Como os músicos de hoje ganham dinheiro?

Incapazes de combater os gigantes do streaming, artistas estão criando novos modelos de negócios

A loja digital Bandcamp, sediada nos Estados Unidos, se orgulha de pagar uma boa taxa de retorno aos artistas. Se você clicar no primeiro álbum listado em sua página de lançamentos mais vendidos, você ouvirá uma voz ofegante de uma mulher cantando sobre notas de dólar: “Vou receber, sim, é só dar meu moolah-la-la-la”.

A canção é “Sad Girlz Luv Money” (ou “Garotas Tristes Adoram Dinheiro”), de Amaarae, uma cantora-compositora ganesa-americana. Seu recado de ser remunerada pelo que produziu será entendido por seus colegas artistas fonográficos. “Só me dê meu moolah” (moolah é gíria para dinheiro) é o que gritam músicos e compositores prejudicados, enraivecidos com o que percebem como subpagamento da parte das gigantes de serviços de streaming como a Apple Music e o Spotify. A receita do setor fonográfico está crescendo. Aumentou quase 20%, para US$ 25,9 bilhões, no ano passado, e o mesmo ocorre com as reivindicações por uma distribuição mais justa do butim.

As reclamações não estão passando batido. A Bandcamp, fundada em 2008, se posicionou como uma alternativa justa. Recebe uma comissão de apenas 10% a 15% dos artistas por download e venda de vinis, CDs e merchandising de produtos com sua logomarca. Entre os serviços de streaming, a plataforma de compartilhamento de música SoundCloud, com sede em Berlim, lançou no ano passado um sistema de “royalties movido a fãs”, que canaliza as tarifas pagas pelos assinantes diretamente para as obras que estão ouvindo. Afirma que o resultado é um aumento de 60% na receita média do artista.

E novas tecnologias de distribuição de música estão proliferando, desde NFTs até o aventuresco aparelho de áudio Stem Player de Kanye West, ao qual ele vinculou a venda de seu álbum “Donda”, de 2021.

Mas há um grande obstáculo a esses diferentes esquemas. Será que conseguem fazer diferença diante do domínio de Amazon Music, Apple Music, Spotify e YouTube Music, que têm, juntos, mais de estimados 560 milhões de assinantes e muito mais usuários não pagantes?

“Encaro a coisa da seguinte forma”, diz Amaarae, de 27 anos, cujo nome verdadeiro é Ama Serwah Genfi. A artista mais vendida na Bandcamp está falando por videochamada a partir de sua casa em Acra, capital de Gana. “Muitos artistas reclamam dos pagamentos e das taxas que recebemos, que, eu concordo, são injustas”, diz ela sobre os pagamentos por streaming.

“Estamos sendo totalmente roubados. Mas a música é uma paisagem em contínua mutação, e todos nos desenvolvemos no sentido de nos adaptarmos a essa paisagem. Não tem jeito. Não consigo combater as gigantes do streaming.”

Como num jogo multidimensional de xadrez, Amaarae transita por várias mídias e territórios diferentes. A promoção envolve a música ser tocada em estações de rádio internacionais e performances ao vivo, remixes e uso comercial da música. Entre as forças que transformaram “Sad Girlz Luv Money” em seu maior sucesso está “a magia do TikTok”, nas suas palavras — a canção viralizou no serviço de compartilhamento de vídeo ao ser lançada, em 2020, e novamente no ano seguinte após um remix com a cantora americana Kali Uchis.

“A música gravada é quase a essência da expressão de qualquer artista”, diz ela. “Mas, no momento em que é feita, tenho de deixar aquele papel e considerá-la um produto. Como vou ganhar com ela? Como vou conseguir fazê-la chegar às pessoas?”

Amaarae nasceu em Nova York e foi criada nos Estados Unidos e em Gana, e sua experiência fonográfica começou quando era aluna do ensino médio e fazia compilações de suas canções. Depois de sair do ensino médio, estagiou em um estúdio de música em Acra, onde aprendeu engenharia de som e produção. Desenvolveu seu som e conquistou uma base de seguidores por meio do lançamento de singles. Mandou suas primeiras canções a SoundCloud para uso gratuito em 2014. Este é um ponto de partida comum para astros em ascensão. Billie Eilish está entre as estrelas cuja carreira começou por meio da postagem de faixas na plataforma.

Em 2020, Amaarae fez seu álbum de estúdio de estreia, “The Angel You Don’t Know”. Ele foi recusado por “todos os principais selos fonográficos”, em suas palavras, por isso ela o lançou sob seu próprio selo, com sua mãe como gerente comercial.

A mistura de rhythm and blues americano e afropop de “The Angel You Don’t Know” teve recepção calorosa, entrando nas escolhas do ano do jornal “The New York Times” e da revista “The New Yorker”. Seguiu-se um acordo de distribuição com a Platoon, sediada em Londres e controlada pela Apple, especializada em música pop africana. A empresa investe na obra de artistas independentes no estilo de capital de risco, em vez de firmar o acordo fonográfico tradicional pelo qual o selo adquire a propriedade dos direitos autorais das gravações.

A cantora prefere não atribuir uma cifra precisa à sua receita, mas especifica sua composição para mim em parcelas aproximadas. Apesar de ser uma das maiores atrações da Bandcamp, o que ela ganha das vendas na loja digital é insignificante. A maior fonte de receita, que responde por cerca de 50%, é o dinheiro ganho com shows ao vivo, tanto presenciais quanto on- line. Cerca de 35% provêm de acordos de concessão de licença pelo uso de suas canções, como o que ocorre na trilha sonora da série de TV da Netflix “Top Boy”, e um acordo com a varejista sueca Ikea.

Os 15% remanescentes provêm da receita de streaming: só no Spotify, o remix de “Sad Girlz Luv Money” foi ouvido por streaming 210 milhões de vezes.

A receita das gravações envolve um complexo conjunto de fatores ligados a contratos, direitos de licenciamento e à maneira pela qual a canção é ouvida. Na condição de versátil faz-tudo que interpreta, escreve e produz sua obra, Amaarae detém os direitos autorais tanto de suas gravações sonoras quanto das próprias composições, o direito autoral da obra musical. Mas não ter o respaldo de um selo consagrado implica também que ela tem de cobrir os custos iniciais.

“A desvantagem é que eu arco com a maior parte do impacto financeiro proveniente da distribuição e promoção da minha música”, explica ela. “Uma pessoa de um selo que não tem nenhuma propriedade ou tem propriedade apenas parcial [sobre sua música] não tem preocupação como — ‘Ai, rapaz, tenho que pagar meus gerentes este mês. Ai, rapaz, vamos viajar, temos que reservar Airbnbs, quanto isso vai me custar?’ A propriedade implica isso.”

O jogo de forças entre empresas de tecnologia, selos de gravadoras, artistas e legisladores está em movimento constante: às vezes marcado pelo antagonismo, outras pela cooperação. Os serviços de streaming rejeitam a alegação de que não pagam o suficiente, responsabilizando, em vez disso, os selos fonográficos por não partilharem corretamente a renda apurada com os artistas — uma acusação que as gravadoras, por sua vez, rejeitam.

Uma recente novidade nos Estados Unidos favorece o talento. Neste mês, uma determinação do Conselho de Royalty de Direito Autoral propôs um aumento de mais de 30% em royalties gerados pelas vendas e pelas audições por streaming de suas composições. A mudança, cuja aplicação tem início previsto no ano que vem, foi recebida com aceitação generalizada da parte da indústria fonográfica americana.

Por outro lado, outra ação que ganha força nos Estados Unidos ameaça aumentar o custo das canções gravadas para os consumidores. A Bandcamp, que teve seu controle assumido pela empresa de videogames Epic Games em março, está combatendo a imposição do Google de tarifas pelo uso do sistema de cobrança da Play Store, com início previsto para o mês que vem.

Em comunicado, a Bandcamp alertou que a medida poderá exigir que a empresa cobre mais de seus clientes.
Enquanto esses titãs corporativos brigam, Amaarae sintetiza a sagacidade do atual artista fonográfico. Entre as decisões vitais para “The Angel You Don’t Know” estão contratar um especialista para promover canções no rádio em Londres e fazer o remix de “Sad Girlz Luv Money” com Uchis, que tem uma considerável base de aficionados latino-americanos. Ambos foram investimentos de risco; ambos renderam bons resultados.

“Você tem de manobrar naquele terreno na medida em que muda e no momento em que muda”, diz Amaarae. “Acho que dinâmica de poder é um pouco distorcida, mas não me oponho a ser inteligente e encontrar maneiras de contornar a situação. Você simplesmente tem de dançar conforme a música.”

Por Ludovic Hunter-Tilney, Financial Times. Tradução de Rachel Warszawski