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Para onde caminha o Arcabouço Fiscal?
Talvez a palavra mais falada do ano, até agora, tenha sido arcabouço. Os jornais e os políticos têm falado do Arcabouço Fiscal, da âncora monetária, da âncora fiscal, da inflação.
Essas palavras podem deixar a conversa técnica demais para entendermos a nova regra que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou nesta quinta-feira.
Por que nunca se falou tanto de arcabouço?
Arcabouço é um esqueleto. Para que serve o esqueleto? Para organizar a nossa estrutura corporal. Quando falamos no sentido figurado, é o que dá base ou direcionamentos.
O Arcabouço Fiscal, tão comentado, é um conjunto de regras e princípios para conduzir os gastos do governo.
Assim como uma família, o governo tem suas fontes de receita e suas despesas. No seu caso, você tem suas receitas como salário, suas vendas. No caso do governo, as receitas vêm basicamente dos impostos pagos por nós, ou seja, a carga tributária e/ou da dívida e/ou da inflação.
Perceba que esses três elementos não são tão agradáveis. Ninguém quer imposto, ninguém quer juros altos e ninguém quer inflação. E como o governo deveria proceder para atender a sociedade com saúde, educação e segurança?
Da mesma forma que você precisa equilibrar suas contas de casa, o governo também precisa de equilíbrio nas contas públicas.
Como a discussão começou?
Em 1964, foi instituída a lei do Direito Financeiro para controlar o orçamento da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
A constituição em 1988 trouxe o capítulo 2 sobre finanças públicas e, em 2000, tivemos a lei 101. Curioso este número, não é? Nos EUA, 101 é sobre tudo que é fundamental. Por exemplo, curso de matemática básica é ‘Matemática 101’. Aqui no Brasil, a lei de responsabilidade fiscal foi um marco para as contas públicas no brasil.
Em 1988, foi definido que estados, municípios e união têm suas formas de arrecadação enquanto ente federativo. No ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu os parâmetros a serem seguidos relativos ao gasto público de cada ente federativo (estados e municípios) brasileiro.
O teto de gastos que foi introduzido na constituição em 2016 com vigência por vinte anos. Só que, devido a uma série de mudanças, ano após ano, a credibilidade dessa regra fiscal foi comprometida. Regra esta que deveria servir como a âncora fiscal.
Por que falar de âncora?
Âncora serve para segurar o barco no mar. A âncora fiscal serve para controlar as expectativas em meio a um mar conturbado.
Uma coisa muito comum no Brasil é olhar apenas para o momento atual. Se a economia vai bem, então o governo aumenta as despesas. O que não seria um problema, se esse aumento não fosse de forma sustentada.
Fazendo um paralelo, é como aumentar o custo de vida do governo. Isso é bem problemático se feito de forma sustentada, porque o dinheiro precisa sair de algum lugar. E se a economia não estiver indo bem, o que sustentaria a arrecadação não seria muito agradável para a sociedade: mais imposto, juros ou inflação.
Equívocos de contar com uma arrecadação futura que marcaram a gestão fiscal do Brasil nos últimos anos – não apenas falando de um governo ou de outro.
Isto justificado com a retórica de que “diminuir o gasto público só prejudica os mais pobres”.
Ocorre que as consequências de um gasto público desenfreado, também: inflação, imposto e juros altos. Então, veja, o problema não é gastar, mas não ter uma regra que encaminhe o rumo.
Responsabilidade fiscal não é oposto da responsabilidade social. Justamente para uma acontecer que precisamos da outra.
Situação atual
Um dos maiores problemas do orçamento público hoje é o fato de ser engessado. Quando o Brasil teve que lidar com imprevistos, como a pandemia, em meio a tantos gastos obrigatórios, o teto de gastos não dava margem para situações de vacas magras.
O teto de gastos recebeu críticas sobre sua formulação, porque definia o crescimento dos gastos “em pedra”, com obrigações de execução e pouca margem para situações emergenciais. Os gastos do governo só podem subir de acordo com a variação da inflação do ano anterior. Não dava espaço para as despesas discricionárias (não obrigatórias) que são muito importantes: como saúde, educação.
Desde 2019, tivemos 6 alterações no teto de gastos. E, com o calendário novo de 2023, o governo precisa enviar para o Congresso até 31 de agosto a sua proposta de orçamento.
Hoje o teto de gastos define um parâmetro de crescimento da despesa pública. Isso é uma regra fiscal. Isso está na própria constituição.
O que precisamos?
Não de uma solução para situação de aperto, para agora, mas ter um conjunto de regras que apresente mais flexibilidade ao orçamento para atender a sociedade;
Um dispositivo sinalizando um novo regime de regras, que não precisa estar cravado na constituição, um limite numérico, mas sim ser parametrizável.
O que foi apresentado?
Com base na receita observada no ano anterior, o governo vai passar a projetar a despesa numa proporção de 70% dessa receita já realizada.
Qual foi a ideia? Transmitir credibilidade. A mensagem é de que o governo não vai se alavancar contando com o dinheiro que ainda vai ganhar.
Inclusive, já anunciando um superávit em 2026, ou seja, conseguindo guardar dinheiro público. Metas audaciosas. Isso é bom? Significa que governo está comprometido?
Bem, o gasto está condicionado à arrecadação. Quanto mais o governo arrecadar, mais poderá gastar. Se a economia não estiver bombando, essa arrecadação será ao custo de aumentar imposto? Não ficou claro.
Então, apesar de diminuir a incerteza, porque vemos um esqueleto se formar, ainda faltam detalhes, que mantem as incertezas.
Quando isto for esclarecido, quem sabe o banco central não precise ser tão duro com a taxa de juros?
Fontes para bebermos
Ajustar as contas públicas tem sido um tema em vários países.
O diretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI, Vítor Gaspar, menciona o exemplo da Europa, que deve ter regras o mais simples possível.
Então, para ele, que é especialista no assunto, uma âncora fiscal deveria se formar a partir de uma regra de controle do endividamento em conjunto a uma regra operacional para sinalizar, no dia a dia, como receitas e despesas serão combinadas.
Uma espécie de teto de gastos não cravado na constituição, mas balizando com os resultados.
Para o Oliver Blanchard, autor do clássico Manual de Macroeconomia, o que precisa ser feito são padrões de governança.
Não ser dependente das regras fiscais, mas ter revisões periódicas dos gastos públicos. Poder executivo e legislativo se controlando.
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