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Marcação a mercado em títulos privados já começou: veja o que muda no seus investimentos
Começou a valer nesta semana a nova regra para divulgação dos valores aplicados por pequenos investidores em alguns títulos de renda fixa.
É a marcação a mercado, que você pode entender como ela funciona e seus desdobramentos neste guia especial que a Inteligência Financeira preparou.
A mudança valerá para investimentos em debêntures, CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e os CRAs (Certificados de Recebíveis Agrícolas) e também para títulos públicos federais comprados fora do Tesouro Direto, que algumas corretoras vendem.
Segundo dados mais recentes disponíveis da Anbima, referentes a outubro, existem centenas de milhares de contas de brasileiros com esses investimentos na carteira, com valor aplicado de mais de R$ 90 bilhões.
O que acontece com o investimento
Quem investe em títulos prefixados e atrelados à inflação dentro do Tesouro Direto já deve ter se acostumado ao ver que o valor aplicado oscila tanto para cima como para baixo, a depender do humor do mercado e da variação do cenário econômico.
Quando as taxas de juros de mercado sobem, o preço dos títulos cai, e vice-versa. E quanto mais longo o prazo de vencimento do título, maior tende a ser a oscilação do preço, tanto para cima como para baixo.
O que provoca essa mudança de preço nos títulos é a chamada marcação a mercado, modelo que mensura a aplicação pelo valor que o investidor teria se fosse resgatá-la naquele dia.
Ela se opõe a outro modo de avaliação de investimentos, que é a marcação pela curva, tipicamente usado em CDBs, em que a aplicação valoriza num ritmo paulatino (sempre para cima) conforme a taxa contratada no início.
Esse modelo é previsível e mais fácil de entender, mas se distancia do valor a que o cliente conseguiria obter se tivesse que resgatar a aplicação antes do vencimento, além de não refletir um eventual risco de inadimplência, que pode mudar a partir do dia que o investidor faz a aplicação (ver mais abaixo).
O que muda com a marcação a mercado?
O que muda a partir de hoje, por uma norma negociada pela Anbima com bancos e corretoras, é que os investimentos em debêntures, CRIs, CRAs, que até então eram registrados pela “curva”, agora passarão a ser marcados a mercado, o que tornará os papéis sujeitos a oscilação, inclusive com risco de perda (quase sempre momentânea) do principal.
A mudança de critério não vai afetar, ao menos por enquanto, a mensuração de investimentos em títulos bancários, como CDBs, LCIs e LCAs, sujeitos a menos risco de crédito, uma vez que contam com garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para aplicações de até R$ 250 mil.
Juros mexem na rentabilidade
Com esse novo ambiente, variações nas taxas de juros de mercado, que estão sujeitas ao cenário macroeconômico, passarão a impactar o valor da aplicação financeira que aparece na tela do seu aplicativo ou site de banco ou corretora.
Em geral, quando as taxas atuais estão acima daquela em que o título foi comprado, a rentabilidade cai.
O contrário também pode ocorrer e o papel valer mais em um determinado dia.
Então, o investidor que por acaso abrir hoje o aplicativo e vir o valor de investimentos nesses papéis com um número inferior ao que vinha aparecendo até semana passada, não deve se assustar.
É possível também, mas menos provável no cenário atual para investimentos realizados nos dois anos, que o valor aplicado esteja acima do que o esperado.
Quem tem prejuízo com a marcação a mercado?
Antes de tomar qualquer decisão precipitada, dizem os especialistas, é importante o investidor saber que, na maior parte dos casos, a marcação a mercado só dá prejuízo para quem tira o dinheiro antes do vencimento.
Para quem comprou debênture, CRI ou CRA já pensando em resgatar só no prazo do contrato, nada muda.
Na prática, aliás, essa marcação a mercado desses títulos já ocorria.
Ela apenas não era mostrada na tela do investidor. Ou seja, aqueles que decidiam se desfazer dos papéis antes do prazo recebiam o valor do título conforme o movimento do dia de resgate e viam que o valor acabava sendo diferente daquele mostrado até então “pela curva”.
Também nos fundos de investimentos, as cotas sofrem marcação a mercado. Isso é uma realidade desde 2002. E os ativos de crédito (debêntures, CRIs e CRAs) são obrigatoriamente marcados a mercado quando estão dentro dos fundos. Da mesma forma que ocorre com ações e fundos de índice (os ETFs).
O lado bom da marcação a mercado
A medida que passa a vigorar agora é positiva porque traz mais transparência para o investidor.
Agentes do mercado argumentam que a marcação na curva é uma conta um tanto quanto artificial, que não reflete a realidade exata daquele momento.
“Muitas vezes, os clientes comparavam o desempenho do fundo ao desses títulos marcados na curva e achavam que estava perdendo dinheiro no fundo e indo bem no título. E aí, acabavam saindo do fundo”, diz Rodrigo Sgavioli, responsável pelo setor de alocação e fundos da XP.
“Trata-se de dar o direito ao cliente de saber quanto está valendo o que há no portfólio dele. A falta de transparência pode gerar um prejuízo muito grande para o cliente. É uma oportunidade que, ao não ver marcado no mercado, ele deixa na mesa. Ao não mostrar para o cliente, você tira dele o poder de tomar uma decisão que é dele”, afirma Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos e previdência do Itaú Unibanco.
O banco adotou a marcação a mercado desde 2017, antes da obrigatoriedade. “Quando não há a transparência, o cliente pode perder oportunidade de sair do papel se ele quiser realizar um lucro antes do tempo”, completa.
Na entrevista que concedeu à IF, Sanches explica os detalhes da marcação a mercado. Veja logo abaixo:
Por que a marcação na curva foi deixado de lado?
O método de marcação na curva era aceito e amplamente utilizado porque não havia tantos negócios no mercado secundário de debêntures, CRIs e CRAs, o que dificultava que se soubesse o valor “de mercado” desses papéis.
Mas esse cenário vem mudando nos últimos anos, com a popularização e a pulverização desses investimentos.
Risco de fuga
Apesar de ser considerada uma medida bastante positiva, pela transparência e possibilidade de compra e venda antes do vencimento, o primeiro momento pode ser de dificuldade.
Como toda mudança, há chances de haver intempéries na implantação.
A expectativa é de que, nesses primeiros meses, o investidor se depare com uma rentabilidade negativa. Isso porque as taxas de juros de longo prazo subiram nos últimos meses.
Assim, muitos já irão ver um portfólio no vermelho a partir desta segunda-feira, principalmente quem investiu há dois ou três anos, quando os juros estavam bem abaixo do que são praticados hoje
“Pode ocorrer de os clientes olharem a rentabilidade negativa desses papéis, principalmente dos comprados nos últimos dois ou três anos. Afinal, quando a taxa sobe, o preço cai. Vai ter alguma rentabilidade negativa para quem tem esses titulos”, explica Rodrigo Sgavioli, da XP.
“É claro que, para os que não estão acostumados, a tendência de saída pode gerar um impacto negativo gerando perdas. Um investidor que não tem noção das oscilações a que estão sujeitos os papéis costuma manter o investimento. Então, pode haver uma debandada quando as operações passarem a ser mais transparentes”, afirma o mestre em economia e professor convidado da FGV Direito Rio, Gabriel Quintanilha.
Cientes do risco de susto, já faz alguns meses que bancos, corretoras e agentes autônomos vêm trabalhando para explicar a mudança e evitar o pânico. Mas nem todo mundo teve acesso a essas informações. O susto de uma rentabilidade negativa, embora momentânea, tem o poder de afastar investidores.
Para o Claudio Sanches, do Itaú, mais do que nunca, o investidor precisa de alguém mais especializado para distribuir estes produtos e dedicar um tempo a explicar que a renda fixa varia em determinadas circunstâncias. A informação deve vir antes, e não depois do aporte, justamente para evitar ruídos.
É importante lembrar que, para os investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão em investimentos, a mudança na forma de apresentação da rentabilidade será facultativa. Eles podem escolher se querem ou não que seus títulos sejam marcados a mercado. Mas, para o varejo, segmento que reúne os pequenos investidores, inclusive do segmento de alta renda dos bancos, a mudança terá que ocorrer obrigatoriamente.
Novidade pode antecipar risco de inadimplência
Além de poder realizar um lucro antecipadamente, caso o movimento da curva de juros seja favorável, a marcação a mercado também pode ser uma ferramenta que dará ao investidor também pistas sobre a qualidade do crédito, ou o risco de inadimplência.
Se no Tesouro Direto a variação de preço da aplicação reflete basicamente as mudanças de taxas de juros de longo prazo da economia, no caso de títulos de renda fixa privada emitidos por empresas, a marcação a mercado se torna ainda mais importante.
Lembrando, debêntures, CRIs e CRAs são títulos de dívida, em que quem tomou o dinheiro emprestado precisar pagar o principal e os juros para o investidor que emprestou o dinheiro. ´
Se a qualidade do crédito de quem emitiu essa dívida se deteriora com o tempo, com maior chance de calote, o título vai perdendo valor quando é negociado no mercado.
E isso pode servir de alerta para o investidor, que poderá ler a percepção do mercado na medida em que o título se desvaloriza, e eventualmente se desfazer da aplicação antes de ser surpreendido com uma notícia de inadimplência quando a situação já estiver mais complicada.
Um exemplo emblemático desse tipo de problema é o caso das debêntures da Rodovias Tietê, em que cerca de 18 mil pessoas saíram no prejuízo quando a empresa não conseguiu honrar seus compromissos.
Com a marcação a mercado, o investidor poderia ter percebido que o papel ia mal e teria como tomar a decisão de sair dele antes que o prejuízo se aprofundasse.
Quais títulos devem ter perdas
De acordo com um levantamento da Luz Soluções Financeiras, 6 das 10 debêntures com maior liquidez devem apresentar perdas neste primeiro momento.
A variação deve ser pequena, de alguns poucos percentuais. Mas ainda seja pequena, uma perda momentânea pode assustar os pequenos investidores que não esperavam por oscilações em suas aplicações de renda fixa.
Rodrigo Sgavioli, responsável pelo setor de alocação e fundos da XP, acredita também que esses títulos podem ficar mais voláteis nesse primeiro exatamente em decorrência da marcação a mercado, e da reação dos investidores a ele.
Isso pode fazer que fundos de crédito privado, compostos essencialmente por CRIs, CRAs e debêntures, também possam sofrer queda na cota durante esse movimento de acomodação. Mas, segundo Sgavioli, não vai demorar muito para que os preços se estabilizem.
Isso porque os grandes investidores, mais experientes, podem se aproveitar da oportunidade de venda gerada por essa angústia dos pequenos e adquirir ativos bem abaixo do preço para seus fundos. “Se houver uma debandada, o gestor compra quando está na promoção. No médio prazo, melhora para os gestores”, argumenta.
Crise há 20 anos
Em 2002, essa mesma mudança que vemos agora para os títulos de crédito privado na carteira de investidores finais, foi implantada nos fundos de investimento. Na época, com a expectativa da primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência, o mercado de juros refletiam a percepção de risco que um governo de esquerda trazia, o clima foi de pânico e as perdas foram bilionárias. Aquele foi considerado um dos piores anos para a indústria de fundos, que era bem menor que hoje em dia.
O resultado foram resgates que somaram R$ 68,6 bilhões, um volume de saída de 19,44% do total do patrimônio investido nesses produtos.
Em 2003, entretanto, com uma política monetária e fiscal responsável implantada por Lula e sua equipe econômica, os aportes voltaram a ser feitos, com saldo positivo no balanço dos fundos.
Desde então, passado o pânico e a desconfiança com a mudança, a indústria de fundos se expandiu e o investidor começou a se acostumar com as idas e vindas das cotas.
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