Saiba por que os investidores estão em alerta com a visita de Pelosi a Taiwan

Viagem polêmica aumenta a tensão entre Estados Unidos e China

A visita da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan na terça-feira, em desafio às ameaças da China, elevou o nível de alerta para investidores e empresas americanas, já que é provável que essa viagem polêmica tenha empurrado as relações entre os EUA e a China para um novo momento de baixa.

Para os investidores, as questões giram em torno do que Pelosi dirá nas reuniões com autoridades locais nesta quarta-feira e da resposta de Pequim. Eles também buscarão descobrir o que qualquer deterioração extra nas relações dos dois países significará para empresas como Apple, General Motors e Tesla, que têm fábricas na China, usam as cadeias de fornecimento do país ou vendem produtos para consumidores chineses. Para entender os riscos envolvidos, aqui estão cinco coisas que os investidores precisam saber sobre a visita e por que todo mundo está apreensivo.

Por que a viagem é tão importante?

Esta não é a primeira delegação do Congresso americano a visitar Taiwan, a democracia autônoma que a China reivindica como sua. Mas a viagem provocou um aumento da ansiedade e advertências de militares e observadores políticos dos EUA por causa do momento em que ocorre.

A viagem de Pelosi, democrata da Califórnia, é a mais relevante feita por uma autoridade dos EUA em 25 anos e se dá em um momento crucial. O presidente da China, Xi Jinping, está em busca de conquistar um terceiro mandato no outono e o país enfrenta uma de suas piores quedas econômicas em décadas. E suas relações com os EUA se deterioraram desde a guerra comercial de 2018.

“Estamos muito preocupados com a possibilidade de que a crise de Taiwan possa sair ainda mais do controle. Existe uma necessidade urgente de negociações diretas de alto nível para amenizar a situação, que se assemelha a um pavio em cima de um barril de pólvora”, disse Doug Barry, porta-voz do Conselho Empresarial EUA-China.

Analistas veem pouco interesse de Pequim em um conflito militar, mas se preocupam com o risco crescente de um acidente ou erro de cálculo, quando há poucos canais abertos entre os dois países para o diálogo. “Quando se está em um período de intensificação rápida de um conflito, como temos estado nos últimos quatro anos, com uma guerra tecnológica, uma guerra comercial e agora uma guerra fria em rápida escalada, a possibilidade de um acidente é algo que se deve levar muito a sério”, diz Stephen Roach, ex-presidente do Morgan Stanley Asia e hoje professor de Yale. “Isto esfrega um monte de sal na ferida para a China.”

Por que Pelosi foi a Taiwan?

Uma das poucas áreas de consenso nos EUA, assim como no Congresso, é a China. Cerca de 82% dos americanos têm uma opinião desfavorável sobre a China, de acordo com a última pesquisa da Pew Research. Existe um forte apoio bipartidário a uma atitude mais dura contra a China, e muitos parlamentares republicanos apoiam a viagem de Pelosi.

Nos EUA, os dois partidos políticos competem na defesa de uma atitude dura em relação à China, que se tornou uma rival econômica e militar mais formidável e assumiu um papel mais agressivo no cenário mundial. A guerra da Rússia contra a Ucrânia só intensificou o foco sobre a China e os temores de que ela possa invadir Taiwan.

“Não surpreende que, conforme nosso centro de gravidade político muda, isso leve a presidente da Câmara a querer visitar Taipei, e não por coincidência quando nos aproximamos das eleições de meio de mandato e ela fica mais perto de encerrar sua carreira”, diz Christopher Smart, chefe do Barings Investment Institute, que antes ocupou cargos no Conselho de Segurança Nacional e no Departamento do Tesouro.

A China também é acusada de abusos de direitos humanos, e Pelosi em especial concentrou-se nessa questão ao longo dos anos – o que incluiu carregar uma faixa a favor da democracia na Praça Tiananmen, em Pequim, no início de sua carreira.

Por que Taiwan é um foco de tensão?

A viagem, inicialmente planejada para abril, ocorre em meio a um deslocamento no centro de gravidade político da China também, que deixou Pequim mais ousada e empenhada na reunificação com Taiwan – um motivo pelo qual a viagem causou uma reação mais forte do que provocaria 5 ou 10 anos atrás, segundo Smart.

Taiwan governa-se de forma independente desde 1947, mas a ilha é uma questão de extrema importância para Pequim, que a reivindica como sua e jura que vai reunificá-la com o continente. Os EUA reafirmam essa política de uma só China, até mesmo nesta última semana, mas ainda assim construíram um forte relacionamento não oficial com Taiwan, venderam-lhe armas e mantêm uma “ambiguidade estratégica” sobre como reagiriam a uma invasão de Taiwan. À medida que as relações entre os EUA e a China se desgastam, as iniciativas americanas para fortalecer os laços com Taiwan provocaram a ira de Pequim.

Quais as potenciais consequências para a economia?

A Europa arcou com o impacto das consequências da guerra na Ucrânia, em parte devido à sua dependência dos produtos energéticos russos. Mas um conflito em torno de Taiwan teria consequências de alcance ainda maior para os EUA, em vista de suas interligações com a China e do porte das cadeias de suprimentos passíveis de serem interrompidas em decorrência do embate. O risco é ampliado pelo papel decisivo desempenhado por Taiwan na economia digital, como polo produtor e distribuidor de semicondutores que compõem um sem-número de produtos, desde automóveis até eletrodomésticos.

A visão de consenso é a de que nem os EUA nem a China querem desestruturar a cadeia de suprimentos de chips porque ambos precisam deles. No entanto, num momento que a guerra na Ucrânia veio acompanhada da disposição da Rússia de desestruturar seus próprios mercados de produtos energéticos, o grau de tensão do pano de fundo geopolítico aumenta o risco, apesar de estar longe de ser usado por alguém como ponto de referência, para fins de análise. As interligações entre os EUA e a China, consolidadas ao longo de décadas de globalização, tornam a situação diferente da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética. Por isso, um descolamento total é visto como pouco provável. Estimar o custo é difícil, mas um retrato instantâneo dos problemas potenciais é o de que aproximadamente 80% da expansão de margem no S&P 500 foi fruto da globalização dos últimos 30 anos, segundo o Bank of America.

Qual é o impacto sobre os investidores?

A resposta depende da reação da China, não só nos próximos dias como nos próximos meses. Bombardear os estreitos de Taiwan ou sobrevoar o território de Taiwan sinalizaria um acirramento notável, ao mesmo tempo que a escalada da retórica, os exercícios militares e as sanções contra Pelosi e a delegação serão encaradas, em grande medida, como simbólicas e pouco passíveis de agitar o mercado como um todo.

O maior risco é o de um erro de cálculo ou de um acaso infeliz que acabe entrando em espiral e resultando em um conflito de maiores proporções. A maioria não prevê um conflito militar – um acontecimento descrito pelos investidores como desdobramento “com efeitos absolutamente imprevisíveis” em vista da magnitude e da escala das duas economias e de suas interconexões.

“Os investidores deveriam, sem sombra de dúvida, entender os riscos de fazer negócios no âmbito e nas proximidades da relação EUA-China”, diz Smart. Ambos os países tendem mais a armar a relação econômica – em termos de comércio, investimentos e sistema financeiro —, o que eleva o risco de empresas e investidores serem pegos no fogo cruzado, acrescenta.