Casagrande: série vai além do relato de descida ao inferno do ídolo do Corinthians

Série relembra a jornada tortuosa do ex-jogador

“Fiz muito gol, muita coisa boa e muita m.”, narra Walter Casagrande Júnior num texto de abertura de “Casão, Num Jogo Sem Regras”, nova minissérie documental de quatro capítulos, já disponível na íntegra no Globoplay. A fala sintetiza o que todos sabem, mas não em tantos detalhes, a menos que tenhamos lido as três autobiografias publicadas pelo ex-jogador e comentarista – “Casagrande e seus demônios” (2013), “Sócrates e Casagrande: Uma história de amor” (2016) e “Travessia” (2020).

Ídolo do Corinthians, campeão da Champions League pelo Porto (1987), com passagens pelo futebol italiano e pela Seleção, o craque é igualmente notório pelas suas desventuras fora dos campos. Mais precisamente por seu histórico de dependência química, sobre o qual Casagrande fala com uma franqueza desconcertante, talvez até nunca vista entre celebridades da TV brasileira. A história que vendeu tantos livros é uma legítima descida ao inferno, num sentido quase literal do termo.

Pois, em seus piores dias, Casagrande alucinava com demônios se esgueirando por todos os cantos, de manhã, de tarde, de noite. Sofreu várias overdoses e certa vez capotou com o carro, envolvendo outros veículos no acidente, antes de dar entrada na UTI, em coma. Amigos e familiares descrevem um Casagrande muito diferente por essa época: arredio, esquálido, quase irreconhecível. O apresentador Serginho Groisman conta o seu choque no momento em que o colega arregaçou as mangas para revelar os braços cobertos de picadas de agulha. Uma internação compulsória deu início a seu lento e gradual processo de recuperação, que culminou com um desabafo emocionado, feito ao vivo durante a transmissão da Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

Embora o drama pessoal sirva de clímax, nem tudo é drogas e escuridão na minissérie. A trajetória de Casagrande está toda lá, em ordem cronológica: os anos de rock e rebeldia, o início no Corinthians e a subsequente consagração internacional, a duradoura relação com Sócrates e com a Campanha de Diretas Já, passando pelos amores e perdas pessoais. Há depoimentos de Galvão Bueno, Baby do Brasil, Rivellino, Wladimir, Marcelo Rubens Paiva, Juca Kfouri, Nasi (do Ira!), Paulo Miklos, Branco Mello (ambos dos Titãs) e do já citado Serginho Groisman. Sócrates, Marcelo Frommer, Rita Lee e outros aparecem em imagens de arquivo.

A montagem e direção de arte é um trunfo à parte. “Casão, Num Jogo Sem Regras” é costurado por animações, vinhetas psicodélicas, trechos de clássicos do cinema nacional, tais como “São Paulo, Sociedade Anônima” (1965) e “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), sem contar a pornochanchada dos anos 1980 “Onda Nova”, em que o ex-jogador atua e protagoniza uma cena de sexo. Janis Joplin e pérolas do rock nacional embalam a trilha sonora, como não podia deixar de ser.

Casão, Num Jogo Sem Regras – Minissérie

(Brasil, 2022) Dir.: Susanna Lira Onde ver: Globoplay / AA+

AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

Por Luciano Buarque de Holanda — Para o Valor Econômico, de São Paulo