O que está por trás da explosão de crescimento de alguns bairros de São Paulo?

Especialistas falam sobre os fatores que têm levado a um avanço acelerado de edifícios residenciais em algumas áreas

Com uma população estimada em mais de 12 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo não para de crescer. Um crescimento atualmente muito concentrado em alguns bairros de classe média, que dispõem de ampla infraestrutura, ou então próximos a acessos a cidades vizinhas. São bairros que têm sido palco de um ritmo acelerado de construções de edifícios residenciais. Entre eles, Perdizes, Vila Mariana, Santo Amaro, Ipiranga, Mooca e Butantã.

No curto prazo, essas regiões tendem a assistir a um maior adensamento populacional e a um trânsito mais intenso. A expansão também impacta os preços. Com mais prédios novos, os alugueis, por exemplo, tendem a ficar mais caros.

Atualmente, três vetores puxam a expansão da cidade: infraestrutura de transporte em áreas mais ricas, política habitacional em bairros mais pobres, e construções em zonas próximas a estradas que levam a cidades vizinhas, afirma Beatriz Mioto, professora de planejamento territorial da Universidade Federal do ABC (Ufabc).

“O primeiro é a produção em eixos como metrô, corredor de ônibus. É muito verticalizada e voltada para investimentos de apartamentos pequenos, de um dormitório. É um aluguel caro e muitas vezes buscado para renda”, afirma, ao dar como exemplo os bairros Perdizes, Pinheiros e Vila Marina.

— Foto: Arte/Valor

“O segundo é a produção vinculada à política habitacional. Depois de ficar de fora do boom do Minha Casa Minha Vida, que ocorreu com mais força no ABC [Santo André, São Bernado e São Caetano, municípios da região metropolitana] e também em Guarulhos e Osasco, essa produção volta para São Paulo, em bairros como Santo Amaro, Pirituba, Sacomã. Aqui o critério é atender a famílias de três ou quatro pessoas, o que tende a aumentar a densidade de ocupação dos imóveis”, continua.

Uma terceira frente de expansão ocorre em bairros próximos a estradas que levam a cidades vizinhas, em uma dispersão para o interior, ampliado a região metropolitana, argumenta.

“Está muito vinculado à questão da macrometrópole e da articulação com rodovias que levam para Jundiaí, Valinhos, Campinas”, diz. “O Butantã, por exemplo, cresce de olho na Raposo Tavares que leva a Cotia. Pirituba e Jaraguá miram a Bandeirantes e a Anhanguera, que levam a Caieiras e Cajamar.”

A especialista acrescenta ainda que um quarto vetor que pode ditar a lógica de expansão do mercado imobiliário são as parcerias público-privadas para consórcios, que engloba residências e serviços. O objetivo é construir unidades habitacionais acompanhadas de empreendimentos não residenciais e infraestrutura de serviços públicos.

Segundo a Superintendência de Planejamento e Programas de Fomento, da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), a ideia é que os moradores não precisem sempre se deslocar para trabalhar ou consumir serviços ou que tenham acesso à malha de transporte público. Ou seja, aproximar as moradias de serviços, emprego, corredores de transporte público, postos de saúde, escolas e áreas comerciais.

As unidades têm de 28 metros quadrados, com um dormitório, a 56 metros quadrados, com três dormitórios. A primeira etapa será de apartamentos em bairros como Ipiranga, Mooca, Vila Maria e Lapa, que devem começar a ser construídos até o fim do ano e têm previsão de entrega a partir de 2023.

Esses quatro eixos levam à verticalização da cidade, prevista no Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo. Mas isso não necessariamente significa aumento da demografia em todos os bairros que experimentam boom imobiliário. “Nas regiões mais ricas, pode haver imóveis vazios por muito tempo, imóveis para aluguel de temporada, como Airbnb”, diz Beatriz Mioto.

O boom que São Paulo vive hoje teve início em 2019, diz Beatriz Rufino, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo.

Segundo a urbanista, de 2007 a 2014 houve expansão na região metropolitana fora de São Paulo, seguida por crise e desaceleração da produção entre 2015 e 2018.

“Em 2019, a produção imobiliária voltou com força, com intensificação nos corredores de estrutura de mobilidade em bairros como Vila Madalena e em regiões periféricas que não tinham muitos lançamentos imobiliários, como Campo Limpo e Itaquera”, afirma Beatriz Rufino.

“A cidade vem passando por um processo de rescentralização. A tônica dos últimos três anos é a produção de unidades cada vez menores, em que se privilegia um ou dois quartos. Ou seja, se constrói mais no mesmo lote”, diz.

Isso cria uma tendência de aumento populacional e tráfego mais intenso, afirma Beatriz Rufino. “Não podemos afirmar claramente porque não temos censo e não sabemos se a essas unidades serão ocupadas como residências permanentes ou se ficarão ocupadas com uma população flutuante, mas essa é a perspectiva”, argumenta. “Outra característica é a de elitização desse bairros, com as pessoas se deslocando não com transporte público, mas com carros próprios ou de aplicativos, que contribuem para ocupar o espaço, gerando aumento do trânsito.”

Essa elitização, a urbanista acrescenta, pode ainda pressionar quem vive de aluguel em imóveis existentes nessas regiões a se mudar para lugares mais baratos.

Essa lógica do adensamento, ela observa, está presente também no programa habitacional Casa Verde e Amarela (ex-Minha Casa Minha Vida). “Até mesmo as faixas 2 e 3 do Casa Verde e Amarela vêm sendo produzidas em unidades bem menores, de 20 metros quadrados”, lembra.

No ano passado, o Casa Verde e Amarela respondeu por metade das unidades residenciais entregues, afirma Ely Wertheim, presidente executivo (CEO) do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP).

Na Pesquisa Secovi-SP do Mercado Imobiliário de abril — última disponível —, o sindicato afirmou que no quarto mês do ano 50% (2.750) das unidades vendidas e 41% (1.579) das unidades lançadas foram enquadradas como econômicas.

“Tivemos um ano recorde em 2021, quando se passou da média de 62 mil novas unidades residenciais lançadas para mais de 86 mil”, afirma Wertheim. “Tínhamos uma conjuntura econômica de juros baixíssimos, de 2% a 3% , o que foi um grande incentivo à compra de imóveis, abundância de financiamento, e demanda reprimida.”

Ele observa, contudo, que a conjuntura favorável a esse crescimento, de juros baixos e crédito abundante não deve se repetir neste ano.

“Os fatores impulsionadores dos últimos anos não estão presentes. Temos taxa de juros maior, inflação mundial, ambiente político deteriorado em ano de eleição. O mercado está se estabilizando em um platô e deve fechar 2022 com queda de 5% e 10%. Ou seja, terminaríamos o ano com cerca de 80 mil novas unidades”, diz.

Wertheim não quer, contudo, falar em aumento demográfico na cidade. “O plano diretor adensa (a produção) nos eixos de transporte, que respondem por apenas 3% do território de São Paulo”, diz. “Além disso, apenas 23% da população moram no centro expandido, que inclui Morumbi, Ipiranga, Vila Mariana e Tatuapé, enquanto mais de 80% moram nas franjas da cidade.”

Por Marsílea Gombata, Valor Econômico, de São Paulo.