Dessa maneira, Victor Alves acredita que a tecnologia não pode mais ser excluída da educação e que a nova lei dependerá do quanto será possível prover esses equipamentos nas instituições, especialmente na escola pública.
O que diz a lei da proibição dos celulares nas escolas
- Celulares ficam proibidos no ambiente escolar. Durante as aulas, no recreio e nos intervalos.
- O uso segue permitido para “fins estritamente pedagógicos ou didáticos”. O critério será dos professores.
- As escolas deverão oferecer treinamentos e elaborar estratégias para orientar sobre os problemas de saúde mental causados pelo “uso imoderado das telas e dos dispositivos eletrônicos portáteis”. As instituições deverão se preparar para identificar casos e acolher professores e funcionários.
- As exceções: estudantes poderão usar o celular para fins de acessibilidade, inclusão, necessidades de saúde e para “garantir os direitos fundamentais”.
Herança da pandemia: a tecnologia veio para ficar
A digitalização das escolas no Brasil não foi um processo coordenado e planejado. Muito pelo contrário. Com a emergência sanitária da covid-19, as escolas precisaram se adaptar ao cenário, com diferentes níveis de recursos e de sucesso.
Fato é que, ao retornarem, os alunos estavam diferentes e o processo era irreversível.
“No pós-pandemia, quando as crianças retornam presencial para a escola, começamos a ter mais casos [de problemas relacionados ao uso do celular em sala de aula]. As relações sociais estão diferentes. Os alunos preferem ficar no celular a socializar, que é um dos objetivos da escola. E passamos a ver mais e mais casos de cyberbullying, de fotos e vídeos uns dos outros”, afirma Victor Alves.
O executivo conta que essa foi a motivação para vetar os celulares. Contudo, iniciativas foram buscadas para trazer a tecnologia para o processo de ensino.
Por exemplo, com óculos de realidade virtual e acesso ao chamado metaverso, que permitem que os alunos “se transportem” para o Egito para aprender de forma imersiva sobre as pirâmides. “No mundo em que estamos vivendo, a tecnologia é indispensável”, argumenta.
Por outro lado, se a tecnologia proporciona novas formas de aprender, a presença maciça dos celulares já se configurou um desafio para saúde mental. O psicólogo Lucas Duarte explica já ser parte da realidade clínica do atendimento a crianças e adolescentes casos de dependência tecnológica. O cyberbullying também é, na visão do especialista, um tema que requer atenção e continuará tendo que permanecer no radar mesmo com a nova lei.
Crianças, adolescentes e o celular: um dilema das escolas e das famílias
Os especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira concordam que a tecnologia, e o celular especificamente, se tornou parte da realidade de crianças e adolescentes. Embora haja o recorte social, com um acesso menor aos aparelhos nas classes mais vulneráveis, o debate é crescente nas famílias brasileiras.
De acordo com Lucas Duarte, há alguns fatores que vão ditar o sucesso dos esforços que envolvem a proibição dos celulares nas escolas. Entre as partes envolvidas, além da escola e dos estudantes, estão os professores e os pais.
“O diálogo tem que ser muito aberto, para que os estudantes entendam a necessidade, que não seja apenas uma proibição. Muitos adolescentes podem ter uma crise de abstinência, em razão da dependência tecnológica”, diz o psicólogo, reforçando que os adolescentes tendem a buscar formas de driblar as normas caso não reconheçam a importância da regra.
“Em todas as famílias que atendo com orientação parental, eu sempre oriento não para a proibição, mas para a educação, para a construção de uma rotina”, conta. Ele ressalta que a referência que pais e responsáveis serão para os jovens terá papel essencial.
Se o jovem enxergar que seus familiares também estão se esforçando para reduzir o tempo diante de telas, a tendência a que ele se engaje nesse esforço é maior. “O cérebro do adolescente não está preparado para o controle da impulsividade. É o adulto que será a referência”, diz.
Outro ponto é que escolas e professores precisarão ficar atentos e participativos sobre as interações digitais dos estudantes, a partir das conversas dentro do ambiente escolar.
A proibição pode reduzir a frequência de ocorrências negativas, especialmente bullying virtual com mensagens, fotos e vídeos. Mas por si só não protege os estudantes, uma vez que não impede que esses comportamentos aconteçam da porta para fora da escola.
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